A LENDA DO QUEIXINHO DA MERÊNCIA (Rosário do Sul, relatada por Antonio Augusto Fagundes)

 

No município de Rosário do Sul, na fronteira-oeste do Estado, existe um lugar chamado Touro Passo. Ali, perto do arroio Saicãzinho, vivia um posteiro da família Cruz, em seu rancho, com a mulher e a filha moça chamada Merência, na flor de seus dezesseis, dezessete anos. Linda, bondosa e prendada, a moça Merência era o orgulho da família e o encanto do pago.


Tanto foi que o filho do estancieiro Cruz se apaixonou pela filha do posteiro. O rico estancieiro, contrariado com aquele amor que lhe parecia impossível entre rico e pobre, mandou o moço numas tropas para a Serra e chamou dois de seus capangas, dois degoladores da pior espécie, a ressaca da sangrenta revolução de 1893. Os dois bateram no posto e levaram à força a moça Merência para uns banhados, um matagal carrasquento, onde nem o diabo entrava. Lá, abusaram da moça de tudo que foi jeito e – crime dos crimes! – degolaram a criatura e desmontaram o seu corpo, cortando junta por junta. O seu mimoso queixinho foi morar em cima de uma árvore!


Os pais, os parentes e os amigos bateram os campos e os matos à procura da moça Merência. A autoridade policial foi chamada e ninguém acreditou que ela tivesse fugido para a Serra com o moço estancieiro, boa filha e moça pura como era. Aí, o delegado notou que o cachorrinho de Merência desaparecia todas as tardes e voltava ao rancho bem tarde, uivando tristemente. Então, ele simplesmente chamou os seus ajudantes e no outro dia todos seguiram o animalzinho, que se enfumou mata adentro. Até que finalmente deram com os restos da pobre moça desconjuntada. Recolheram os pedaços num saco e trouxeram para Vila do Rosário, onde foram enterrados piedosamente.
Com o regresso do moço estancieiro que andava tropeando, logo se souberam os motivos do crime e foram identificados os assassinos e o mandante. O moço, coitado, simplesmente enlouqueceu de dor. Mandado para um hospício em Porto Alegre, nunca mais voltou. Era o único filho do estancieiro Cruz, o qual assim também foi castigado pela maldade que tinha ordenado.


Muito mais tarde, um mateiro encontrou o queixinho da Merência na forquilha da árvore. Colocou esse despojo numa caixinha, com toda a reverência, porque sabia que a moça era a pureza em pessoa. Teve então a idéia de fazer um velório especial, ao qual acabaram acudindo muitas pessoas da região. Um pedido foi feito e por milagre de Deus as bênçãos começaram a chover sobre aquela família e aquela casa. Aí, alguém necessitado pediu o queixinho da Merência para velar. Novas bênçãos. Então, todo o mundo passou a disputar o queixinho da Merência para fazer um velório, sempre com o maior respeito, botando na caixa onde repousava o queixinho até libras de ouro! A devoção espalhou-se a tal ponto que, anos mais tarde, o vigário rosariense proibiu o velório do queixinho da Merência, mandando enterrá-lo em definitivo no cemitério da cidade."


Hoje em dia a devoção se faz com a mesma força, mas junto à cruz no meio do mato onde ela foi trucidada e em seu túmulo, no cemitério de Rosário do Sul.

  A Lenda do Queixinho da Merência foi apresentada pela RBS/TV, relatando o amor impossível entre a moça pobre de 16 anos e o filho do estanceiro que acabou brutalmente assassinada à mando do pai do rapaz. Merência acabou virando uma Santa que possui muitos devotos.

Embora o amor seja um sentimento destinado para ser puro e livre de qualquer tipo de discriminação ou preconceito, há pessoas que desconhecem esses valores. Como o Drama de Romeu e Julieta, os dois apaixonados têm como grande obstáculo a pobreza da jovem Merência. O estanceiro jamais permitiria a união de seu filho com alguém que achava não estar à altura da posição de sua família. Daí um fim tão trágico!

"Onde o amor impera, não há desejo de poder; e onde o poder predomina, há falta de amor. Um é a sombra do outro." Carl Jung