SEPÉ
TIARAJÚ

"Esta terra tem dono e nos
foi dada por Deus e São Miguel" Sepé Tiarajú

Sepé
Tiarajú nasceu na Redução de São Luiz Gonzaga, órfão de pai e mãe,
foi adotado por um padre jesuíta e transferido para a Redução de São
Miguel Arcanjo.
As
reduções seguiam os moldes da legislação espanhola. Primeiramente
era demarcada a Igreja e a Praça Central e a partir deste núcleo
erigia-se as demais construções. Os índios guaranis reduzidos,
desenvolviam atividades como agricultura, pecuária, marcenaria,
pintura, escultura, isto é, aprendiam um ofício. Tais organizações
permaneceram em atividade por mais ou menos um século e meio.
As
Ruínas de São Miguel, no Rio Grande do Sul, são o testemunho
silencioso do intento missionário das "Reduções índias",
nos séculos XVII e XVII. Sepé Tiarajú, São Sepé, aos olhos do povo,
era o Alferes Real e Corregedor do Povo de São Miguel, o quarto dos
Sete Povos das Missões e o mais ilustre chefe guerreiro guarani, que
foi assassinado, juntamente com 2500 outros guerreiros, pelos exércitos
espanhóis e portugueses, nos campos de Caiboaté, às margens da Sanga
da Bica em 7 de fevereiro de 1756.

A
região das Missões englobava 33 populosas cidades da República dos
Guaranis. Todas eram comunidades prósperas e muito bem organizadas,
contando com uma população de 6 a 10 mil habitantes. Todo este próspero
panorama sofre drásticas transformações em função das conquistas
das coroas portuguesas e espanholas. O Tratado de Limites, assinado em
13 de janeiro de 1750, em Madri, condenou o povo a abandonar suas casas,
suas terras e suas vidas, dentro de no máximo um ano. Os jesuítas
conseguiram esticar este tempo para 4 anos. Neste momento aparece a
figura histórica e heróica de José Tiarajú. Ele assume a liderança
de um movimento de resistência guarani. Convém esclarecer que o
Tratado de Madri, tinha intenção de resolver os conflitos entre
Portugal e Espanha. Trocava os Sete Povos das Missões que ficaria para
Portugal, pela Colônia de Sacramento, que ficou para a Espanha. Sepé
Tiarajú foi sacrificado para preservar o sistema colonial.
Hoje
vivem no Brasil, cerca de 345 mil índios (números da FUNAI), distribuídos
entre 215 sociedades indígenas, que perfazem 0,2% da população
brasileira.

A
LENDA

Com
as rédeas frouxas, Sepé Tiarajú deixava que seu corcel fogoso alcançasse,
uma a uma, as coxilhas que delimitavam o horizonte, como um ímã que o
atraísse para o infinito.
Em
seu olhar severo e penetrante transparecia a inteligência e a astúcia
de que aquele jovem guerreiro era dotado. No peito largo e musculoso se
retratava a força taurina de que também era possuidor. Forte e astuto,
manejava com destreza as armas do leão e da raposa, saindo-se sempre
vitorioso em todos os empreendimentos em que se metia com sua gente.
Abraçando
a doutrina cristã, que lhe fora ensinada pelos jesuítas fundadores dos
Sete Povos das Missões, foi Sepé Tiarajú o mais ardoroso defensor da
obra destes missionários. Na defesa dos seus mestres nunca poupou
sacrifícios, pois sabia que, defendendo-os, resguardava os interesses
de sua tribo.

Ficou
decidido pelo Tratado de Madri, que a Espanha trocaria com Portugal sua
possessão conhecida por Sete Povos das Missões pela Colônia do
Sacramento. Milhares de índios guaranis, catequizados e civilizados
pelos jesuítas espanhóis, habitavam as Missões. Mas, conforme regia o
tratado os habitantes das Missões deveriam deixar suas terras e
mudar-se para o território pertencente aos espanhóis. Acontece que o
prazo da mudança era muito curto e, os índios descontentes, não iriam
ter tempo suficiente para realizar tal feito. Os jesuítas interferiram
e obtêm um prazo maior.
Assim
que Sepé soube, que a região em que campeava trocaria de bandeira,
resolveu, sugestionado pelos religiosos, defender com o máximo ardor
aquelas terras, barrando com heroísmo a entrada de intrusos nos pagos
dos seus antepassados. Confiado na fortaleza das quatro peças de
artilharia que confeccionara com cana brava, o índio julgava-se
invencível. E, blasonando valentia, ele irradiava a confiança na
vitória, que aumentava o espírito ofensivo da gente que lhe obedecia.

Sepé
Tiarajú, era um índio jovem, muito forte e admirado por todos e possuía
uma namorada chamada Jussara. Certa manhã, ao acordar, ela correu
até Sepé para relatar que tivera um sonho no qual um anjo lhe dissera
que grandes sofrimento estariam por vir.
Um
jesuíta, chamado Padre Balda, ouviu tal conversa e procurou acalmá-los
e fazê-los esquecer o mau presságio. Logo em seguida chega a ordem
para desocuparem as terras e as tropas espanholas e portuguesas
encontravam-se por perto para cumprirem tais ordens.
O jesuíta,
dirigiu-se aos índios, tentando persuadi-los:
-
"De nada adiantará uma revolta, meus filhos. Apenas daremos às tropas
motivo para atacar-nos. Vamos em paz e reconstruiremos nossa cidade e
nossas lavouras."
Sepé
então desculpou-se com o jesuíta, mas continuaria a oferecer
defensiva. Não permitiria que seu povo entregassem aos portugueses o
fruto de tantos anos de trabalho. No dia seguinte reuniu seus guerreiros
e partiu a cavalo ao encontro do inimigo.
Jussara
desesperou-lhe, mas nada mais poderia ser feito.

No
acampamento português, Sepé foi feito prisioneiro e arrastado à
presença do general lusitano. Mandaram o bravo índio beijar a mão do
general e ele recusou-se:
-
Ninguém me obrigará a beijar a mão de outro homem. Depois sou eu o
dono destas terra que tentam tomar.
O
general português riu-se:
-
"Você é apenas um pobre bárbaro, mais nada."
Os
olhos de Sepé estavam incendiados de raiva quando respondeu:
-
"Bárbaro? Tu é que pretendes arrancar a terra de seu dono e eu luto em
defesa de meu povo. Quem é afinal, o bárbaro aqui?"
Quando
o general percebeu que não conseguiria nada por mal, resolveu mudar de
tática e fingiu-se de amigo tentando obter a informação de onde
estavam escondidos os cavalos de seus guerreiros para que pudesse
apossar-se deles e deixar o inimigo sem meio de ataque. Nem uma palavra
foi dita pelo índio, que muito ágil ainda conseguiu escapar.

A
perfídia dos seus inimigos, pusera o coração do índio em reboliço,
ali agora só existia ódio, que extravasava por todas as artérias e
veias.
Ao
retornar às Missões, o povo vibrou de alegria. Sepé revelou o conteúdo
da sua conversa com o general português e admitiu que não tinha no
pensamento a idéia de entregar o seu torrão sem luta. O jesuíta
percebendo a agitação que dominava o índio pediu que ele descansasse,
acreditando que algumas horas de sono abrandasse sua revolta. Sepé
obedeceu, exausto como se encontrava, o ódio cedeu ao sono e ele
adormeceu.

Alguns
dias mais tarde como os índios não tinham deixado as Missões e o
prazo se esgotara, as tropas portuguesas aguardavam a chegada das tropas
espanholas para juntas expulsarem os desobedientes. Mas, depois de algum
tempo chegou um informe notificando-lhes que os espanhóis ainda
demorariam para lá chegar. O chefe português foi então obrigado a
recuar e voltar para permanecerem aquartelados. Quando tal notícia
chegou as Missões, o povo interpretou a retirada do inimigo como uma
derrota e a alegria foi imensa.
Mas,
como tudo que é bom dura pouco, um mês depois um grito ecoou e
transformou imediatamente o ânimo daquela gente:
-
"Vamos ser atacados!"
Chegavam
os portugueses e espanhóis juntos. São Sepé assume a chefia de seu
povo e correm para preparar-se para guerra que se aproximava. Sepé
despede-se de Jussara e parte com seus guerreiros.
Os
índios defenderam-se bravamente. As balas de seus oponentes eram
respondidas com suas flechas. Caem homens dos dois lados. Brancos e índios
confundiam-se no ardor da peleja. Tal coragem frente a tão possantes
armas surpreendiam o inimigo. Mas estes últimos também eram mais
inteligentes e percebem que o coração da batalha era Sepé. Resolvem
então concentrar-se nele. Aos punhados, cercam-no e o acirrado combate
prossegue e Sepé é atingido. Ele agarra-se ao pescoço de seu cavalo
num esforço para não cair. O índio tenta resistir, mas fogem-lhe as
forças. Tudo escurece e seu corpo cai ao solo. Um soldado o persegue,
aponta-lhe a arma e atira.

Sepé
está morto!
Deixou de existir o defensor dos povos das Missões.
A
luta no campo prossegue e um a um os índios caem feridos. A terra
cobre-se de sangue. Entre os milhares de corpos dos indígenas, estão
inúmeros jesuítas, mortos quando tentavam proteger os nativos.
O
manto da noite cobre a cidade abandonada, tornando-a
triste. Há um silêncio de sepulcro pelas ruas e todas as cabanas
parecem bocas fechadas pela morte. Ninguém acreditaria que ali vivera um povo alegre e laborioso.
Tudo
estava terminado.
E
foi assim, que morreu Sepé Tiarajú. Ele não é criação da fantasia
e sim um herói de carne e osso. É o primeiro grito de amor à terra do
Rio Grande.

A
lenda de Sepé Tiarajú é um caso típico de "evhemerização",
isto é, de pessoas que realmente viveram e que, por suas qualidades
consideradas superiores, após a morte foram julgadas santas pelo povo.
Os
gaúchos têm em Sepé Tiarajú, o símbolo da bravura, o exemplo
dignificante dos primeiros povoadores de seu magnífico rincão. É este
índio-santo que com sua bela e trágica história, vem despertar nosso
espírito de liberdade, igualdade e fraternidade.
"Quem
busca sua identidade volta-se para o passado". Neste poema vulcânico,
a América mergulha suas raízes na Terra-Mãe Ameríndia e retira a
seiva elementar que nutre o sonho e a marcha de seus filhos. Este
reprise do passado nos atira no rosto uma realidade fatal: constata-se a
inenarrável violência com que os conquistadores saquearam o nosso
Continente e dizimaram nossos índios. Tudo que foi arrancado a
"ferro e fogo", jamais voltará ao seu povo original (os índios),
pois eles, praticamente não existem mais, estão sepultados pelos
massacres sofridos por Cortez, Pizarro, Raposo Tavares entre outros.
Escravizados pelas bandeiras, devorados pelas minas de ouro ou
exterminados pela peste trazidas pelo homem branco.

Espanhóis
e portugueses, se lançaram à América, com um único intuito: saquear.
Foi através das riquezas retiradas dos indígenas que conseguiram
erguer com esplendor um poderoso Império. O rei da Espanha, Felipe II,
por exemplo, só conseguiu reunir uma "Invencível Armada" com
a qual se atreveu a desafiar o poderio naval da Inglaterra, através do
fluxo de riquezas provenientes do subsolo de Potosi.
Aqui
no extremo sul do Brasil, Sepé Tiarajú é o símbolo da resistência e
do instinto de liberdade de um povo. Ele foi um típico herói
missioneiro que passou para o folclore gaúcho como santo. Depois de 13
anos de sua morte, o poeta Basílio da Gama, escreveu o poema épico da
literatura brasileira, "O Uraguay", intuindo um carisma todo
especial à Sepé, quando descreve sua subida aos céus. Ele foi também,
a fonte de inspiração do escritor Alehy Cheiche que o homenageou em
"Romance dos Sete Povos das Missões". Sua vida e obra
recentemente, materializou-se no filme "A Missão" com a
participação do conhecido ator Robert de Niro.
No
Rio Grande do Sul há um rio e um município com seu nome. Há também,
muitas entidades tradicionalistas que homenageiam este índio-santo e em
Santo Angelo vislumbra-se uma estátua sua no centro da cidade.

Em
1983, as Ruínas de São Miguel Arcanjo foram tombadas pela UNESCO como
Patrimônio Histórico da Humanidade, o único no Rio Grande do Sul.
Hoje as Reduções são pontos turísticos visitados por pessoas do
mundo inteiro. Integram o Circuito Internacional das Missões Jesuíticas,
criado em 1994 e lançado pela UNESCO em 1997, em Havana, como o quarto
Roteiro Turístico em nível mundial.
Eu
tive a sorte de crescer brincado nos mesmos campos onde outrora viveu
Sepé Tiarajú e respirar o ar impregnado de sua história e heróicos
feitos. Sua imponente figura sempre povoou meus sonhos de menina,
enquanto pulava de degrau em degrau as escadarias das Ruínas de São
Miguel.

"ESTA
TERRA TEM DONO..", que este grito de guerra de Sepé Tiarajú
encontre eco em outros brados, outras lutas, agora que nos encaminhamos
para novos tempos. É hora de cultivarmos mais amor pela nossa terra e
nossa gente, para que nossas façanhas possam também serem lembradas e
talvez, quem sabe, servirem de modelo para todo o mundo.
Texto
pesquisado e desenvolvido por
Rosane
Volpatto
Bibliografia;
Cultura cívica Brasileira - Gonçalves Ribeiro
Lendas do Sul - J. Simões Neto
Mitos e Lendas do Rio Grande do Sul - Antonio
Augusto Fagundes
Estórias e Lendas do Rio Grande do Sul - Barbosa
Lessa

 
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