PORTINARI, O PINTOR DO SÉCULO 20

"Suas gravuras, murais, pinturas e desenhos somam mais de 5 mil peças, um impressionante acervo que revela toda a carga criativa do artista”

Candido Portinari nasceu no dia 29 de dezembro de 1903, numa fazenda de café em Brodoswki, no Estado de São Paulo. Filho de imigrantes italianos, de origem humilde, recebeu apenas a instrução primária de desde criança manifestou sua vocação artística. Aos quinze anos de idade foi para o Rio de Janeiro em busca de um aprendizado mais sistemático em pintura, matriculando-se na Escola Nacional de Belas Artes. Em 1928 conquista o Prêmio de Viagem ao Estrangeiro da Exposição Geral de Belas-Artes, de tradição acadêmica. Vai para Paris, onde permanece durante todo o ano de 1930. Longe de sua pátria, saudoso de sua gente, Portinari decide, ao voltar para o Brasil em 1931, retratar nas suas telas o povo brasileiro , superando aos poucos sua formação acadêmica e fundindo a ciência antiga da pintura a uma personalidade experimentalista a anti-acadêmica moderna.

O pintor Candido Portinari soube em 1954 que seu organismo se encontrava intoxicado pelo chumbo contido nas tintas e foi aconselhado a parar de trabalhar. Reagiu como se o tivessem sentenciado à morte:

-“ESTOU PROIBIDO DE VIVER”, desabafou.

Não conseguiu respeitar a prescrição médica. Entre uma vida longe dos pincéis e a doença, concluiu que a doença seria mais tolerável. Em pouco tempo, voltava a submergir nos gases venenosos do ateliê. No começo de 1962, aos 58 anos, estava morto.

- O óxido das cores circulava nele, era o seu secreto respirar, registrou o escritor português José Cardoso Pires.

Portinari não exagerava ao sustentar que a pintura era sua vida. Mesmo ardendo em febre, permanecia da manhã à noite algemado aos seus quadros, interrompendo-se apenas para rápidas refeições. Sua obsessão era tamanha que ele mesmo construía as telas e preparava a fórmula das tintas. Certa vez, depois de passar o dia inteiro pintando os gigantescos painéis “Guerra e Paz” (expostos na sede da ONU, em Nova York ), foi para casa deleitar-se com seus lápis coloridos.

-“Gosto de lápis de cor. Lembra meu tempo de menino”, explicou, enquanto desenhava sem parar.

Em fevereiro de 1962, intoxicado por produtos químicos das tintas que usava para trabalhar, foi internado numa clínica carioca e morreu alguns dias depois. Entre seus pertences, foi achado um poema em que ele expunha sua curiosidade:

-"A morte será colorida? Qual a cor do outro lado?"

Ao morrer, consagrado internacionalmente (ganhou em 1955 a medalha de melhor pintor do ano, concedida pelo Conselho de Arte de Nova York), deixou a marca espantosa de 5,3 mil obras, entre pinturas, murais, gravuras e desenhos. Mias do que isso, conquistou uma identificação com o povo brasileiro que não foi alcançada por nenhum outro artista plástico. Essa cumplicidade foi fruto do gosto que tinha por retratar a terra e o homem do Brasil. Em suas telas e murais mais célebres, Portinari ressuscitou a vida bucólica do interior, denunciou o drama dos retirantes nordestinos e revelou as agruras da população pobre. O melhor de sua produção era justamente a sua capacidade de mesclar a realidade bruta, que estava aparente, em modificação constante e paradoxalmente sendo ignorada com as memórias inocentes de infância, da vida na casa em que nasceu e os temas religiosos que sempre o acompanharam. Tinha preferência pela geometrização do fundo das figuras e tendia para a utilização de um colorido vivo e diversificado. 

O começo como estudante de pintura, porém, foi pródigo em sacrifícios. O artista nascido no interior de São Paulo chegou a comer a gelatina usada na preparação de tintas, por causa da falta de dinheiro. Quando o sucesso chegou, foi completo. Portinari seria aclamado em vida como representante do modernismo no país. Nunca escondeu, porém, o desapreço pela incensada arte abstrata. Poucas coisas o atemorizavam mais do que assinar um quadro que fosse tão incompreensível a ponto de acabar pendurado de cabeça para baixo em uma parede, como já ocorrera com uma obra sua.

-“Pintura abstrata é a mesma coisa que você chegar para um engenheiro, pedir uma ponte e ele lhe dar uma folha cheia de cálculos matemáticos. Você quer é a ponte!”, defendia.

Suas pinturas que mais se destacaram: “São Francisco de Assis”, “A Primeira Missa no Brasil”, “Tiradentes” e a “Chegada de D. João VI ao Brasil”. Entre os retratos que pintou, os mais famosos são: o da mãe do pintor, o de Mário de Andrade, o de Olegário Mariano. Ilustrou também Graham Greene e André Maurois, para as edições de luxo da Livraria Gallinard. Portinari gozava de merecido renome internacional, recebendo convites para exposições e encomendas de trabalhos de todo mundo. lncontestavelmente, a obra de Portinari contribuiu para fazer o Brasil mais conhecido entre as nações civilizadas.

A obra de Portinari versa como um majestoso contraponto entre o drama e a poesia, entre o trágico e o lírico, entre a fúria e a ternura. Durante toda a sua vida, o pintor se debate com esta dicotomia, que vai evolucionando com o tempo, do regional ao universal. Se a princípio. Se a princípio suas criaturas são as crianças de Brodowski, ao final são criaturas universais, como o belíssimo coral de crianças de todas as raças que se destaca no mural “Paz”, que pintou para a sede da ONU em Nova York. Se a princípio suas “mães” são imigrantes nordestinas, no mural “Guerra”, são mães universais. Podemos ver em sua trajetória a demonstração literal da frase de Tolstoi “se queres ser universal, começa por pintar tua aldeia..”. Portinari cumpriu literalmente este recorrido, de Brodowski à ONU.

“Cândido Portinari nos engrandeceu com sua obra do pintor. Foi um dos homens mais importantes do nosso tempo, pois de suas mãos nasceram a cor e a poesia, o drama e a esperança de nossa gente. Com seus pincéis, ele tocou fundo em nossa realidade. A terra e o povo brasileiros – camponeses retirantes, crianças, santos e artistas de circo, os animais e a paisagem – são a matéria com que trabalhou e construiu sua obra imorredoura”.

                                                                 Jorge Amado

Texto pesquisado e desenvolvido por

Rosane Volpatto