O SACI-PERERÊ, O
DUENDE mais popular do BRASIL

Saci é o duende mais popular do Brasil. Sua
lenda ocorre no Sul, no Centro e no Norte do Brasil.
Gozando da faculdade de se transformar, como
todos os personagens elementais, ora é visto sob a forma de um pequeno tapuio,
sozinho ou acompanhado por uma horrível megera, ora como um negrinho unípede, de
barrete vermelho que aparecia aos viajantes extraviados na floresta, mas pode
ainda, aparecer disfarçado de uma ave. Na maioria das lendas Tupis, o Saci é
encontrado na forma de um pássaro. Distingue-se pelo canto,
que consiste em duas sílabas: "sa-cim".
O cântico dos pássaros sempre esteve
ligado ao fato da crença greco-romana dos augúrios que se julgava poder tirar-se
da aparição, do vôo ou do canto das aves.
Quando os Tapuias ouviam o canto do Saci, os velhos o esconjuravam, as crianças procuravam o aconchego
do colo de suas mães, os pais tremem, mas não negam o fumo que espalham pelas
cercas dos quintais, para que o Saci se cale e se retire, levando com que
satisfazer o vício de fumar.
LENDA DA ORIGEM INDÍGENA DO SACI
Um tuixaua tinha dois filhos. O tio odiava
os sobrinhos e convidou-os para ajudá-lo em uma derrubada de árvores para fazer
um plantio. Os dois sobrinhos aceitaram.
Chegando na floresta, o tio embriagou os
jovens e os assassinou por pura maldade.
Depois um dos assassinados perguntou ao
outro:
-"Eu tive um sonho muito estranho e tu o
que sonhaste?"
-"Sonhei, diz o outro, que nos lavávamos
com carajuru".
-"O mesmo sonhei eu".
E resolveram voltar para a casa da avó.
Vendo-os, a velha já ia aquecer o jantar, mas os dois netos disseram:
-"Ah! nossa avó, nós não somos mais gente,
e sim só espíritos. Assim, sendo, nós teremos que te deixar, mas quando ouvires
cantar: Tincauan...Tincauan!...foge para casa. Mas quando cantarmos:
Ti....Ti...Ti...., então nos reconhecerás.
Ficaram os jovens, desde então, mudados em
dois pássaros de agouro, de mistério e de morte. Um é Saci, o outro é o
Matintaperera. Ambos nascidos de uma tragédia, só espalham desgraças e semeiam
pavores.

Impondo-se à crendice
popular como um pássaro possuído pelo demônio, o Saci, adquiriu feições de gente
e à noite vagueava pelas estradas, cantando e assobiando.
Contam que nos tempos coloniais, quando se avistava uma
moça magra, triste, pálida, logo diziam:
- "Isso é obra de Saci", porque, segundo os
velhos colonos, as moças se apaixonavam por ele, sendo a morte a conseqüência
inevitável desta paixão. Daí as quadrinhas consagradas no folclore popular:
"Menina, minha menina,
Quem te fez tão triste assim?
De certo foi Saci
Que flor te fez do seu jardim."
Sua imagem e sua lenda, sofreram transformações quando em
contato com elementos africanos e europeus. Suas características comportaram
muitas variantes. Cada qual o vê a seu modo. De suas diabruras foram narradas
coisas espantosas. Não se têm conta do número de molecagens e sortilégios que o
diabinho infantil praticou. À noite dava nó na crina dos cavalos, roubava os
ninhos das galinhas, cuspia nas panelas quando a cozinheira era preta, deixava
as porteiras abertas, assobiava como o vento nas janelas e nas portas,
etc.
O cavalo era uma das suas vítimas preferidas. Segundo a
crendice popular, o Saci corre as pastagens, lança um cipó no animal escolhido e
nunca errou, trança-lhe a crina para amarrar com ela o estribo e, de um salto,
ei-lo montado. O cavalo toma-se de pânico e deita a corcovear campo a fora,
enquanto o Saci lhe finca o dente no pescoço e chupa seu sangue.
Uma curiosidade em relação ao Saci-Pererê é
que ele pode tornar-se invisível com o uso do sua carapuça vermelha. Contam
alguns, que onde se forma um redemoinho de vento que levanta muito poeira (pé de
vento), é certo que dentro dele há um Saci. Para capturá-lo, deve-se jogar
dentro dele um rosário ou uma peneira. Todo o Saci, como todo o diabinho, tem
horror de cruz. Já outros, afirmam que ele usa um barrete feito de marrequinhas
(flores da corticeira) e é o Saci que governa as moscas importunas, as mutucas e
os mosquitos.
Mas porque nosso Saci tem uma perna só?

O Saci é considerado um fiel representante
de um período social da história do Brasil: a época da escravidão. Portanto, não
é por acaso que o Saci apresenta-se com uma perna só, pois todos os escravos
fugidos que eram recapturados passavam por muitas torturas e muitas vezes eram
esquartejados. O Saci retrata este negro escravo em sua luta contra o dominador
e o discriminador. A falta da perna não é só metáfora, mas sim algo que
realmente acontecia nesta época e passou para o folclore a partir das amas
negras, ao contarem suas estórias para embalar os sonhos das crianças brancas.
Com o passar do tempo, a imagem do Saci
rebelde e desordeiro, foi amenizada, forçosamente controlada e passou então para
estória brasileira como um símbolo nacional, um mestiço que une classes sociais
e as etnias. Mas sabemos que a verdade não é bem essa....!
O valioso livro "Contos Populares" de Lindolfo Gomes,
conta-nos um curioso caso, em que domina o Saci. E, das eruditas notas
explicativas, transcrevemos:
"A respeito do Saci, há uns que afirmam ser um negrinho
de uma banda, ou de uma perna só, gênio em alguns casos benfazejo e protetor e
em outros, perverso e malfazejo, que vaga à noite pelas estradas a perseguir os
viajantes ou penetrar nos lares para praticar toda a sorte de malefícios e
acender seu cachimbo, sempre armado de um cacetinho, pronto a descarregá-lo no
lombo alheio. Já para outros, o Saci é um passarinho cabuloso e maléfico.
Percebe-se logo que este mito saci foi com o decorrer dos tempos se ampliando de
elementos míticos estranhos, como por exemplo, os da Escócia, com os quis,
segundo Ramiz Galvão, muito se assemelha o "Trilby", do conto de Nodier e o
diabrete "Robin", de que nos fala Shaskespeare, ora tão prestativo e ora tão
perverso para com a gente da casa em que se instala."
Há também ainda, quem lhe pinte com feições
mais perversas, descrevendo-o como o "terror dos caçadores", que salta à garupa
dos cavaleiros, chibatando-os e torturando-os.
Foi Monteiro Lobato em seu livro "O Saci",
quem mais popularizou este personagem, como uma entidade travessa. Conta-nos que
ele nascia em um local da floresta conhecida como "sacizeiros", constituída de
bambuzais. Desse local só sairá quando completar 7 anos e viverá até os 77.
Mas mesmo Lobato não conseguiu com sua obra
apagar os traços estigmatizantes do Saci, pois a mentalidade da escravidão ainda
era muito forte. Tais marcas só desaparecem bem mais tarde, quando a indústria
cultural consegue domesticar o Saci e torná-lo tão somente um molequinho
arteiro, que perdeu seus poderes mágicos e sua agressividade.
Serão suas travessura que lhe garantirão
popularidade em todo o País e fora dele também. Conheça um pouco da sua
estória....

O SACI E A PERNA DE PAU
Conta-se que numa noite, há muito tempo atrás, em que
outros homens se divertiam jogando e bebendo, um deles, chamado Felício,
resolveu dar umas voltar e se deliciar com o luar. Sentou-se num grosso tronco
de ipê, a beira do riacho e começou a preparar um "pito". Foi quando ouviu uma
vozinha:
- "Moço, tem um pouco de fumo aí?".
Pensando que fosse um de seus amigos, virou-se p
ara
responder, quando deu com o Saci. Ele lhe sorria segurando um cachimbinho
vazio.
Felício, ficou branco, depois verde, um arco-íris de cores,
tamanho foi seu susto. Quis gritar, mas sua voz sumiu por encanto, ou medo
mesmo. O Saci chegou mais perto e disse:
- "Não tenha medo, meu amigo. Só quero um pouco de
fumo."
Felício faz um esforço danado e tira do bolso um pedaço de
fumo.
- "Aqui está!". Diz ele ao Saci, mal conseguindo balbuciar
as palavras.
- "Assim não serve. Respondeu o diabinho.
"Tem que ser picado, pois não tenho canivete".
Com medo de irritar o Saci, o pobre homem tratou de fazer
rapidinho o que ele lhe pediu. Depois, com muito sacrifício, Felício deu o fumo
ao Saci.
- "Encha o pito!"
- "Agora acenda!". Ordenou ele.
O Saci passou então, a dar baforadas de satisfação.
Passados alguns minutos, o danadinho chegou mais perto e perguntou a Felício o
que estava fazendo tão longe de casa. Felício explicou então que trabalhava com
madeiras e foi contando sua história... No final o Saci deu uma grande risada e
disse:
- "Madeira, não é mesmo? Pois é justamente o que eu estava
procurando..."
- "Mas para que?" Pergunta Felício.
- "Olhe, pois vou lhe confessar uma coisa, as vezes tenho
muita vontade de ser como as outras pessoas e ter duas pernas,
entende?
- "Ah!". Respondeu, compreendendo a intenção do Saci. "Você
quer que eu lhe faça uma perna de pau, não é mesmo?"
- "Pois é isso mesmo e te darei três dias para que esteja
pronta, senão não darei sossego a você e seus companheiros!" Em seguida saiu
pulando e sumiu no meio do mato.
Felício voltou ao seu barracão e contou aos companheiros o
acontecido. Uns acreditaram ,outros acharam que tinha bebido demais.. Até que
Felício acabou esquecendo o caso. No terceiro dia, conforme prometido, quando os
homens estavam em pleno trabalho, eis que um menino de gorro vermelho surgi à
porta do barracão. Quando deram com ele..vocês nem podem imaginar..uns
empurravam os outros, caiam, levantavam-se e acabaram saindo todos pela abertura
da janela. Apenas Felício ficou lá, estarrecido! Daí perguntou:
- "O que você quer?"
- "Ora, ora. Então não sabe? Vim buscar minha perna de pau,
lembra-se? Não vá dizer que ainda não está pronta?"
Felício gaguejou, atrapalhou-se todo até que consegui dizer
que ainda não estava pronta. O Saci xingou, esbravejou, mas acabou indo embora
com a promessa que tudo estaria pronto dentro de mais três dias.
Felício saiu atrás dos homens. Gritou um tempão até
conseguir reunir todos. Eles não queriam ficar mais no barracão. Não queriam
nada com o Saci. Ajudar a fazer a perna dele? Nem sonhando! Mas acabaram
concordando, pois era a única maneira de se livrar do diabinho.
Trabalharam com afinco. No dia marcado, o Saci voltou e
ficou muito contente. Todos suspiraram aliviados. Mas pensam que a estória acaba
assim? Que nada! Ele falou que desejava uma perna para cada Saci de sua família.
Não esperou resposta, deu um assobio e logo o barracão ficou cheio de sacis. É
claro que Felício ficou sozinho! Não vendo outra saída, ele concordou em fazer
as pernas de pau, mas ia levar anos. Quis saber então quais os Sacis que iam ser
atendidos primeiro. Aí sim o tumulto foi grande, ninguém queria ser o
último.
Foi quando Felício teve uma idéia. Ele viu uma enorme arca
que haviam trazido para deixar no rancho e mentalmente resolveu a
situação.
Dirigiu-se ao Saci-chefe:
- "O melhor modo de resolver quais serão os primeiros é
este..." Pegou um punhado de feijão e esparramou no fundo da arca. Depois
disse que quem pegasse mais grãos seriam os primeiros. Todos os Sacis
concordaram e mergulharam na arca. Mas Felício havia esquecido do Saci-chefe.
Foi quando então tirou-lhe da mão a perna de pau e atirou-a dentro da arca. O
Saci nem piscou e também se jogou dentro da arca. O Felício então fechou-a.
Chamou os homens e levaram a arca o mais longe possível. Desde então nenhum Saci
apareceu mais por aquelas bandas.

Lendas sobre o Saci são encontradas no
Sul, Centro e Norte do País.
O folclore teceu em torno dessa
personalidade mítica inúmeros recontos.
Saci é um duende cheio de malícia
brejeira, uma eterna criança negra com muitos sonhos de liberdade, que hoje
deixa muitas saudades...
Texto pesquisado e
desenvolvido por
Rosane Volpatto
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