
MÃE MULITA
Os tatus apareceram há
cerca de 50 milhões de anos no território da América do Sul. Pode ser encontrado
no Sul do Brasil e no cerrado.Vive em campos de baixa ou moderada altitude, em
savanas, bordas da mata, capoeira.
Este animal despertou a
curiosidade dos europeus quando aqui chegaram, mas já era muito conhecido pelos
indígenas, que muitas histórias já teciam sobre ele.
A Lenda da "Mãe Mulita"
é muito doce e reflete a fé religiosa do povo gaúcho. Optei em transcrever na
íntegra a lenda segundo J. Simões Lopes Neto, que é a mais popular:

"O tatu mais a mulita
É lei da sua criação
Se é macho, não tem irmã
Se é fêmea, não tem irmão"
(Cancioneiro Guasca)
"Este bicho foi mandado ficar
assim desde quando o rei dos judeus mandou matar duas mil crianças e a Virgem
Maria fugiu para o Egito, para salvar o Menino Jesus, fugindo num carro pequeno,
puxado por um burro petiço…
A certa altura do caminho, a comitiva foi alcançada por uma escolta do rei, com
ordem de matar o menino e algemar seus pais; porém Nossa Senhora, com os seus
rogos e lágrimas, conseguiu abrandar o centurião que comandava; e deu-lhe de
presente o burro.
Depois, a Virgem Maria e São José, com muito custo, lá foram empurrando o carro
onde ia dormindo, muito sossegado, o Menino Jesus. E foram andando… andando…
andando…
A escolta ia seguir o seu caminho, de volta, porém parou, porque o burro
tinha-se empacado… Embalde o centurião chicoteou o animal; depois bateu-lhe com
o pau da lança; depois com a bainha do espadão; nada!… o burro, sempre
empacado!…
Todos os soldados juntos e ao mesmo tempo espancaram-no; o burro, sempre
empacado!…
Então o centurião ficou furioso, dizendo-se enganado pela Virgem que lhe dera
tão ruim animal. E resolveu perseguir os fugitivos para seu castigo.
A Virgem e São José não viram o que atrás deles se passava, somente ouviam o
rumor das pancadas que os soldados davam no burro e as blasfêmias do centurião…
E assustados, apuravam forças, empurrando o carrinho.
Então o Menino Jesus acordou-se e teve fome; mas, com o muito cansaço e
sofrimentos, o seio de Maria não apojou…
Nisto apareceu uma mulita e Nossa Senhora disse-lhe:
- Mulita, se tens filhos, dá-me uma gota do teu leite para o meu filho!…
E a mulita parou-se e deu a gota de leite; mas era muito pouco e o Menino
continuou chorando, com fome…
Nossa Senhora chorou de pesar e tornou a dizer:
- Mulita, chama as tuas filhas, para cada uma dar uma gota de leite para o meu
filho!…
- Senhora Virgem, - respondeu a mulita, - a minha ninhada é grande, porém nela
as filhas são poucas…
E chamou suas poucas filhas, e cada uma deu uma gota de leite para acalmar a
fome do Menino, que calou-se, farto.
Depois, cada mulitinha tomou seu rumo, no deserto; só ficou a mulita mãe,
acompanhando.
Quando iam já muito longe, avistaram a escolta que vinha em perseguição; e à
frente, ameaçador, o centurião!…
Então a Virgem, muito aflita, disse:
- Mulita, dá-me a tua força, para puxar o carro do meu filho!…
E a mulita puxou; mas era tão pouca a sua força que o carro quase nada
adiantava.
E
a escolta, cada vez mais perto!…
Nossa Senhora, chorou, de medo, e tornou a dizer:
- Mulita, chama os teus filhos, para darem a sua força e correrem, puxando o
carro do meu filho!…
- Senhora Virgem, a minha ninhada é grande, porém nela os filhos são poucos…
E chamou os seus poucos filhos, que começaram a correr, puxando o carrinho do
Menino Jesus…
E a escolta, cada vez mais perto!…
Mas o carro, agora puxado pelos filhos da mulita ia sempre andando depressa.
Mas os cavalos são maiores que as mulitas e por isso vencem mais terreno… e já a
escolta estava perto… perto…, quando levantou-se um medonho temporal de areia,
que obrigou os soldados e o centurião a dispersarem-se, entre gritos de raiva…
Então, quando viram que o Menino Jesus estava salvo, cada mulitinha tomou seu
rumo no deserto; só ficou a mulita mãe, acompanhando.
Então, Nossa Senhora tornou a dizer:
- Mulita, em memória das gotas de leite das tuas filhas, em memória da força dos
teus filhos, deste dia em diante, de cada vez que deres ninhada, será sempre ou
só de fêmeas ou só de machos!…
E a mulita respondeu:
- Pois assim seja a vossa vontade, Senhora Virgem! Porém eu peço que ordeneis
que o mesmo seja para a minha boa comadre, a tatua…
- Pois será, também!
Então, a mulita tomou seu rumo, no deserto, e foi levar a nova à sua comadre
tatua, que ficou muito contente."

Contar e recontar um
mito significa relembrar e meditar sobre a essência de nossos ancestrais. A
história é o círculo do tempo que contém o passado, o presente e o futuro. Não
temos presente sem um passado. Se não fizermos acontecer no aqui-e-agora, não
teremos futuro. Mas é a busca pelo passado que consolida nosso presente.
O popular imaginário
acompanha o ritmo do círculo do tempo. Só a imaginação possui um ritmo
particular de visão que nunca vê de um modo linear. Se a nossa visão estiver
atrelada a um objetivo linear, podemos perder o rumo do nosso destino secreto.
Texto pesquisado e
desenvolvido por
ROSANE VOLPATTO

Bibliografia:
Lendas do Rio Grande do Sul -
Publicação n. 7 da Comissão Estadual do Folclore do Rio Grande do sul
Mitos e Lendas do Rio Grande
do Sul - Antonio Augusto Fagundes
Lendas do Sul - J. Simões
Lopes Neto
Estórias e Lendas do Rio
Grande do Sul - Barbosa Lessa
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