A LENDA DAS SANTAS
PROSTITUTAS (Porto Alegre, São Gabriel e São Borja)

As Santas Prostitutas destas
lendas são as três do Rio Grande do Sul: a Maria Degolada, de Porto Alegre, a
Irmãzinha Guapa, de São Gabriel e Maria do Carmo, de São Borja.
Todas eram muito bonitas e
bondosas para com os pobres e as crianças. Todas tinham como penosa profissão a
prostituição e tiveram morte violenta às mãos de homens fardados, sacrificadas
no altar de sua condição de mulher.
A Maria Degolada (Maria
Francelina) foi comer um churrasco com o cabo de nome Bruno da Brigada Militar,
no morro que hoje tem seu nome (um
morro situado no atual bairro Partenon, defronte ao terreno onde funciona o
Hospital Psiquiátrico São Pedro, na avenida Bento Gonçalves) e ali foi
assassinada com a própria faca do assador.

Posteriormente, o cabo
Bruno foi julgado pela justiça e condenado a 30 anos de reclusão na Casa de
Detenção de Porto Alegre (em fevereiro de 1900),
e veio a
falecer em 16 de setembro de 1906, seis anos depois, de "Nephrite Intestinal".
Maria Francellina foi enterrada
no jazigo nº 741, do Campo Santo da Santa Casa de Misericórdia, em 14 de
novembro de 1899.
A figueira que se encontrava
no local onde Maria morreu (foto acima), foi arrancada por um vendaval em data
desconhecida (supostamente década de 60).
No local, foi construída uma pequena Capela em homenagem à Maria Degolada.
Com a elucidação do caso as populações periféricas de Porto Alegre passaram a
considerar Maria Francelina como uma santa que atendia aos pedidos e orações dos
desafortunados, principalmente após se ter espalhado a notícia de que em uma
sessão espírita realizada nas proximidades do local do crime, havia sido
recebida uma mensagem da moça declarando que não desejava ser lembrada como
“Maria Degolada”, e sim pelo seu verdadeiro nome. Nessa época, já surgira no
alto do morro uma pequena vila, cujos moradores decidiram em reunião que dali em
diante o lugar seria chamado de Maria da Conceição.

Maria Degolada, apesar de ter
sido uma pessoa real, tornou-se um mito através de uma construção coletiva. Sua
importância está demonstrada na grande quantidade de placas de agradecimento e
oferendas que são levadas ao seu túmulo e sua capela e, especialmente, no fato
da maioria dos integrantes da comunidade saberem sobre a história dela. Nesse
sentido, essa Maria além de ser um personagem histórico é um mito fundador da
identidade de uma comunidade.
Além disso, a Maria Degolada foi
assassinada por um representante do poder público: um policial. Essa história
criou um significado que continua presente no imaginário atual da comunidade do
morro que considera-se marginalizada e excluída socialmente. Vários moradores
locais falam com certa indignação em relação à atuação da polícia com sua
comunidade.

A Irmãzinha Guapa era dona de um
bordel e estava se enfeitando para um baile de carnaval diante do espelho quando
foi atingida por um tiro dado na rua através da janela, por um cabo dos
Provisórios, a mando de uma rica estanceira gabrielense, cujo marido era amante
da Guapa.
A Maria do Carmo saia de um baile
em São Borja e foi convidada para beber com um militar do Norte. Como gostava
muito de uma "saideira" e de militares aceitou, para terminar morta e
esquartejada nuns matos rasteiros do potreiro que fica no bairro hoje chamado
"Maria do Carmo". Seus restos foram achados mais tarde por meninos que
procuravam seus cachorros e os foram encontrar rendo os ossos da infeliz
prostituta.
São muito as associações entre as
três: todas eram prostitutas, bonitas, bondosas e todas se chamavam Maria, como
a injustiçada Maria Madalena bíblica. As três tem hoje a cor azul como símbolo e
capela erguida pela mão do povo e onde lhe são feitos pedidos e promessas. A
Maria Degolada tem uma restrição: não atende pedido de Brigadiano (e com toda
razão!), porque foi assassinada por um deles e a Maria do Carmo, ao contrário,
tem uma curiosa predileção por pedido militar, embora tenha sido esquartejada
por um deles. A promessa que as pessoas ricas mais fazem à Maria do Carmo é a de
pintar de azul o seu túmulo.

A religião católica e a maioria
da sociedade condena a prostituição que é a profissão mais antiga do mundo, mas
é bom relembrar que no período romano as Vestais foram sacerdotisas-prostitutas
que participavam de orgias reais para procriar meninos entre os quais se elegia
o rei de Roma. A lei que obrigou as Vestais a se conservarem virgem foi imposta
no século VI a.C. por Tarquinio, o Velho. Assim, as qualidades pelas quais as
mulheres eram consideradas outrora sagradas, agora passaram a ser a razão pela
qual era degradada. O amor passou a ser dissociado do corpo para que os seres
humanos pudessem alcançar união puramente espiritual com Deus.
Maria Madalena, considerada a
antítese da Virgem Maria também foi considerada como "pecadora" e renegada por
Simão, mas tornou-se consorte de Cristo e mantinham um amor sexual. O ato sexual
só foi condenado pelos padres das Igrejas dessa época, que diziam que todo
aquele que buscava o prazer físico era materialista e mal. O maior dos méritos,
então, era negar a natureza humana e abster-se de tudo o que fosse fonte de
prazer.
Para concluir esse texto, devemos
esclarecer que a prostituição é uma profissão que também merece todo nosso
respeito. Por favor, não pensem que estou incentivando ninguém a se prostituir,
mas não serei eu a criticar o modo de vida das pessoas. Possuímos o livre
arbítrio para fazermos o que quisermos com nossas vidas. Entretanto, existem
milhares de mulheres, que são forçadas a aceitar o livre assédio de seus chefes
ou patrões para não perder o emprego, outras são submetidas à trabalhos escravos
ou até mesmo são estupradas pelos próprios maridos ou pelos pais ou padrastos.
Sempre digo: não vamos julgar para não sermos julgados e essas santas
prostitutas são um grande exemplo do que lhes digo!
Todos nós temos direito à um
lugar ao Sol, não sejamos preconceituosos, muito menos discriminadores. Respeite
para ser respeitado!
ROSANE VOLPATTO
 
 

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