O CÓRREGO DAS LÁGRIMAS
-( Índia Obirici)

Augusto Porto Alegre, na
sua história da "Fundação de Porto Alegre", recolheu esta lenda da formação do
Passo da Areia, IBICUIRETÃ, que significa "rio de areia", ou seja, um
pequeno arroio que
corria nos arredores da capital do Rio Grande.
Nos tempos em que os brancos não haviam ainda penetrado até o Rio Grande do Sul,
habitavam a região, os índios Tupi-mirins, da nação de Tapes. Como o amor sempre
constituiu uma singela tradição indígena, houve, ali, uma contenda amorosa que
ficou na recordação dos silvícolas, chegando até nossos dias sob a forma de uma
encantadora lenda:

Conta-se que um belo cacique chamado Abaetê, em pleno apogeu da mocidade, foi alvo de grande
amor, por parte de duas irmãs índias: Paraí e Obiricí, ambas filhas o poderoso
feiticeiro Guaporé.
Abaetê gostou mais de Paraí,
mas não tinha coragem de contar a ninguém, pois não queria magoar Obiricí. Um
dia, o guerreiro suplicou a Tupã que lhe desse muito entendimento, para que
facilmente pudesse resolver o difícil caso.
Então, durante o sono,
recebeu a visita da graciosa Sumá, uma deusa guerreira, que envolvida em leve
manta tecida de cipó imbé, deu a Abaetê todos os conselhos necessários, por
ordem de Tupã.
Na manhã seguinte, foi
imediatamente falar com as jovens e disse:
-"Foi Tupã que me mandou,
desejo avisar que todas as duas serão submetidas a uma prova com arco e flexas.
Quem acertar o alvo, será minha esposa."
As índias apaixonadas recebendo o aviso de sua resolução, imediatamente se
prontificaram a iniciar a disputa. O cacique desejado muito belo e forte, era o
grande incentivo.
Obirici, a mais ardente das duas índias, ficou muito nervosa, com medo de perder
a competição e ficar sem o amor da sua vida, não teve a mesma destreza da outra.
Errou o alvo. Foi portanto, vencida e viu-se obrigada a deixar que a vitoriosa
levasse para as terras de Jatobá o jovem príncipe cacique. Ficou só no local onde ocorreu a contenda, a
olhar o par abraçado e feliz que se distanciava.
Sufocando soluços, amargurando-se, não teve ânimo de abandonar aquele pedaço de
terra, onde ocorrera sua desventura. Em vão desceram as Parajás, deusas da
piedade, do alto do Ibiapaba, para consolar a bela guerreira. A divina Paré,
deusa da fé veio na forma humana para dar-lhe alegres conselhos e suave
esperança.
-"Pobre de mim
abandonada"", dizia ela, e nenhuma palavra mais lhe saiu do peito em profundos
soluços.
O próprio Tolori, deus da
coragem, mas inimigo das mulheres, tão compadecido ficou, que veio dizer algumas
palavras de consolo para a índia.

Abatida e tristonha,
coração sangrando, alma voltada para o infortúnio e para a morte, hora a hora,
pedia que Tupã lhe cortasse os dias de sua vida tão amargurada. E a formosa
indígena, com a desventura a povoar-lhe a mente, só implorava o fim, como
repouso que lhe era necessário, estendia seus braços de cintilações de bronze,
para o céu, mudo ante suas súplicas sinceras e ardentes...
No desespero da dor, as
lágrimas brotaram dos olhos de Obirici em uma abundância desoladora. O choro
abriu-lhe fundos sulcos no rosto e as lágrimas de suas pálpebras continuaram dia
e noite a cair cristalinas e luminosas e, correndo por terra, deixaram nela,
para sempre cravado o regato chamado Passo da Areia ou Ibicuiretã...
Decorridos alguns dias, Deus Tupã, apiedando-se da pobre índia, veio buscá-la.
As águas de suas lágrimas, porém continuaram a rolar, marcando para sempre na terra dos pampas, a angústia infinita de
sua dor.
O Ibicuiretã, esse córrego de lágrimas, não existe mais, pois o Passo da Areia,
hoje é um bairro urbanizado da cidade de Porto Alegre. As obras de urbanização
canalizaram o riachinho que a princípio, tornou-se um valão. Depois, foi
soterrado para construção do Shopping Center da zona norte.

Mas, a bela Obirici não foi
apagada do coração dos gaúchos e em sua homenagem, próximo a um viaduto que leva
seu nome, foi imortalizada em uma escultura, que a representa com os braços
estendidos aos céus, pedindo em imprecações que Tupã acabe com seus dias de tão
intensa dor...
Texto pesquisado e
desenvolvido por
Rosane Volpatto

Bibliografia:
As Mais Belas Lendas Brasileiras -
Wilson Pinto Edições Excelsus- SC
Estórias e Lendas do Rio Grande do
Sul - Barbosa Lessa; Gráfica e Editora EDIGRAF Ltda; SP

 
 
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