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PÃO-POR-DEUS

 


 

O Pão-por-Deus é uma forma artística folclórica de “pedir-os-reis”, ou seja, uma contribuição cultural trazida pelos imigrantes açorianos.

Nos arquipélagos dos Açores e Madeira, tais pedidos eram feitos nos dias 1 e 2 de novembro, enquanto que aqui no Brasil, acontecia nos meses anteriores. Lá, eram as crianças que pediam pão e guloseimas. Aqui, graças à dinâmica do folclore, passou a ser utilizada, entre os enamorados, para pedir amor. Aliás, sabemos que não só de pão vive o homem!

 

A pureza destes costumes davam a vida simples do nosso povo, o mais belo dos encantos, com o envio do pão-por-Deus. Esta comunicação singela e romântica em forma de mensagens de amor, simpatia e amizade eram escritas em lindos papéis rendilhados, coloridos, em forma de coração, ou de acordo com a sensibilidade artística de cada um.

As mensagens em versos circulavam entre os namorados, parentes e pessoas amigas e os pedidos de prendas traduziam os mais caros sentimentos dos autores.

Alguns exemplos:

 

“Aqui vai meu coração

Dentro de um bouquet de flor

Vai pedindo pão-por-Deus

Meu querido e grande amor”

 

“Lá vai meu coração

Meu querido visitar

Vai pedir o pão-por-Deus

Perdoe o amigo, incomodar.

 

Por serem lindos teus olhos

Que um dia serão meus

Brilharão também teus olhos

Eu te peço pão-por-Deus

 

Lá vai meu coração

Que agora não posso ir

Neste rendilhado papel

Pão-por-Deus mando pedir”

 

Quem recebe um pedido de “Pão-por-Deus”, fica na obrigação de responder até o Natal, enviando uma oferta ao solicitante.

 

Foi na região de São Francisco do Sul, em Santa Catarina , onde o pão-por-Deus mais penetrou na vida do povo, existiu ali, casas que se dedicavam a confecção apresentando aos consumidores as mais variadas formas de cartões, com preços que também variavam de acordo com  o trabalho artístico. As simetrias no Pão-por-Deus é um detalhe de muita importância na elaboração de sua forma. A criação da figura, desenhos geométricos e recortes abertos ou fechados e perfeitamente simétricos, dão beleza, encanto e precisão a esse costume tão rico em forma, sentido e sensibilidade.

 

É uma lástima que hoje, com o advento da era da computação e o aparecimento dos cartões virtuais, tradições tão puras e românticas tenham caído em quase total desuso.

 

O “Pão-porDeus” tem sido motivo de interesse e pesquisa de historiadores, jornalistas, escritores, folcloristas, no passado e no presente. Nomes como: Crispim Mira e Lucas Alexandre Boiteux, no início do século XX; Osvaldo Rodrigues Cabral e Henrique da Silva Fontes, em um passado recente, e Doralécio Soares, no presente, deram a sua contribuição ao tema, seja pela discussão de suas origens ou pela coleta de quadrinhas e tipos de corações.

 

Henrique da Silva Fontes realizara a síntese dessa discussão:
“Os corações-missivas de simpatia, de amizade ou de amor, a que se dá o nome de pão-por-Deus constituem velho uso da população do litoral catarinense. É, entretanto, o uso que está em vias de desaparecimento, pois só é mantido, e sem a antiga gentileza e generalidade, em pobres localidades rurais.


O pedido é feito em verso, comumente numa quadrinha setessílaba. O papel da missiva, branco ou de cor, é rendilhado a bico de tesourinha, ou também entrançado, podendo ser ainda variadamente colorido e ornamentado. Arma-se, às vezes, como cestinha e pode apresentar-se com outras formas. Em regra, porém, na configuração e nos recortes, estiliza um coração símbolo que dá o nome à missiva”.


Quanto às origens, diz Henrique da Silva Fontes, “os corações” não vieram de Portugal e suas ilhas povoadoras do litoral catarinense. “O que recebemos dos portugueses e dos açorianos foi a expressão pão-por-Deus, corresponde, é certo, a um pedido e a uma dádiva, mas com forma e objetivo diferente” e acrescenta, transcrevendo Osvaldo Rodrigues Cabral:


“É evidente que o pão-por-Deus sofreu com a viagem através do Atlântico e dos séculos que passaram, modificações que poderão ser assim resumidas:


1 - quanto à época: lá, quer nas ilhas açorianas, quer no arquipélago da Madeira, o dia do peditório é o 01 de novembro, ou então, o mais tarde, o dia 2, dia de Finados; aqui estas datas marcam o fim da temporada do peditório.


2 - quanto às pessoas: lá são os meninos que pedem pão, guloseimas, etc.; aqui, o costume foi modificado, passando os pedintes a ter qualquer idade e o objeto do pedido qualquer outra coisa, até mesmo amor...


3 - quanto ao meio de fazer o pedido: lá, as cantorias infantis ou as solicitações simples; aqui, adotado o costume pelos adultos, criaram-se os “corações”, apropriados para as solicitações amorosas. Em outras palavras: lá, a solicitação oral; aqui, escrita e, com esta, a invenção da missiva simbólica. Não obstante a transformação porque veio passar, o costume conservou, entretanto, o nome e a época do pedido”.  

 

Texto pesquisado e elaborado por Rosane Volpatto

Bibliografia consultada

Folclore Brasileiro, Santa Catarina - Doralécio Soares

Folclore Catarinense - Doralécio Soares