LOBISOMEM

A história de homens que
se transformam em lobos é muito antiga. Na Grécia Antiga, o mito do
homem-lobo, proveniente de épocas pré-históricas, se ligou a religião do
Olimpo. Conta-se que Licaon, rei de Arcádia, filho de Pelagro, primeiro soberano
da região, tentou matar Zeus, seu hóspede de uma noite. O Deus castigou-o
dando-lhe a forma vulpina. Nenhum erudito conseguiu explicar a fábula. Nem mesmo
esta se reduz a uma só versão. Em outras lendas Licaon fez um sacrifício humano
e sua metamorfose significa a cólera divina. Também Licaon levou à mesa, onde
Zeus era servido, carne humana. Ainda, segundo Pausanias, Licaon sacrificou um
filho de Zeus no monte Licaeus. O final é idêntico. O rei se transforma, e para
sempre, em lobo.
Daí passou à Roma, e da Cidade dos Césares com
seus exércitos conquistadores se difundiu pela Europa, pelo norte da África e
Oriente próximo.
Com os nomes de "Versipélio dos Romanos, é o
Licantropo dos Gregos, o Volkodlák dos eslavos, o Werwolf dos saxões, o Wahrwolf
dos germanos, o Óboroten dos russos, o Hamtammr dos nósdicos, o Loup-garou dos
franceses, o Lobisomem da Península Ibérica e da América Central e do Sul, com
suas modificações fáceis de Lubiszon, Lobisomem, Lubishome..., é, sempre, a
crença na metamorfose humana em lobo, por um castigo divino.
No imaginário medieval europeu,
os feiticeiros se transformavam em lobos para comemorarem os sabaths. As
feiticeiras, por sua vez, usavam ligas de pele de lobo.
O lobo é um grande carniceiro
que devora a matéria e o mundo. Mas este seu simbolismo de destruição e de
devoração nos leva à concepção antagônica de renascimento e renovação. Só
através da morte é que se renasce para uma nova vida. A planta brota do grão,
somente depois que este se decompõe no seio da terra. A morte é
portanto, o nascimento do novo.
Este animal também está ligado
as trevas, possuindo a fama de ver à noite. Como Senhor das Trevas ele é seu
guia e antídoto, pois pela sua devoração, antecipa o retorno da luz.
Apresenta ainda, à associação com a "goela", imagem arquetípica e
iniciática. O poder de sucção desta região está mitologicamente simbolizado
pela sua força que alicia e domina o ser humano, a vida, a pessoa e a consciência,
de que ninguém consegue livrar-se. A goela do lobo é a noite, as trevas, a
caverna dos Infernos, mas a libertação da goela, é a aurora, a luz iniciática
sucedendo à descida aos Infernos.
O sentido iniciático da
"goela do lobo", dá a este animal o papel de psicopompo. Na mitologia
egípcia, Anúbis tem a forma de um cão selvagem ou lobo. Em Cinópolis, era
venerado como deus dos Infernos.
CARACTERÍSTICAS DO LOBISOMEM
Contam as lendas que ser
lobisomem é questão de destino, qualquer criança incestuosa, como também o
filho de uma comadre com compadre ou padrinho com afilhada, podem vir a ser um.
Nos pampas gaúchos, corre a história de que se o sétimo de um casal se deitar
em algum lugar que o bicho ocupou, torna-se igual a ele. Há quem diga, que para
ser lobisomem, basta ser o sétimo filho (caçula) de um casal ou o oitavo filho
homem depois sete filhas mulheres.
Em Santa Catarina, afirma-se que, se nasceram,
consecutivamente, numa família, sete filhos varões, o último deve ser chamado
Bento, caso contrário vira lobisomem.
Na zona do brejo paraibano descrevem-no como
um homem normal que, em certas horas, e em dias determinados e sob determinadas
circunstâncias, toma o aspecto de um animal e sai a correr o fado, cumprindo o
castigo imposto pela Divina Providência pelo pecado de adultério de compadre com
comadre, de devota com padre, dos incestuosos e blasfemos... O povo simples e
crédulo, em geral, sente pena deles, por considerá-los, antes de mais nada,
pecadores em penitência.
Todo sertanejo sabe que o lobisomem é um
sujeito doente, muito pálido e meio avesso ao trabalho, fatigado nos modos e
meio misteriosos nos movimentos. Não se alimenta bem, Vive quase do vento, mas
não morre facilmente.
COMO SE APRESENTA?
Na mitologia brasileira, o
lobisomem apresenta-se como um grande cão negro, possuidor de olhos
aterrorizantes vermelhos, com orelhas e unhas enormes. Já foi visto também,
lobisomens com características de porco, com o corpo todo coberto de pelos e a
cara lupina com grandes caninos projetados para fora da boca.
As formas, portanto, podem variar e em Santa
Catarina apresenta-se como um homem de olhos afogueados, pelo eriçado, ventre
aberto e sangrando, unhas aguçadas e expele fogo pela boca.
No sertão da Paraíba é um bezerro negro, que
ostenta um couro cabeludo de fazer cachos, além de cascos pequenos, olhar
fuzilante e dotado de força e agilidade extraordinária. No Rio Grande do Sul
apresenta-se como um cão grande. Na forma de porco é assinalado em São Francisco
do Sul e em Biguaçu, na orla litorânea catarinense. No entanto, em Caçador, no
oeste catarinense, é um horrendo lobisomem-dragão, com cerca de três metros de
comprimento, tem dorso de dragão e formidável boca provida de agudíssimos
dentes. Pelas ventas dilatadas lança um bafio nauseabundo.

ENCANTAMENTO
O mito em algumas regiões
brasileiras mantém uma tradição: sua transformação ocorre sempre
sexta-feira, em noite de lua cheia. Ele procura uma encruzilhada, despe-se e
joga-se ao chão, rolando na poeira até transformar-se em homem-lobo. Da
meia-noite até as duas da manhã, ele visita sete cemitérios, ou sete vales,
ou sete outeiros, ou sete encruzilhadas. Como ele precisa de sangue, ao
transformar-se, sai à cata de algum leitãozinho, um cachorro ou criança de
colo.
Na Paraíba há três versões que nos foram
apresentadas. Vejamos a primeira:
"...Se torna preciso encontrar uma
encruzilhada, cheia de mariscos de praia, onde se despe, dando vários nós na
camisa e no lenço." Deita-se no chão, espojando-se como quadrúpede. Uns dizem
que ele engole os mariscos do mar. Outros contestam essa versão. Depois entra a
fazer desarticulações com as pernas e braços, encostando a cabeça aos pés,
remexendo-se para direita e esquerda, dizendo palavras à toa.
Versão idêntica a essa ocorre no litoral
pernambucano. Entretanto, diferente de todas as versões que confrontamos é esta
colhida no brejo paraibano:
"...Rebolando-se o aspirante na cama de um
animal, ainda quente do corpo deste, cuja forma tomará. É condição
imprescindível para a transformação que, no momento, os raios da lua incidam
diretamente sobre o homem que estiver deitado na cama de irracional,
manifestando-se, de início, pelo crescimento das unhas e cabelos, seguindo da
fisionomia com o crescimento dos dentes que dão perfeita semelhança com o animal
modelo."
E, por fim, a versão do sertão paraibano:
"Sai de casa à procura de algum recanto de
estrada onde se deite. Espoja-se, requebra-se todo, fazendo trejeitos até virar
um bezerro negro de longas orelhas."
Em Pernambuco é o mesmo cenário até "encontrar
com um lugar onde um cavalo ou um jumento se espojou, espoja-se também, tomando
a sua forma."
E, finalmente, na terra alagoana, se completa
o "encantamento" quando tira a camisa fora do corpo e dá 7 nós. Esconjura Pai,
Mãe, Padrinho, Madrinha, o nome de Deus e de Nossa Senhora.
O DESENCANTAMENTO
O desencantamento se processa de dois modos,
segundo a crença geral: naturalmente e por ferimento em luta com o homem. A
primeira informação que a esse respeito colhemos foi em Nova Trento, em Santa
Catarina, quando nos disseram que, ao final da fase lunar o lobisomem se
tornava, novamente, um ente humano normal. Ou, então, "só se desencanta quando o
galo desperta no terreiro", veiculam no litoral paraibano e o catarinense.
Colhida em Pernambuco foi a versão que se
segue:
"...Ao ouvir o galo cantar, percorre o
Lobisomem sete cidades e chegando, de volta já ao lugar de seu encantamento,
espoja-se de novo, retorna a sua forma humana".
Quase identicamente, é a versão corrente no
brejo paraibano, onde "antes que chegue o dia, o lobisomem regressa ao local do
encantamento e novamente se rebola na cama do animal, readquirindo a
personalidade humana, regressando calmamente para casa, com a aparência de uma
pessoa normal".
Com referência ao Rio Grande do Norte, além de
nos dizer como se "desencanta" o lobisomem, nos diz, também como proceder para
que o lobisomem não se "desencante" jamais.
Eis a fórmula original:
"Se esconderem a roupa que o lobisomem deixou
na encruzilhada ou desfizerem os sete nós, ficará ele todo o resto de sua
existência um bicho fantástico. Não há notícia de transformação depois da
morte."
O seu destino
entretanto, pode ser
alterado, se alguém se atrever a fazer-lhe um ferimento com um espinho que o faça
sangrar, ou queimando suas roupas abandonadas durante a metamorfose. Para
desencantar um lobisomem, também pode-se feri-lo usando uma bala untada com
cera de vela acesa durante três missas de domingo ou na Missa do Galo, rezada
na meia-noite de Natal. A faca, a foice, uma simples furadela de canivete,
desencanta o fado.
Há também uma forma de
transmitir este fado: quando um lobisomem já velho, pressente que vai morrer e
tem necessidade de passar seu cargo à outrem. Se alguém lhe fizer a simples
pergunta: "Tu Queres?", desconfie, pois pode ser um lobisomem tentando
lhe passar sua herança.
Existem também os
lobisomens-assombrações, que são aqueles que morreram antes do cumprimento de
seu fadário. Muito agressivos, apresentam-se na forma de um grande e feroz cão
branco. Não se consegue matá-lo, só exorcizá-lo.

O mito lobisomem está muito vivo
no Rio Grande do Sul e tem gerado muitas lendas locais, entre elas encontramos a
história dos fios vermelhos na boca de um homem que, quando Lobisomem, atacou
uma mulher que usava um "viso" de seda.
Em Porto Alegre, os moradores do
bairro Cristal, afirmam que lá reside um homem que é Lobisomem. Em Alegrete
vive outro. Em Gravataí, um senhor velho garante que teve uma briga feia com
um, mas conseguiu feri-lo. Desconfiado de seu vizinho, fez uma visita de
surpresa e lá estava o homem, todo retalhado, desculpando-se que se machucara
nos espinhos do mato.
O número sete aparece
constantemente em suas histórias, o que leva a caracterizar este mito com que
Jung chama de Selbest, o lado escuro do inconsciente coletivo. Este lado sombra
representa o lado mais reprimido do caráter, a parte que a maioria das pessoas
prefere não encarar, pois é o lado do inconsciente monstruoso.

Em inúmeros arquivos pelo mundo,
encontram-se registradas centenas histórias de homens que transformavam-se em
lobisomens. Esta estranha metamorfose, de acordo com pareceres psiquiátricos,
trata-se de uma idéia insana de pessoas enfermas, que acreditam serem lobos e
correm uivando pelos campos. É considerado, portanto, um sério desvio de
personalidade, do tipo alucinatório. Os indivíduos que sofrem deste mal são
chamados de licantropos. Ao que parece, a licantropia é uma patologia tão
antiga quanto o homem e possui um perfil físico característico: sobrancelhas
espessas, o dedo médio comprido, unhas longas e avermelhadas, orelhas situadas
muito atrás, tem os olhos secos, nunca chora, pele áspera é mal tratada com
tonalidade amarelada ou esverdeada e apresentando abundância de pelos e muita
sede.
Além das características físicas,
também encontramos tipos de conduta muito particulares: são amantes da noite e
admiradores da solidão e estão sempre acometidos de profunda melancolia. O
licantropo sai à noite para caçar, uivando como lobo, tirando os ossos dos túmulos
e amedrontando todos os que com ele se deparam.
No Nordeste "os doentes de amarelão", "empambados",
"come-longes", extenuados pela anemia, se transformariam em lobisomens, nas
noites de quinta para sexta-feira, segundo a crença popular. Há entretanto, um
fundo de verdade nessa crendice. A ancilostomíase, acarretando distúrbios
cenestésicos, pode provocar em débeis e predispostos mentais sintomas de
alucinação da cenestesia, podendo levar até aos fenômenos de transformação de
personalidade.
Existe também a hipertricose,
uma patologia que provoca hirsutismo em homens e mulheres e já acometeu
personagens ilustres. É o caso de Petrus Gonsalvus (figura abaixo), um poderoso
comerciante e armador português do século XVII, que instalou importantes
empresas no Brasil.

Segundo explicações médicas, a
hipertricose tem origem genética, porém, em alguns casos, pode apresentar-se
de forma patológica, vinculada a uma alteração nas glândulas supra-renais,
que provoca o crescimento anormal dos pêlos do corpo.
Entretanto, nenhuma explicação
científica conseguiu afastar a crença do medo, como ocorre há séculos, do
aspecto mágico da licantropia. Os casos de indivíduos que acreditam ser
lobisomens e atuam como tais, continuam a engrossar os arquivos policiais e,
paralelamente, enriquecendo o folclore popular.
O lobisomem brasileiro é uma concepção onde
intervêm velhas crenças européias acrescidas de crenças totêmicas e míticas, de
origem ameríndia e africana.
O MEDO DE ALGUNS ANIMAIS
Algumas vezes o medo de certos
animais é irrazoável e intimamente ligado à repulsão. É o caso de ratos e
aranhas que atemorizam muitas pessoas. Mas tal medo, não é por causa do
perigo, mas sim pela repulsão violenta que se tem deles.
Nos séculos precedentes
acreditava-se na possibilidade da metamorfose física em animal e essa crença
persiste até nossos dias. Se ela é tão forte, é por que evoca um passado
distante, enterrado em nosso espírito: o da animalidade humana, que, por causa
desse temor visceral, torna-se bestialidade.
O lobisomem é o melhor dos
exemplos. Se aterroriza, porque evoca uma ferocidade arcaica e a perda da
personalidade. A transformação em animal destaca a animalidade que o ser
humano rejeita com toda a força. Essa obsessão foi ampliada pelo cristianismo
que prega a impureza de certos animais.
Metamorfosear-se em animal, seria
pois, não só perder a personalidade humana, mas também voltar a uma natureza
primitiva pretensamente inconciliável com a natureza humana evoluída ou
suposta como tal. Entretanto, se pensarmos melhor, a bestialidade temida na
transformação animal não é do animal, mas do próprio homem, porque essa
bestialidade, que se exprime muitas vezes pela violência e pelo sangue, é a
monstruosidade humana reprimida no mais profundo do subconsciente.
Texto pesquisado e desenvolvido
por
Rosane Volpatto
VÍDEO: Click na imagem
Bibliografia consultada:
Assombrações
e Realidades - Maria do Rosário S. T. de Lima
O
Simbolismo Animal - Jean-Paul Ronecker
Mitos
e Lendas - Antonio Augusto Fagundes
Lendas do Sul - J. Simões Lopes Neto
Cultura Cívica Brasileira - Gonçalves Ribeiro
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