MARIA MADALENA,
A PROSTITUTA SAGRADA
A maioria dos homens acredita que a maior ofensa para
uma mulher é ser chamada de "prostituta". A partir deste momento
você entenderá com a história da Santa Maria Madalena e outras deusas
mitológicas, como esta palavra foi tão depurtada pelo cristianismo.
Imagine-se agora, se puder, que estamos viajando no
tempo, por terras estrangeiras, alcançando civilizações muito antigas. Com
o olho de sua mente veja um templo cintilando de luz. Lá dentro há uma bela
mulher coberta de véus, que virá em sua direção dançando. Seus braços
são cobertos de braceletes dourados cravados de pedras preciosas e quando
passa por você, sentirá um aroma delicioso de flores. Ela é só amor e
êxtase. Ela é a nossa prostituta sagrada que se entrega à Deusa e aos
estranhos cansados de viver que vão até o templo venerar a Deusa do amor.

Esta imagem fenomenal que contemplamos em nossa
imaginação, já foi uma realidade em tempos muito antigos. Inscrições
antigas desenterradas de templos, nos contam com mais detalhes destas
cerimônias religiosas que eram celebradas em honra a Deusa do amor e da
fertilidade. Quem ainda hoje não se encanta com a beleza da nudez de
Afrodite?
Mas, quando a prostituição sagrada existiu, as
culturas eram embasadas no sistema matriarcal. Nestes tempos, natureza e
maternidade eram prioridade, pois tinha-se um mundo imenso para povoar.
Entretanto, a natureza sexual dos homens era tida como uma atitude religiosa.
Na Babilônia, todas as virgens, antes de casar, eram iniciadas na
feminilidade através da prostituição em templos sagrados. Matronas romanas,
da mais alta aristocracia, iam ao templo Juno Sospita para entrar no ato de
prostituição sagrada quando era necessária uma revelação.

Independentemente de onde vinham, por uma origem real
ou comum, por uma noite ou toda a vida, as prostitutas sagradas eram nesta
época, muito numerosas. Todas elas gozavam de "status" social e
eram muito cultas, pois passavam por iniciações e muito estudo. A maioria
delas, eram política e legalmente iguais aos homens. No Código de Hamurábi,
uma legislação especial salvaguarda os direitos e o bom nome da prostituta
sagrada. Ela era protegida contra difamações, assim como seus filhos.
Também por lei, a prostituta sagrada podia herdar propriedades de seu pai e
receber renda da terra trabalhada de seus irmãos. Se insatisfeita, ela podia
dispor da propriedade da maneira que julgasse conveniente.

Avançando alguns passos de tempo à frente já
encontramos a imagem da prostituta sagrada totalmente deturpada. Foi
exatamente quando o sistema matriarcal evoluiu para o patriarcal e
patrilinear. Mas este trunfo do patriarcado não foi resultado de uma
revolução violenta. Foi com o surgimento da política, do militarismo e do
comércio que gerou-se a estratificação social. A mulher passou à
condição de subordinada porque seus papéis deixaram de ser importantes para
os novos valores. À medida que as conquistas foram acontecendo, um enorme
número de povos foram se mesclando e as divindades de uma foram incorporadas
à outra. Imagine a quantidade de deusas e deuses que eram cultuados. Ficou
então resolvido, que o melhor seria criarem somente um Deus Supremo, para ser
adorado. Do ponto de vista patriarcal, ele deveria logicamente ser masculino.
Foi assim, que o homem criou novas doutrinas religiosas, de acordo com suas
crenças na supremacia masculina. Deste modo, os antigos templos do amor,
deram lugar à casa do Senhor, deslocando radicalmente os papéis das mulheres
nos ritos religiosos.
Sob à nova tradição, a mulher tornou-se Eva, a
encarnação da sedução, a ruína do homem. Sua simples existência era
advertência para os desejos físicos, aos quais era necessário resistir
mediante o medo de punição eterna. As mesmas qualidades pelas quais as
mulheres foram outrora consideradas sagradas, agora são a razão para as
degradarem.

Em nome do Senhor o homem começou a destruir todos
os vestígios da Deusa e de sua defesa da felicidade sexual. Até o casamento
não tinha mais como finalidade o prazer sexual, mas a criação de novas
almas para adorar a Deus. Todo o prazer foi tirado da natureza humana e
considerado pecado.
Com estas mudanças, as mulheres deixaram de ser
consideradas em pleno gozo de seus direitos. A lei romana colocava a mulher
sob sua tutela e afirmava que ela era imbecil. Na Grécia, as leis de Sólon
não lhes davam direito algum. A lei hebraica condenava a mulher à morte caso
não fosse casta na época de se casar e, se cometesse adultério, era
apedrejada até a morte.

Essas novas leis são a antítese das atitudes em
relação à mulher e à sua natureza sexual, as quais prevaleceram durante as
eras em que a deusa era venerada.
Pois é neste contexto histórico que surge a nossa
Maria Madalena.

QUEM ERA MARIA MADALENA?

Maria Madalena é a prostituta mais conhecida da
história. Mas pergunta-se, quem era mesmo Maria Madalena?
Todas as incertezas a respeito de Maria Madalena
deve-se à uma projeção totalmente alterada. Ela acabou presa entre as
incongruências da interjeição moral cristã e a imagem arquetípica da
natureza feminina erótica.

Existem poucas citações diretas sobre ela nos
quatro evangelhos, porém ela está nominalmente presente nas passagens mais
marcantes na vida do Cristo, como a Paixão e a Ressurreição. Ela é a
discípula que ama o mestre acima de tudo e é testemunha da Sua
Ressurreição, sendo a portadora da Boa Nova. Por isso ela pode ser
considerada a primeira apóstola.
Marcos se
refere a Maria Madalena como "aquela que Jesus havia tirado sete demônios".
Lucas fala de uma mulher que segue Jesus, e que "havia sido curada de
espíritos malignos e enfermidades"; se chamava Maria, provinha de uma cidade
de Magdala, e Jesus expulsou dela sete diabos. Imediatamente antes disto,
Lucas relata a cena com o fariseu, quando uma mulher sem nome lavou os pés de
Jesus com suas lágrimas, os secou com seus cabelos e logo o unge, em
agradecimento ao perdão por parte de Jesus por seus pecados.
A justaposição
nos leva a acreditar que as duas mulheres se identificam em uma só. A mesma
história aparece em Mateus e Marcos, mas a mulher sem nome não é tachada de
pecadora e lhe foi dada muita importância ao colocá-la na última Ceia, em Betania.
Não unge os pés de Jesus, mas sim sua cabeça, de modo mais cerimonial em que
se unge os reis, durante a cerimônia de um sacrifício ritual. Ante a
indignação dos discípulos, que argumentam que o azeite foi mal gasto, pois
poderia ser vendido e dado aos pobres, Jesus pede que sua ação seja
considerada como um ato de celebração, dizendo:
-" Porque os
pobres tereis sempre convosco, porém a mim não me tereis sempre (Marcos).

João, no
entanto, acrescenta uma complicação a mais ao descrever a ressurreição de
Lázaro, onde identifica de forma explícita a Maria de Betania com "a que ungiu
ao Senhor com perfumes e lhe ungiu os pés com seus cabelos". João relata a
cena no capítulo seguinte de forma muito similar aos outros Evangélicos, não
tachando Maria como pecadora: "Então Maria, tomando uma libra de perfume de
nardo puro, muito caro, ungiu os pés de Jesus e os secou com seus cabelos. E a
casa se encheu do odor do perfume". Porém João não identifica em modo algum a
Maria de Betania e a Maria Madalena.

Em outras fontes que não as
Escrituras cristãs, já encontramos uma imagem bem diferente de Madalena e
sua função.

Nos Evangelhos Gnósticos ela é vista como líder ativa no
discipulado de Cristo. Talvez fosse até, uma professora dos apóstolos. O
gnóstico "Evangelho de Felipe" relata "a união do homem e da
mulher como símbolo da cura e paz, e estende-se ao relacionamento de Cristo e
Madalena que, diz ele, era freqüentemente beijada por ele". Ele descreve
Maria Madalena como "a companhia mais íntima de Jesus, e símbolo da
Sabedoria Divina".

De acordo com o "Diálogo do Salvador",
Maria Madalena foi uma dos três discípulos a receber ensinamentos especiais,
e era elogiada acima de Mateus e Tomé. Dizia-se que "ela falava como
mulher que conhecia o Todo".
Mas, a atenção especial que recebia Maria Madalena,
acabou gerando rivalidade entre ela e os outros discípulos. Em "Pists
Sophia", há algo a respeito de Pedro irritando-se porque Maria Madalena
dominava a conversa com Jesus. Ela parecia entender tudo o que Cristo falava,
enquanto os outros, não tinham tanto alcance.Pedro em função disso, temia
perder sua posição de liderança na nova comunidade religiosa. Ele exige que
Jesus a silencie e é imediatamente censurado. Mais tarde, Maria admite a
Jesus que não ousa falar a ele livremente porque, segundo suas palavras:
"Pedro faz-me hesitar; tenho medo dele porque ele odeia a raça
feminina". Jesus responde que quem quer que o espírito tenha inspirado
é divinamente ordenado a falar, seja homem ou mulher.
No "Evangelho de Maria", há uma passagem
que os discípulos abatidos com a crucificação, pedem para Maria Madalena
que os animassem, contando-lhes coisas que Jesus dissera e ela em particular.
Ela fala então, de sua visão de Cristo e o que ele tinha revelado a ela.
Todos duvidaram e a rechaçaram.
Nos "Evangelhos Gnósticos", Maria Madalena
é considerada uma mulher capaz, ativa, amorosa, com habilidades de conhecer e
falar "o Todo", o que talvez seja uma referência à mais alta
Sabedoria, certa compreensão que o coração recebe e contém. Maria Madalena
possuía a habilidade de saber das coisas inexplicáveis, como sua visão de
Cristo. Ela não questionava este seu lado, como os outros. Ela confiava em
sua fonte mais íntima. Ela conseguia ver os emissários divinos e transmitir
suas mensagens aos humanos. Como prostituta sagrada, ela era mediadora entre o
mundo divino e o mundo dos humanos.

Maria Madalena também operava milagres. Conta-se que
após ela ver o Cristo ressuscitado, corre para contar aos outros discípulos.
No caminho, encontrou Pôncio Pilatos e falou-lhe sobre a maravilhosa
novidade.
-"Prove-o", disse Pilatos.
Naquele instante, passou ao seu lado uma mulher que
carregava uma cesta de ovos, e Maria Madalena tomou um em suas mãos. Quando
ergueu diante de Pilatos, o ovo adquiriu uma cor vermelho-vivo. Como testemunho desse efeito lendário, na catedral em Jerusalém que porta seu
nome há uma estátua de Maria Madalena segurando um ovo colorido.
Aliás, o ovo é um símbolo muito apropriado para
este contexto histórico, porque ele simboliza uma nova vida. Ovos coloridos
ainda hoje são usados com semelhante simbolismo em nossa Páscoa.
Cultuar seus símbolos é uma forma de evocarmos os
auspícios de Maria, e meditar sobre eles é uma forma de penetrar em seus
mistérios.

Desde o início da Idade Média,
Santa Maria Madalena tem fervorosa devoção, principalmente na Europa, de
todos os destituídos, prostituídos, pecadores e despossuídos, que estão em
busca de um verdadeiro arrependimento. Várias instituições foram criadas
levando o seu nome, para o acompanhamento e orientação, principalmente, de
mulheres vítimas da prostituição.
Diz a lenda, que após a volta do
Cristo para junto de Seu Pai, Maria Madalena partiu em busca do isolamento,
chegou até a costa francesa, passando o resto de sua vida em penitência e adoração ao Cristo, habitando
em uma gruta. Como não se alimentava, anjos vinham constantemente em seu
socorro, até que veio a falecer e sua alma foi levada por um cortejo de
anjos, para o céu, junto ao seu Salvador. Em 1279 seu corpo apareceu
milagrosamente na cripta da igreja de St. Maximin, em Aix-en-Provence.
Mas, Maria Madalena não é só
lembrada por sua renúncia a sexualidade. Em a "Leyenda Áurea", Jacobo de
Vorágine a descreve como a Mãe dos Reis e dos merovíngios, governadores da
França, anteriores à Carlos Magno, reivindicarão que descendiam dela. Dado que
acreditavam que era consorte de Jesus, na realidade estavam dando a entender
que descendiam de Deus.
Em quadros renascentistas ,
uma das imagens mais características de Maria Madalena é uma mulher chorosa
com um jarro de azeite de ungir em uma das mãos. Essa imagem a seguiu em forma
de lenda até Provenza, onde lhe foi dedicado um santuário que se ocultava em
uma brecha de uma montanha, na cova de Sainte Baume, perto de Saint Maximin.
Foi proclamada a existência de suas relíquias em numerosos lugares no sul da
França; se acreditava que as três Marias, junto com Marta e Lázaro, chegaram
em uma barca à um lugar que se deu seu nome. "Les Saintes Maries de la Mer". A
imagem do pranto se considerava uma das qualidades que definiam Maria
Madalena: o vocábulo inglês "maudlin" (sensível, chorão) que passou à língua
inglesa através da francesa, é uma derivação de seu nome.

Maria Madalena, parece ter
sido a antítese de Maria, ou seja, como se a maternidade virginal,
necessita-se da mulher que não era casta, porém, cujo "pecado original" havia
sido redimido. O erro, que caracteriza a todo pensamento literal, de pensar
que um extremo compensará o outro, fala uma vez mais: ambas alternativas
terminam por situar-se ao mesmo nível. Tanto virgem como prostituta são
consideradas em termos plenamente sexuais e a diferença é, a final, só uma
diferença entre distintos tipos de serviços. No entanto, termina por ser Maria
Madalena, e não Maria a Mãe, quem transcende sua definição doutrinal: é ela
quem chorará e preparará o corpo sem vida de Jesus e é ela quem presencia
todas as fases do drama da transformação. É ela, portanto, a mediadora entre o
mistério da ressurreição e o entendimento ordinário dos discípulos, que
consideram que o relato que ela lhes conta é o relato de seu Senhor.
Maria Madalena como vemos, continua
sendo uma figura proeminente na tradição cristã por uma razão
psicológica. A dimensão arquetípica da natureza feminina erótica elege uma
figura para ser a portadora de sua projeção. A questão é que os seres
humanos, em sua busca espiritual, têm que encontrar uma imagem do feminino
que tenha relação com aspectos eróticos da Deusa. Mas a repressão da
sexualidade pelo pai cristão manipulou a imagem de maneira que Maria Madalena
fosse vista como penitente, renunciando à sua sexualidade.

Diferentemente do homem antigo, cujo
amor pelo erótico era considerado compatível com a espiritualidade, esses
líderes cristãos negaram exatamente o necessário para a renovação da
vida.
Maria Madalena é uma figura feminina
com que todas nós mulheres podemos nos relacionar sem trairmos a nossa
essência. Como uma prostituta sagrada, é capaz de encerrar todos os aspectos
dinâmicos e transformadores do feminino: paixão, espiritualidade e prazer A
imagem feminina de Maria Madalena, pode ser portadora de muitos outros
significados, quando sua natureza plena for restaurada dentro da nossa psique.
A imagem da Deusa divina que
personifica os aspectos risonho, radiante, sábio, independente e sensual da
natureza feminina existe desde que se tem registros históricos. E pode
continuar a existir em nosso tempo se permitirmos que a sua imagem seja
restabelecida e que tome seu lugar de direito na compreensão consciente.
Texto pesquisado e desenvolvido por
Rosane Volpatto
Bibliografia consultada
A Prostituta Sagrada - Nancy
Qualls-Corbett
La Diosa - Shahrukh Husain
El Mito de La Diosa - Anne
Baring/Jules Cashford


|