VAQUEJADA

PAIXÃO NACIONAL

  "Em pleno meio-dia, levado pelo poderoso ímpeto de sua corrida, o cavalo galopa às cegas, e o cavaleiro, de olhos bem abertos, procura evitar os pânicos do animal, conduzindo-o em direção à meta que se propôs alcançar; à noite, porém, quando é o cavaleiro que por sua vez se torna cego, o cavalo pode então tornar-se vidente e guia. A partir daí, é ele que comanda, pois, só ele é capaz de transpor impunemente as portas do mistério inacessível à razão".  

 

O gado foi introduzido no país por Martins Afonso de Souza em 1534, no litoral. Oriundo do Cabo Verde, muito serviu para o progresso como força motriz no engenho, transporte, além de fornecer carne e leite para o consumo interno.

As primeiras cabeças que aqui chegaram, tinham destino certo:  a capitania de São Vicente. Em 1550, Tomé de Sousa mandou uma caravela a Cabo Verde para trazer um novo carregamento, desta vez para Salvador. Da capital da colônia o gado dispersou-se em direção a Pernambuco e daí para o nordeste, principalmente Maranhão e Piauí.

 

O crescimento do rebanho no Nordeste, atormentou o Senhor do Engenho, que assistia, indefeso, seus canaviais sendo constantemente invadidos e por vezes, destruídos, pelo gado solto ou perdido. Uma Carta Régia datada de 1701, constituiu um ato proibitivo e a criação de gado foi abrigada a afastar-se de pelo menos 10 léguas do litoral. Com esta determinação da Coroa Portuguesa, as boiadas seguiram o curso do rio São Francisco, desbravando o sertão nordestino. Este trajeto foi marcado pela fome, sede e muitos confrontos com tribos indígenas. Na Bahia, por exemplo, houve um enorme levante dos índios janduís e paiacus durante as últimas décadas do século XVII, obrigando o Governo-geral a solicitar a ajuda de bandeirantes vicentinos (os "sertanistas de contrato") afeitos desde há muito à guerra e à caça ao índio. Em socorro aos vaqueiros baianos vieram experimentados apresadores de indígenas, como Estêvão Parente, Domingos Barbosa, Brás Arzão, Domingos Jorge Velho, Cardoso de Almeida e outros, que foram empregados na repressão à chamada "Guerra dos Bárbaros" ou "Confederação dos Cariris".

As propriedades que se detiveram à criação de gado no sertão eram verdadeiros latifúndios assentados em sesmarias.

As fazendas de criação constituíam núcleos onde essa influência da pecuária caracterizada pela organização econômica e social. Criou-se, na figura do fazendeiro, o tipo do coronel; é senhor das suas sesmarias e do seu gado, e exerce também a sua influência sobre os vaqueiros, os agregados e todos quantos ali empregam as suas atividades".

A relação patrão-empregado nas fazendas do sertão, eram distintas da dos Senhores do Engenho. Esta última tinha como base de sustentação um grande número de escravos.

O fazendeiro e o vaqueiro, travavam a princípio, uma relação harmônica. O vaqueiro era pago em espécime. A cada quatro ou cinco anos, na data acordada para apartação, ele teria direito a um quarto do rebanho administrado, dando-lhe, deste modo, condições que permitiam ao longo do tempo, fundar sua própria fazenda. Esta possibilidade, certamente contribuiu para aumentar o prestígio que ele gozava entre os que se ocupavam do criatório. O vaqueiro era o encarregado direto da administração da fazenda, cabendo aos "fabricas ou esteiras", auxiliá-lo em todos os serviços.

A atividade pecuária, foi, por longo tempo, uma atividade atrativa, pois não dependia de gastos monetários no processo de reposição do capital e da expansão de sua capacidade produtiva.

A VAQUEJADA

A vaquejada é um trabalho que consiste essencialmente em reunir todo o gado disperso entre fazendas sem cercas e sem valos, para discriminá-lo, separá-lo e marcá-lo. Este feito tem uma movimentação assombrosa e selvagem, um bailado dinâmico e incansável, uma corrida de tártaros.

"Desaparecem em minutos os sertanejos, perdendo-se no matagal circundante. O rodeio permanece por algum tempo deserto... De repente estruge ao lado um estrídulo tropel de cascos sobre pedras, um estrépito de galhos estalando, um estalar de chifres embatendo; tufa nos ares, em novelos, uma nuvem de pó; rompe, a súbitas, na clareira, embolada, uma ponta de gado; e, logo após, sobre o cavalo que estaca esbarrado, o vaqueiro, teso nos estribos... Traz apenas exígua parte do rebanho. Entrega-a aos companheiros que ali ficam, de esteira; e volve em galope desabalado, renovando a pesquisa. Enquanto outros repontam além, mais outros, sucessivamente, por toda a banda, por todo o âmbito do rodeio, que se anima, e tumultua em disparos: bois às marradas ou escavando o chão, cavalos curveteando, confundidos e embaralhados sobre os plainos vibrantes num prolongados rumor de terremoto. Aos lados, na caatinga, os menos felizes se agitam às voltas com os marruás recalcitrantes. O touro largado ou o garrote vadio em geral refogue à revista. Afunda na caatinga. Segue-o o vaqueiro.

Cose-se-lhe no rastro. Vai com ele às últimas bibocas. 

Não o larga; até que surja o ensejo para um ato decisivo: alcançar repentinamente o fugitivo, de arranco; cair logo para o lado da sela, suspenso num estribo e uma das mãos presa às crinas do cavalo; agarrar com a outra a cauda do boi em disparada e com um repelão fortíssimo, de banda, derruba-lo pesadamente em terra... põe-lhe depois a peia ou a máscara de couro, levando-o jugulado ou vendado para o rodeador. 

 

Ali o recebem ruidosamente os companheiros. Conta-lhes a façanha. Contam-lhes outras idênticas; e trocam-se as impressões heróicas numa adjetivação ad hoc, que vai num crescendo do destalado ríspido ao tempero pronunciado num trêmulo enrouquecido e longo. Depois, ao findar do dia, a última tarefa: contam as cabeças reunidas. Apartam-as. Separam-se, seguindo cada um para sua fazenda trazendo por diante as reses respectivas. E pelos ermos ecoam melancolicamente as notas do aboiado... Entretanto mesmo ao cabo desta faina penosa, surgem outras maiores." (Os Sertões, Euclides da Cunha).

Existe uma grande diferença quando o trabalho da vaquejada é realizado nos pampas gaúchos (sul do país), onde a paisagem apresenta campos cobertos por gramíneas e árvores ocasionais, pois este vaqueiro não tem necessidade de cobrir-se de couro para enfrentar arbustos espinhosos e retorcidos da caatinga e pode também laçar o boi com bem menos empecilhos.          

CASAL PERFEITO: VAQUEJADA E FORRÓ

No início, a vaquejada marcava apenas um encerramento festivo de uma etapa de trabalho. Foi com o passar dos anos que foi transformando-se em um esporte com muita diversão e direito à forró, além da distribuição de valiosos prêmios aos melhores vaqueiros.  A vaquejada, é hoje, uma das mais tradicionais manifestações culturais do Nordeste.

O forró é um ritmo genuinamente nordestino, nascido do zabumba de couro e do triângulo, inicialmente chamado de baião, maxixe, xote, xaxado e outros. Na definição de Luiz Gonzaga, que foi o maior expoente e ídolo da cultura nordestina, afirmava que o forró era um baile de ponta de rua, de letra provocante que conta proezas e valentias.

O parque de vaquejada não respira sem o forró, um não pode dissociar-se do outro e os dois são motivos de orgulho para os nordestinos.

 

 

O cavalo neste esporte é motivo de destaque,pois é através de bom desempenho deste valente herói desconhecido, que o vaqueiro consegue alcançar seu intento. Os cavalos utilizados hoje nas vaquejadas, são a maioria mestiços e entram na pista adomados com peitorais e rabichos cravados com rebites prateados. Um segundo freio também é colocado no chanfro do cavalo, chamado de "professora", que é ajustada em um meio círculo de metal com pontas de onde saem as rédeas. 

Em uma das provas mais comuns da vaquejada é a "derrubada", onde os vaqueiros exibem sua habilidade de derrubar o boi, puxando abruptamente o animal pela cauda. Dois vaqueiros montados em seus cavalos participam da prova, um deles se mantém à esquerda do animal, e é chamado de "esteira",tendo a incumbência de conservá-lo em linha reta. O outro, é o derrubador que segura-lhe a cauda, envolve-a na mão e, ao mesmo tempo que lhe dá um puxão violento afastando o cavalo para o lado. Desequilibrado, o animal cai de patas para o ar. Se por acaso, o vaqueiro não consegue derrubar o boi, mas retira o sedenho da cola, tem direito a correr outro boi. Durante a vaquejada, a dupla corre oito bois, quatro no primeiro dia e quatro no segundo.

O termo vaquejada é usado nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste. No Rio Grande do Sul, diz-se rodeio.

 

O homem, sem conta de anos, busca através de sua inteligência a vigor físico, dominar os animais para o seu usufruto. O cavalo domado, veio em seu auxílio para campear o gado. Alguns vaqueiros mais ousados já se dispuseram à montar touros. E assim será....sempre será, pois faz parte da índole humana tentar superar-se em constantes desafios.

 Hoje já se têm notícia de cerca de 1.200 festas de vaquejadas e rodeios, realizadas no Brasil ao longo do ano, atraindo público de todas as idades e movimentando um expressivo capital financeiro.

Ser vaqueiro, há bem pouco tempo, era o ofício mais desejado por todo o jovem sertanejo, marca indelegável do processo de formação de nosso povo. O vaqueiro nordestino, com sua armadura de couro, ajudou a fixar as nossas tradições e é símbolo arquetípico nacional. No inconsciente coletivo, acham-se guardados as marcas do sertão, assim como a bravura e abnegação que caracterizam e legitimam o vaqueiro.

Ser vaqueiro, era um estilo de vida, que satisfez a alma livre do índio brasileiro. Até mesmo o Capitão Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, preferiu ser vaqueiro à ter outro título. Considerado "bruto que nem canto de cerca", não se tem idéia, qual o personagem do campo é mais resistente, se o vaqueiro ou o rústico touro, elegante e prepotente. Teimoso e irreverente, este homem é capaz de pegá-lo pelo chifre e esbravejar: "bicho, ninguém pode comigo, mas força que eu, tu não tem."

“Os homens fazem sua própria história, mas não a  fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos... Os homens conjuram ansiosamente em seu auxílio os espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar-se nessa linguagem emprestada.."  

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Texto pesquisado e desenvolvido por

Rosane Volpatto 

Bibliografia

Brasil, Histórias, Costumes e Lendas; Editora Três; SP