A LENDA DOS ÍNDIOS TATUS BRANCOS

 

 

Foi no tempo em que nossos avós desciam o rio Tietê ao sabor das monções ou vingavam a serra da Mantiqueira em busca de ouro.

Reduzida tropa de bandeirantes perdeu-se em uma agreste de Minas Gerais, conhecida pela grande quantidade de furnas e cavernas.

Todas as noites, em um local que pararam para pousar, os forasteiros ouviram da boca de um velho caboclo estórias de desaparecimento de gente de bandeiras anteriores. Era mais que certo, que por aquelas paragens viviam índios vampiros, conhecidos como Tatus Brancos, que enxergavam como a coruja na noite mais tenebrosa, que andavam em disparada, nas horas mortas, pelos campos e matos à procura de presas fáceis.

Nenhuma carne era mais apreciada por eles quanto a carne de homem branco, cujo cheiro, como os cães de melhor faro, sentiam de longe.

Essas sinistras estórias em vez de meter medo naquele punhado de bandeirantes, aguçou-lhes a curiosidade e, principalmente do belo jovem que tinha nas mãos o comando da expedição. Foi ele, quem resolveu desvendar tais mistérios e descobrir os Tatus Brancos, que ninguém tinha visto, pois quem chegou a vê-los não voltou mais para contar.

O caboclo velho tentou persuadi-los para não seguirem em frente, pois nada de bom poderiam esperar com tal atitude, mas o jovem chefe insistiu em ir em frente e penetrar corajosamente nas sombras mais horrendas, percorrendo caminhos de difícil acesso.

Uma noite, quando pararam para pousar, sob uma árvore copada e retorcida, começaram a ouvir ao longe um vozerio estranho e agourento.

-"Patrão, escute a voz do sábio caboclo que conhece as traições desse bravo sertão! O senhor me perdoe! Os Tatus Brancos têm faro como cães! Se nós não fugirmos já, seremos comidos como uns bichinhos à-toa!"

Como única resposta, o jovem chefe com a mão fez um gesto de descrença.

E o vozerio estranho soava mais próximo pelas quebradas da serra.

-" Estou aqui para o que der e vier!"

Nessa altura ouviu-se um tropel distante aos pulos pelas abas dos morros. Os bandeirantes apertaram suas azagaias (lanças) e prepararam as colubrinas (antigos canhões). Não tardou, para que as tais vozes tomassem a direção certa e se transforma-se em algazarra infernal.

E, logo depois, os bandeirantes agüentaram a fio do facão, a pontaços de azagaia e balaços de colubrinas, no meio da escuridão, ao mais estranho assalto da sua vida venturosa de guerreiros das brenhas.

Ao meio de uivos, rugidos animalescos e gargalhadas, um a um foram caindo, ou sendo subjugados, não sem terem feito verdadeira chacina em massa nos seus agressores. Vivos, mortos e moribundos foram todos arrastados durante longa marcha a uma caverna, que parecia a residência principal dessa tribo nunca vista.

Entre os capturados, o único que voltou a ter consciência de si foi o jovem chefe bandeirante, cuja beleza e juventude provocaram a amorosa compaixão de alguém que ele sentiu muito junto dele. Seus olhos, pouco a pouco foram acostumando-se com a escuridão do local, até que pode distinguir melhor os vultos de um enxame de homens-pigmeus, cuja estatura mal excedia à metade de um homem normal. Ouvia uma gritaria feroz e um sinistro bater de queixos, que começou a lhe tirar todas as esperanças de salvação e o certificava do cruel destino de seus companheiros. Entretanto, tentou pensar em algum modo de livrar-se da sanha voraz daquela horrível alcatéia.

O tempo que permaneceu assim, em total estado de choque, o jovem bandeirante nunca soube quanto foi. O certo é que, acompanhado de perto por um protetor, conseguiu sair do covil uma noite, após a partida do bando, que não saia senão na escuridão, para caçar nos matos e cerrados. Não podendo, porém, correr no escuro como os Tatus Brancos, afastou-se do bando e deitou-se no chão, fingindo que dormia. O protetor, que era uma mulher, ali ficou a guardá-lo e vigiar-lhe o sono, até que a imobilidade a entorpeceu também.

O bandeirante não desejava outra coisa, pois só a luz do dia poderia salvá-lo, já que os Tatus Brancos não a suportavam. Assim, antes do nascer do sol, recolhia-se o bando inteiro aos seus covis.

Como em todas as estórias de finais felizes, mais uma vez o amor fizera mais um milagre. A claridade matinal surpreendeu fora de sua furna a salvadora do bandeirante. Despertando em sobressalto, levou a mão nos olhos e com gestos desesperados tentou arrastar o rapaz para uma caverna. Só então pode vê-la e por ela conhecer os de sua tribo. Era pequeninha e branca, com a cor pálida de quem nunca viveu à luz do sol. Os cabelos longos, de um loiro embaçado, caíam-lhe abundantes sobre as costas. Quanto mais clareava o dia, maior parecia a angústia da princesinha dos Tatus Brancos, que cobria os olhos com as mãos, bracejava e gemia, incapaz de caminhar, às tontas, inteiramente cega.

O bandeirante a olhou uma última vez e fugiu daquela terra maldita.

A Lenda dos Tatus Brancos, nos fala de uma tribo de pigmeus de vivia em covas e moradas subterrâneas em Minas Gerais.

A teoria da existência de pigmeus foi defendida com muita força pelo antropólogo David MacRitchie, afirmando que separados da civilização e da evolução humana, esses homens pré-históricos de habitat troglodita permaneceram estancados durante séculos antes de extinguir-se progressivamente.

Segundo Sir John Rhys, uma antiga etnia aborígene de habitat troglodita, viveu ao norte da Escócia e se retirou ante ao avanço dos celtas e assimilou os costumes do Povo Pequeno, escavando suas casas subterrâneas nas partes menos acessíveis do território.

Uma das provas de existência desse povo em território brasileiro é justamente essa lenda dos Tatus Brancos de Minas Gerais.

Entretanto, seja qual for a crença na existência real de pigmeus, há muitíssimo tempo eles vivem sobre tudo, em nosso imaginário e, se perpetuam na riqueza e na diversidade de inúmeras lendas, contos e crônicas de diferentes povos.

Texto pesquisado e desenvolvido por

ROSANE VOLPATTO


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