A
Shechinah é considerara como o "aspecto feminino de Deus", ou a "presença" do
Deus infinito no mundo. Embora ela não apareça com este nome nos cinco livros de
Moisés, os explicadores do Antigo Testamento referem-se a ela na interpretação
do texto. Deste modo, quando Moisés encontra a sarça ardente, é dito a ele que
retire as sandálias e prepare-se para receber Schechinah. Segundo os rabinos, a
escolha do simples arbusto espinhoso como veículo de revelação foi feita para
enfatizar a presença de Shechinah, já que nada na natureza pode existir sem ela.


Nos
provérbios, somos apresentados à Mãe Divina como Chochmah (Sabedoria), que
estava presente no momento da criação como consorte amorosa e co-arquiteta de
YHVH, o nome impronunciável de Deus. Nesse retrato salomônio, ela se deleita com
a humanidade e nos fornece sua sábia orientação no caminho da verdade e da
justiça. Neste forma ela está relacionada com Sofia dos Gnósticos.
Essa associação com a humanidade foi enfatizada pelos talmudistas, que viam
sofrendo quando os seres humanos erravam:
-"Atos de derramamento de sangue, incesto, perversão da justiça e falsificação de
medidas fazem com que ela nos abandone."
Eles dizem:
-"O humilde fará com que a Shechinah acabe vindo morar na Terra. O maligno torna
a Terra impura e provoca a partida de Shechinah." Na visão talmúdica, ações
prejudiciais a outro humano fazem com que Shechinah fuja e suba para os Sete
Céus.

Outra maneira de atrair a Shechinah para a Terra seria quando as pessoas
necessitassem dela como consoladora. Os rabinos dizem que ela paira sobre a cama
de todos os doentes e é vista pelos mortos quando saem do mundo e mergulham na
grande luz. Segundo a tradição, a Schechinah aparece aos bons e justos na hora
da morte, dando-lhes a oportunidade de ir direto ao centro da escada celestial
em um momento de pura consciência, em uma fusão com o Divino.
A
Shechinah também está ligada a expressões de amor humano, particularmente o
êxtase romântico e matrimonial. É ela que abençoa o jovem casal; o brilho dos
amantes é considerado reflexo de sua presença.
Dizem os rabinos:
-"Quando um homem e uma mulher são dignos, a Schechinah habita em seu meio. Se
são indignos o fogo os consome.".
Existe aqui uma alusão a seu papel de Mãe Destruidora: às vezes ela é
apresentada como aquela que pune a humanidade. Embora se faça referência a
barreira de fogo e aos dois anjos que a acompanham, o conceito não é tão
destacado quanto suas outras qualidades.

A primeira
menção de
Shechinah
em escritos judeus foi durante o Século I da nossa era. Inicialmente, seu
significado se referia à manifestação ou aspecto que podia ser aprendida pelos
sentidos. No entanto, a extensa mitologia relacionada com a imagem de Shechinah
e da Shechinah-Matronit (manifestação mais popular de Shechinah) como deidade
feminina não alcançou seu máximo desenvolvimento até a Idade Média.
O texto
definitivo da cabala, o Zohar, se escreveu no século XIII, porém certas imagens
cabalísticas remontam a Filão de Alexandria, o mesmo filósofo judeu que deu uma
nova definição a imagem da sabedoria. Ditas imagens também receberam a
influência de textos escritos durante os séculos VII e VII na Babilônia e
Bizâncio e durante o século IX em Basora. Esses textos chegaram a Europa. de
onde, no início do século XI, se converteram em fundamento da cabala que se
desenvolveu nas comunidades judias da Espanha e do sudoeste da França. É
interessante que a cabala voltaria ao Oriente Próximo como resultado da expulsão
dos judeus da Espanha em 1492, quando grupos cabalistas se assentaram em Safed,
Galiléa; a cabala se estendeu até a Ásia e a África, assim como à comunidades
judias de outras zonas da Europa.
Este
conhecimento recebido, ou Cabala, foi desenvolvido mais tarde pelos "pietistas"
alemães dos séculos XII e XIII e alcançou seu auge com a cabalistas da Espanha e
de Safed.
Foi este
último grupo, que vivia num enclave espiritual no norte de Israel nos séculos
XVI e XVII, que esboçou com muitos detalhes as qualidades da mulher divina
(conhecido como a "árvore da vida" ou "árvore cósmica"), as dez "sefirot"(energias
criativas) são
igualmente equilibradas nos lados da árvore representando, um, as qualidades
femininas e, o outro, as masculinas. Neste mapa da consciência, a Shechinah é
muitas vezes identificada com Malchuth (soberania) na base da árvore cósmica,
que representa a energia da terra.

O Baal
Shem, mestre-escola do movimento do século XVII, acreditava que as preces das
mulheres subiam direto a Deus. Reconhecia também a capacidade das mulheres para
a profecia e atraiu muitas seguidoras do sexo feminino. Nos primeiros anos,
quando o movimento era bastante radical, a abertura ao carisma espiritual das
mulheres resultou no surgimento das "rebes", em sua maior parte filhas e esposas
de grandes mestres. O carisma é uma das bênçãos da Shechinah, segundo o Talmud.
Os cabalistas
identificaram
Shechinah
com o resplendor do Espírito Santo, o pleroma chamejante de que emana toda
criação, incluida a alma humana. Esse Espírito Santo, resplendor ou "glória de
Deus", que os cabalistas comparam a um vasta mar, foi a primeira criação ou
emanação; dela fluem todas as demais criações ou emanações. A Shechinah é
imanente à alma humana, como sua "base" divina ou "corpo" desses últimos, a
presença sagrada sa "glória de Deus" que levam em seu interior. Na cabalística,
como no misticismo critão e no islã, o matrimônio sagrado consiste na união da
alma com este Espírito Santo. Através da luz radiante de Shechinah tudo se
enlaça com os demais, como se estivesse conectado por uma madeixa luminosa de
ser. Ain-Soph, o mistério inefável e indestrutível da base da vida, é tanto a
fonte da madeixa como imanente a cada partícula e aspecto da criação, através de Shechinah.
O que se chama natureza é, portanto, a epifanía do divino.
A
Shechina
se chamava rainha, filha e noiva de Yahvé; era, em conseqüência, a mãe de toda a
alma humana, enquanto que na cabala era especificamente a mãe da "comunidade
mística de Israel" e, em último instância, de todo o indivíduo judeu. Essas
almas são "chispas" de chamejante Shechinah, "espalhadas" durante o exílio, que
devem"reunir-se" de novo com sua fonte. A Shechinah era designada como "Éden
Místico", uma presença envolvente, não um lugar, e também como "o jardim sagrado
da maçã", o "grande mar" e a fonte que transmite a vida desde sua fonte não
manifesta até sua manifestação. A vida ou a criação, é concebida na união divina
entre Yahvé e Shechinah. Textos e mais textos se utilizam de imagens sexuais e a
imagem da luz para mostrar como "o raio que emerge do nada semeia na "mãe
celestial"....de cujo ventre as Sefirot (energias criativas) surgem, como rei e
rainha, filho e filha.
Um dos
textos fundamentais utilizados na Idade Média para contemplação da união da
deidade Shechinah era o "Cantar dos Cantares". O bíblico Cantar dos Cantares
apresenta uma voz feminina dominante (a esposa) e alude a rituais de fertilidade
correntes no Oriente Próximo pré-judaico. A linguagem da época está carregada de
imagens sexuais e relacionadas com a terra. O lugar que ele ocupa nas sagradas
escrituras judias só se confirmou no ano 100, quando o Concílio de Jamnia
concluiu que se tratava de uma alegoria da relação entre Yahvé e Israel.
Como os gnósticos
em seu mito de Sofia, a cabala subtraiu o mito de exílio de
Shechinah.
Parece haver dois tipos de exílios conectados com sua imagem: o primeiro,
mitológico, surgiu a partir da expulsão de Adão e Eva, quando Shechinah
compartilhou com a humanidade o exílio do jardim. O segundo exílio foi
"histórico" e parte específica da história do povo de Israel. No princípio, Shechinah
ou "glória de Deus" habitava no tabernáculo; era a presença que cobria com sua
sombra a arca da aliança. A precedia por dia embaixo da forma de uma coluna de
fumaça e à noite como coluna de fogo. Mais tarde, a arca foi colocada no templo
que conStruiu Salomão, e Shechinah habitou ali. No entanto, desapareceu quando
se se destruiu o templo (586 a.C.), momento em que se perdeu a arca e os judeus
foram aprisionados e levados à Babilônia; ao finalizar seu exílio, no ano de 538
a.C., não se voltou a reunir com eles em Israel. Não voltará até que se produza
a vinda do Messias, e não pode voltar até que se reúna com seu divino noivo,
restaurando-se assim a unidade rompida da divindade. A imagem do exílio,
portanto, não se associa só com o feito de que não retornasse a Terra Santa, mas
sim também com seu exílio longe da divindade; é como se o feito de ser imanente
a criação a houvesse separado de sua "outra metade", sua fonte transcendente e
cônjuge. Em seu exílio se dá o nome de "viúva", e de "pedra do exílio" (lapis
exulis), a "pedra preciosa" e "a pérola". Algumas dessas imagens são a
referência de deusas anteriores. A Shechinah chora, como chorou Raquel por seus
filhos, enquanto aguarda que seu exílio chegue ao fim. A oração rabínica tem por
objeto provocar este fim e apressar o momento do retorno. Enquanto dure seu
exílio, a criação permanece separada da deidade transcendente.
Se acreditava que
a causa de seu exílio cósmico era o pecado de Adão. Scholem explica em que
consistia isso:
"As
Sefirot (energias criativas de Deus) foram levadas a Adão sob a forma da árvore
da vida e da árvore do conhecimento;...em vez de preservar sua unidade original,
unificando assim as esferas de "vida" e "conhecimento" e levando a salvação ao
mundo, este separou uma da outra e dirigiu sua mente até a adoração de
Shechinah, e só dela, sem
reconhecer que esta última estava unidas à outras Sefirots. Desta maneira
interrompeu o manancial da vida, que flui de esfera em esfera e o trouxe ao
mundo a separação e o isolamento. Desse modo se abriu uma fissura misteriosa na
vida em ação da Divindade, que não em sua substância...Só através da restauração
da harmonia original a através da redenção, quando tudo volta ao lugar que
ocupava originalmente no esquema divino das coisas, "Deus será uno e seu nome
uno".
Essa fissura
separa
Shechinah
de Yahvé e a mantêm em estado de exílio, ao "romper" a cadeia que vincula a
fonte com sua manifestação; quebra, portanto, a unidade da vida. Um dos efeitos
foi o de "esparzir" a luz de Shechinah em incontáveis chispas, ou "scintillae",
que conformam as almas dos seres humanos. Jung faz referência a esta imagem em
sua análise da natureza da psique. A unidade da vida não poderá reestabelecer-se
nem a Shechinah por fim a seu exílio até que estas voltem a reunir-se. O
esparzimento de Shechinah parece uma condição do espírito em sua manifestação no
mundo físico.
O aspecto de
Shechinah
que permaneceu exilado na terra com seu povo se chama a Matronit,; a própria
terra lhe chamou de "a filha". Os membros menos sofisticados das comunidades
encontraram na cabala uma figura materna compassiva com que podiam relacionar-se
em sua vida diária e podiam pedir socorro em seu sofrimento. Sua profunda
devoção era idêntica a da grande maioria dos cristão católicos manifestam pela
Vigem Maria. A imagem de Shechinah como "Matronit" voltou a instaurar a antiga
iconografia da Deusa Mãe. Aliás, a idéia da "Sagrada Família", isto é, dos
quatro aspectos da divindade, se desenvolveu na cabala para incluir as quatro
deidades, bem definidas, de pai, mãe, filho e filha. Se outorga assim a cada
indivíduo uma imagem arquetípica de sua própria experiência da vida. A
sexualidade formava parte das relações entre estas deidades; os seres humanos,
ao imitar a união divina, haviam devolvido a estas últimas o sentido de
sacralidade que se perdeu, segundo a crença, com a expulsão de Adão e Eva do
jardim. Se trata de uma visão extraordinariamente equilibrada.
No lapso de uns
poucos séculos, a cabala havia desenvolvido a imagem de uma Deusa que instaurava
de novo muitos detalhes próprios da imagem anterior. Se ministrou um contraponto
essencial a masculinidade rigorosa da deidade judia.
No entanto, a
cabala, para Scholem "continua sendo, tanto do ponto de vista histórico como
metafísico, uma doutrina masculina, elaborada por homens e para os homens. A
longa história do misticismo judeu não mostra rastro algum de influência
feminina. Não há mulheres cabalistas." Apesar disso, a imagem de
Shechinah
adquiriu uma importância vital para essa tradição, sem dúvida por insistência da
alma, em última instância, na inclusão do arquétipo feminino. De maneira que a
imagem da consorte de Yahvé e do matrimônio sagrado entre ambos se mantive vivo,
a diferença do que ocorreu no judaísmo ortodoxo, que via na sabedoria um mero
atributo de Deus.

Tomando
os ensinamentos da Cabala e adaptando-os à vida da comunidade de forma mais
igualitária, Hasiduth restaurou a crença na capacidade de cada indivíduo de ter
acesso à Shechinah e trazê-la de volta à Terra através de ações pessoais. Os
elementos principais dessa prática eram a meditação e a oração com "Kavannah"
(profunda fé e intenção) e "devekuth" (apego a Deus), acompanhadas de uma vida
acostumada a compartilhar em que prevalecessem a justiça, a misericórdia e a
caridade. Foi adicionada a essa mistura a "persona" inspirada do "Tsaddik"
(santo), que fornecia a inspiração aos devotos, facilitando e afirmando
experiências pessoais do divino.
Professores hassídicos viam a Shechinah como a Deusa no exílio e associavam-na à
redenção dos judeus.

A obra
contemporânea sobre a Deusa Shechinah, chegou até nós através de mulheres
judias. Algumas delas, estudaram textos sagrados hebraicos por conta própria, a
partir de fontes secundárias. São em sua maioria, musicistas, dançarinas,
contadoras de histórias, rabinas, terapeutas e curadoras, que primeiro
desenvolveram seus "insights" e avançando sempre, adquiriram informações
complementares sobre a energia "Shechinah".
Feministas judias contemporâneas tiveram de enfrentar o sexismo na vida e na
linguagem religiosas, incluindo a exclusão das mulheres das profissões sagradas.
Como resultado deste ativismo, portas importantes se abriram na última década.
De forma cada vez mais intensa, a Deusa está emergindo, como Deusa Múltipla ou
Deusa de Mil Faces.


Como
esta nova geração está servindo de parteira para o renascimento de Shechinah,
temos que nos familiarizar com alguns textos antigos e algumas orações que a
invocam.
Embora
esteja acontecendo claramente um renascimento da consciência da Shechinah, os
conceitos sobre uma Deusa Judaica ainda não influenciaram o judaísmo em sua
corrente principal nem o movimento da Nova Era, que tende a considerar o
feminismo judaico como um paradoxo. Ainda é cedo para saber como esta
consciência contemporânea da Shechinah será absorvida pelo judaímo e pelo
crescente movimento da Deusa. Embora ela precisa ser relembrada, pelo menos
nossa reconstrução da Shechinah se liga à tradição sagrada. Sua filosofia
básica, a que a presença dela é necessária para trazer a totalidade de volta ao
Planeta, também fornece ainda, uma filosofia viva para nossos tempos.
Texto
pesquisado e desenvolvido por
Rosane
Volpatto
Bibliografia Consultada:
O Novo
Despertar da Deusa - Organização Shirley Nicholson
 
|