
UIRARAPU, O ORFEU AMAZÔNICO

O Uirapurú, arrebata pelo seu
encanto e simpatia. É uma ave pequena, do tamanho do curió, mas cujo canto possui a
virtude de seduzir e prender todas as outras aves. As modulações de seu canto
provocam efeitos de um concerto no seio da floresta. Quando o uirapuru canta,
todas as outras aves cessam o cantar para ouvi-lo.

Segundo uma crença indígena, o uirapuru é o
deus protetor de todas as aves e também guia. Acredita-se que certos pássaros
parecem ter receio de penetrar em matas sombrias e, para aventurarem-se a tal
empreendimento, reúnem-se em bandos, sempre assessoradas por uma outra ave.
Pajeando a turma, o protetor das aves, encarnação viva do uirapuru, mostra-se
feliz e precavido e, nesses momentos, solta um vozear fino, curto trêmulo, que
se ouve a distância. O bando pousa aqui, pousa lá, passarinhando, voando, entrevoando e o guardião vai na frente, tangendo seu assobio, que mais parece
dizer:
-"Vamos em frente." "Não há perigo!".
Esse é o uirapuru, o deus do mundo
alado, o pássaro encantado.


O seu único perseguidor desse pássaro é o
homem que considera-a portadora de felicidade, pelo poder que tem seu canto,
empregando os maiores sacrifícios para obtê-la, mesmo morta, acreditando
conservar o seu inestimável condão. No Pará e Amazonas, elevadíssimo é o
preço de um Uirapurú, pois segundo uma crença, aquele que o possuir, será sempre
feliz.
O Uirapurú filia-se a
Guarani, o Deus Superior a quem o índio atribuía a criação do homem e de
todo o ser vivo. Sua missão na terra é presidir o destino dos pássaros, dos
quais toma a forma, fazendo-se rodear deles.

De cor acinzentada, com uma parte negra e
mancha branca nas costas, em forma de estrela, o Uirapurú era a maravilha da
mata, seu canto encanta e fascina a todos que tem o
privilégio de o escutar. Orfeu com sua lira encantada não seria mais poderoso,
nem tampouco tão hipnótico e magnetizador que o Uirapurú cantando na selva
amazônica. É difícil vê-lo ou ouvi-lo cantar, pois ele só o faz nas copas
mais altas das árvores.

Pássaros incorporados a feitiçaria
amazônica, os Uirapurús eram preparados
como amuletos pelos indígenas, que tinham a virtude de trazer felicidade e
riqueza a quem o possuísse. Mas para que estes resultados surtissem efeito, ele
não poderia ser comprado, ganho ou achado e sim subtraído.
Ao
belo canto desta ave, que é imitativo, com o qual provoca o cortejo das demais,
dedica, com espirituosa e irônica alusão a outros cantores e poeta maranhense
Humberto de Campos o soneto:
"Dizem
que o Uirapurú, quando desata
A
voz, Orfeu do seringal tranqüilo
O
passaredo, rápido, a segui-lo
Em
derredor agrupa-se na mata.
Quando
o canto, veloz, muda em cascata
Tudo
se queda, comovido a ouvi-lo:
O
mais nobre sabiá surta a sonata
O
canário menor cessa o pipilo.
Eu
próprio sei quanto esse canto é suave
O
que, porém, me faz cismar bem fundo
Não
é, por si, o alto poder dessa ave.
O
que mais no fenômeno me espanta
É
ainda existir um pássaro no mundo
Que
fique a escutar quando outro canta!"
Ainda hoje, algumas pessoas o
procuram como amuleto para redobrar o encanto, simpatia ou fortuna do possuidor.

LENDA

Há uma linda lenda indígena, que nos conta
que Uirapuru era, a princípio, um índio que se apaixonou perdidamente pela
esposa de um cacique. Desiludido com o amor proibido, pediu a Tupã que
amenizasse sua dor transformando-o em pássaro. O deus, compadecido, fez dele uma
ave matizada de vermelho-acinzentado e chamou-a de Uirapuru.
Passou a cantar à noite, uma
doce serenata para fazer sua amada dormir. Entretanto, sua bela voz despertou o
interesse do cacique, que passou a perseguir a ave para tê-la só para si. O
Uirapuru apavorado, voou para o interior da floresta e o chefe daquela nação
perdeu-se para sempre.
O Uirapuru, que para bobo não servia,
voltava todas as noites para acalentar os sonhos de seu amor e esperando também,
que talvez um dia, a índia possa reconhecê-lo e despertá-lo de seu encanto.
A história, como vemos, guarda muito
semelhança, com a do "príncipe encantado", que era sapo e só retornaria ao corpo
de homem com o beijo de sua amada.

O canto do Uirapuru, no seio da floresta
multicolorida da Amazônia, ainda domina com seus trinados melodiosos, o reino
dos pássaros, que o elegeram como seu único maestro. O Uirapuru é o cantor
supremo que enfeita com seus acordes de rara beleza a imensidão que é seu
reinado, onde pairam no ar notas harmônicas de música e de felicidade...
Texto pesquisado e desenvolvido por

ROSANE VOLPATTO
 
 
 


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