LENDA DA SERRA DO CARAÇA

O cacique Ubiratã, cujo nome designava o branco lenho com que os índios fabricavam lanças, ao morrer deixara dois intrépidos e robustos filhos: Ubajara, o canoeiro e Tatagiba, o braço de fogo.

A viúva adoecera de desgosto pela morte de Ubiratã. Os filhos tinham ido aos pajés rogar lenitivo para a mãe doente, e não houve remédios de plantas que a curassem. E ela era o anjo daquela taba.

-Há um meio de restabelecer-se, advertiu o mais velho dos pajés. Ir à região das abelhas sabarás e, nas cercanias, procurar três coisas: ouvir a árvore que tem harmonias, ver o pássaro azul que diz coisas misteriosas e trazer um pouco da água das fontes de ouro. Têm essas águas a propriedade mágica de curar as doenças mais rebeldes. Mas cuidado porque ali há monstros que encantam a gente!

Tatagiba, o mais moço, partiu à procura do remédio aconselhado pelo pajé.

Atravessou as matas. Veio surgir onde sabia existirem as abelhas sabarás. Num recanto, sobre um arbusto que se debruçava para o rio de águas doces, descobriu Tatagiba uma araquara, o esconderijo dos papagaios. E, com surpresa, viu o papagaio azul indicado pelo ancião. Realmente aquele pássaro conhecia a língua tupi.

- Deve ser esta a região maravilhosa! - exclamou Tatagiba enlevado porque ali também havia as fontes de água de ouro. E o murmúrio do vento lhe trouxe aos ouvidos delicadíssimos sons, partidos do seio d floresta.

Acompanhou aqueles sons misteriosos, com o intuito, igualmente, de apanhar alguma caça furtiva, e de súbito sentiu-se agarrado por uma grande mão de um monstro, que o fazia crescer, crescer desmesuradamente como outro gigante e o prostou de costas para o chão, encantado em enorme serra cor do céu: o morro da Piedade. Montanha de ferro, porque forte como ferro ou itaúna fora a resistência de Tatagiba. Ficou resplandecendo ao longe. E mais tarde chamaram-lhe, por isso, monte do Sabarabuçu, ou seja, grande montanha brilhante.

Ubajara notou que o irmão havia três meses não regressava à taba.

- Pajé, meu irmão desapareceu...

- Bem o previ, falou o velho mago. Ficou talvez transformado em montanha, como sucedeu a tantos guerreiros que para lá partiram. E tu tens coragem?

- Tenho.

- Pois bem, vou dar-te um óleo perfumado que te livrará de todo o perigo e poderá encantar o monstro mais astuto. Basta derramar uma gota e o perigo ficará inteiramente afastado.

Ubajara partiu. Muniu-se da clava, da flecha ligeira e do óleo mágico, dado pelo pajé. Chega ao local das abelhinhas sabarás. E admira-se: o lindo pássaro azul que fala em língua tupi! Vê em sua frente uma onça feroz. Mas, a uma gota do óleo derramado, o jaguar escapa num relance.

-Ah! exclamou contente. Deve estar aqui por perto meu irmão Tatagiba, porque vejo o pássaro azul e lhe escuto a fala misteriosa. Às praias deste rio acorrem fontes de água puríssima, de sabor inigualável.

Nota grupiaras e percebe brilhar entre os cascalhos algumas pepitas de ouro. Essa água seria, por certo, a água salvadora.

Nisto, uma voz soa do bosque:

- Ubajara, sou teu irmão Tatagiba. Aqui estou eu, encantado nessa serra enorme, depois de ter me tornado gigante pelas mãos daquele monstro que viste deitado, na tua viagem. Costuma ficar com o rosto para o alto. Na volta, põe-lhe por cima teu óleo perfumado, e ele ficará para sempre ali petrificado, como eu.

Ubajara chorou de saudades e não teve palavras para responder! Toma daquela água das fontes de ouro e ruma com destino à sua taba. Ao transpor a montanha derrama uma gota do misterioso óleo, sobre o monstro que dormia, e o Caraça fica transformado em rocha imóvel. Parecia um grande roto de pedra voltado para o azul.

A mãe de Ubajara conseguiu cura-se com a água trazida pelo filho. E resolveu morar ao pé do Sabarabuçu para escutar o doce marulho das águas, como ecos de saudades.

Quiseram fazer-lhe companhia duas velhas índias. Acomodaram-se nas faldas da serra, na enseada do cruzamento dos rios. E os pósteros deram àquele rio o nome de Rio das Velhas. Significaria o rio das águas de ouro, a cujas margens falava misteriosamente o pássaro azul, entre sons divinais da mata.

Parecia à boa mãe de Ubajara rever a Tatagiba, quando faiscavam raios de ouro sobre o dorso da serra da cor cinza, e consideravam o filho, petrificado, num repouso de relvas.

Texto pesquisado e desenvolvido por Rosane Volpatto

Bibliografia:

Lendas e Fábulas Indígenas - Pe. Armando Guerazzi