Muleça, A Mula sem Cabeça Indígena

Muleça, filha de Avanhandá e neta de Tapericorú, ainda não tinha 15 outonos quando apaixonou-se cegamente pelo valoroso guerreiro Guaiarí, seu irmão de raça.

 

Tanto amor existia entre os dois jovens, que em uma calma e silenciosa noite, casaram-se os apaixonados ao som majestoso das inúbias Tupis. Encantadora era a noiva, belo era o noivo.Assim, eles formaram um bonito casal, cheio de esperanças e felicidade. Antes, porém, de casar, em uma noite que brilhava nos altos céus de Tupã, o Cruzeiro do Sul e majestosa caminhava pelo infinito a formosa deusa Tainaçam, o jovem guerreiro Guaiarí, com doces palavras de amor, assim falou à Muleça:

-"Linda virgem, muito feliz será aquele que te possuir. Bem sei que não existe guerreiro que te mereça e tu deves merecer como esposo um deus ou um guerreiro de fama imortal!"

Então Muleça, alegremente respondeu:

-"Eu te escolhi, serás meu marido e juntos estaremos envoltos de felicidade."

Assim falou a donzela e o valente guerreiro ficou tomado de amor pela bela Juruna e casaram-se.

Um dia, estava a jovem esposa pescando o ligeiro cará, junto as margens do lendário Xingu, pois a sua tribo ali vivia, quando, repentinamente apresentou-se o semi-deus Urutantã (protetor das estradas que tinha uma voz maravilhosa) e cheio de amor pela moça, assim falou:

-"Sabes quem sou?". E perante os olhos espantados de Muleça continuou:"Eu sou Urutantã e tenho origem divina. Não corras de mim! Que estás a fazer, nesta margem perigosa? Eu estou aqui a fim de proteger-te."

Muleça, a princípio recuou alguns passos assustada, depois, ouvindo a voz maravilhosa do sedutor e já sabendo dos impuros desejos do semi-deus, aceitou o convite dele e foram ambos para a sombra da floresta. Lá acabou rendendo-se aos encantos e sedução de Urutantã.

Mas lá do alto do sacro Ibiapaba, o ato não escapou aos olhos de Tupã e o senhor do mundo chamou o poderoso e vingativo deus Jurupari, ordenando que castigasse a adúltera esposa. Imediatamente o deus foi até onde estava a indigna e rapidamente transformou a bela filha de Avanhandá em uma Mula-sem-Cabeça raivosa, para castigo eterno de sua infidelidade.

Quanto ao semi-deus sedutor, Tupã o metamorfoseou em um feio e negro mergulhão, que foi habitar nas regiões setentrionais com outras aves palmípedes.

Esta é a versão indígena da Mula sem Cabeça, cuja verdadeira origem é desconhecida. Entretanto, em todas as versões o tema central gira em torno do adultério, ou seja, do sexo considerado pecaminoso.

Os indígenas também viviam sob à luz do sistema patriarcal e tinham no deus Jurupari, o regulador de seus princípios e condutas.

Jurupari, também conhecido como Coaraci Raia, é o Filho do Sol que veio do céu, equivalente ao "filho de deus" e em grande número de versões, ele nasce de uma virgem. Notem aqui, a grande semelhança entre Jurupari e Jesus Cristo da religião Católica.

Em muitas lendas, sua intervenção se faz de forma direta sobre as mulheres, como é o caso de nossa lenda. Em outras ocasiões, aparece simplesmente para anunciar ou sancionar os Novos Costumes.

Segundo ainda, a maioria das versões, Jurupari estaria vivendo como espírito, no meio dos próprios homens, tendo sua morada as trombetas sagradas. Quando das grandes festas, incorporaria em um pajé, mas em um tipo especial de pajé, o xamã pajé.

Os pontos de contato são evidentes: também Jesus permanece como espírito presente e pode ser encontrado na hóstia e no vinho, devidamente invocados, através do sacerdote, podendo falar apenas pela boca de um "xamã pajé", ou seja, do sumo-sacerdote ou do Papa.

É bem provável que, sem a intervenção do homem branco, em algumas centenas de anos, o corpo dos pajés-xamãs teria evoluído para a forma mais alta de sacerdócio e que nossos índios viessem a atingir um estágio de confederações de forma generalizada e não como exceções, como no caso da "Confederação dos Tamoios". Este seria um grande passo para uma estabilização da sociedade indígena, que a levaria, não obstante a grande hostilidade do ambiente, a lançar bases de uma verdadeira civilização, pois as culturas já eram bem extensas.

Texto pesquisado e desenvolvido por 

Rosane Volpatto