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SERTÃO DO BOI SANTO
Vindo de Juazeiro, apareceu pelos sertões o beato
Zebedeu. Preto, alto, muito esperto, conduzia um
boi, tendo atrás penitentes, retirantes,
mulheres e crianças.
O
boi era zebu e estava enfeitado de fitas e
flores.

Excitado e majestoso, igual a um Moisés caboclo,
conduzindo seu povo, o beato preto avançava
pelas caatingas, tangendo com sua vara santa o
boi santo, já de fama afamado.
Ao subir encostas, Zebedeu fazia parar seu
bando, deitando falação ao povo:
-Foi num tempo de seca barba; o verdor dos
pastos havia desaparecido e eu fui dar a esse
boi uma ração roubada dos pastos de meu padrinho
Padre Cícero. Roubei o capim porque via que o
meu boi sofria, mascando a língua com fome.
Corri para furtar um capim mais mimoso, daqueles
que só os veados comem, na manga particular do
meu padrinho, a única, que nesse tempo tinha
capim verde. De noite peguei um feixe e quando
na manhã seguinte fui oferecer a ração ao boi,
ele a recusou, batendo os cascos e balançando a
cabeça. Parecia dizer que não comia capim
roubado, ainda mais sendo dos pastos do seu
dono. Desde então eu nas virtudes milagreiras
desse boi acreditei...

Entusiasmado, continuava:
-Houve outra e desta feita, o meu boi santo
mostrou que era mesmo de natureza casta e
abençoada. Botei ele no pasto pra cobrir a vaca
Mordaça, de raça, que era pra se tirar um bom
cruzamento. Pois o boi, solto no pasto, recusou
no cheiro e no curral, a cobertura dessa vaca.
Desde aí acreditei nele, acreditando que meu boi
santo, chamado Mansinho, como então o batizei,
não nascera pra safadeza de pasto. Era um boi de
manjedoura santa, mugindo a comer flores,
ouvindo os lamentos dos meus penitentes.
Apressa-se logo, explicando:
-
Não que esse boi seja castrado; ele é inteiro,
conforme os irmãos podem olhar pra seus bagos
caídos, todos enfeitados de rosas vermelhas,
escolhidas pelas minhas beatas, dentre as quais
se destaca a Maria Urubu, sempre abraçada com um
urubu-rei, de cabeça vermelha. Ela ajuda no
preparo do altar sagrado, mudando flores, a
enfeitar os bagos do animal com rosas vermelhas.

Mais adiante o bando, por entre serras,
descobriu uma chapada, onde baixou. Inspirado, o
beato Zebedeu botou profecia:
-Aqui será minha morada. Riacho do Sangue será
meu nome. Aqui correrá muito sangue, de inocente
e pecador, tudo nas misturas. Quando vires o sol
escuro, amole a faca para comer do couro do boi
do futuro.

No alto, falando por entre tochas acesas que
seus penitentes acendiam, já que a noite baixava
pelas quebradas, Zebedeu, iluminado, atroava:
"Intentos grandes haverão, porém, na era de
1922, antes e depois, verás coisas mil no mês
mais vizinho de abril. Quando vires o sol
escuro, amola a faca pra comeres do couro do boi
do futuro. Que o Século Vinte verá rebanhos de
vinte mil, sob o comando do meu padim Padre
Cícero, que me mandou na frente pra pregar o
verbo Divino. Aqui ficarei, trazendo meu
povo-camelo pro Egito, pras as Babilônias das
necessidades. Tudo há de acontecer, arder e
depois florescer, porque Deus quer e eu sei por
ser assim que está escrito."

Assim a fama desse beato negro, Chamado Zebedeu
com seu boi santo Mansinho espalhou-se pelos
sertões de quatro Estados. Vieram mil romeiros,
conduzindo cabras, jumentos, criações de pequena
monta. Todos atrás dos milagres propagados.
Colocaram o boi numa manjedoura, passando a
adorá-lo como a um santo. O excremento do boi
era vendido e dos seus chifres eram tirados
lascas para se fazer chá. Do excremento do boi o
povo dizia:
-
É remédio divino, remédio que cura ligeiro.
Da sua urina, porções eram guardadas em
garrafas, relíquia de valor, pela qual as
mulheres brigavam, pedindo as garrafadas pelo
"Santo Amor".
Improvisaram-se cantorias e, de longe, vieram
famosos violeiros, que em versos famosos,
cantaram o beato e o boi, sua aparição e seu
encantamento no sertão.

Trecho de "Sertão do Boi Santo" de Paulo Dantas

EXALTAÇÃO DO BOI

Do Boi só não se aproveita o "berro" e embora
tenha sido de vital importância, no período
colonial, a criação de gado era considerada uma
atividade secundária.
Mas, para os que viviam no sertão, a vida era
muito difícil. Abundância mesmo só de carne e
leite, fornecida pelo rebanho. O vaqueiro dessa
época viveu a "Era do Boi", pois dele tudo era
feito. Era de couro tudo o que os cercava: a
porta das cabanas, leitos, cordas, cantil,
alforje, mochila, bainhas de faca e até as
roupas com que enfrentavam a caatinga.

Portanto, nada mais justo de considerar o boi um
animal sagrado. O Pseudo-Dionísio Aeropagita
resumiu bem o simbolismo místico do boi:
"A figura do boi marca a força e o poder, o
poder de rasgar sulcos intelectuais para receber
as chuvas fecundas do céu, ao passo que os
chifres simbolizam a força conservadora e
invencível".
Os chifres tem sentido de eminência ou elevação,
e evoca a inviolabilidade, o origem divina e
espiritual, oposta ao poder temporal. O chifre é
ainda, sinal de comunicação com forças naturais
ou superiores; se os artistas da Idade Média
representavam os heróis ou os personagens
bíblicos com chifres, não era para indicar
alguma natureza diabólica, mas para mostrar sua
comunicação direta com as forças divinas.

O
boi no Brasil foi a alma engenhos e o folclore
brasileiro é enriquecido com sua presença. São
muitas as festas de exaltação ao boi:
Bumba-meu-boi, Boi-Bumbá, etc. O bumba-meu-boi é
um auto popular que gira em torno da morte e da
ressurreição do boi. Junta-se ao bumba-meu-boi o
batuque e outras brincadeiras.
Mas o boi brasileiro tem muitos sotaques,
estilos e variedades. Tem o boi de zabumba, de
matraca, de orquestra, de barrica, da ilha, de
Pindaré, de Baixada. Todos Maravilhosos!

Aqui o boi freqüenta o natal, o carnaval e
outros festejos com o seu animado cotejo, suas
orquestras e toadas, reafirmando a força da
cultura e da arte popular.
Texto pesquisado e desenvolvido por
ROSANE VOLPATTO

Bibliografia
O
Simbolismo Animal - Jean-Paul Ronecker
Revista
Parintins- Cultura e Folclore- N. 1- Jun/2000
O
Povo Brasileiro Através do Folclore - Basílio de Magalhães

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