PICA-PAU,
O PÁSSARO DA SEGURANÇA

O pica-pau é um pássaro
associado à fertilidade e considerado também, guardião das árvores e
guia dos viajantes. Seus ninhos são símbolos de segurança e proteção.
O Pica-pau, o Bomheckel, o
Picus, com suas mágicas e sonoras bicadas penetra pelas brumas dos
séculos e representa um papel considerável na imaginação de todos os
povos.

O pica-pau de cabeça
vermelha, de asas e cauda negra (Campephilus robustus) golpeia
violentamente com o forte bico os troncos das árvores, fazendo-se ouvir
a considerável distância. Segunda uma lenda guarani é o jurupari das
matas, que bate na árvore para ver se ainda se conserva sã ou se deve
dar lugar a um vegetal mais útil.O pica-pau preto, é dado a feitiçarias.
Quando se prega a entrada do seu ninho com qualquer tábua, voa esta ave
aflita para longe e procura uma certa folha com a qual retorna tocando a
tábua, fazendo com que todos os pregos caiam.

João Ribeiro, em uma de suas obras
eruditas nos conta que:"Diz-se nas terras setentrionais que é indivíduo feliz,
todo aquele que possuir a folha do pica-pau, pois pode abrir todas as portas e
afrontar impune, todas as desgraças."

O que confere a esta lenda um
interesse particular é que já entre os romanos existia uma crença de que o
pica-pau, quando alguém por maldade lhe obstrui a entrada com uma pedra ou
tábua, logo bisca uma certa erva ou folha com a qual pode eliminar o obstáculo.
É de se supor que os romanos, herdaram dos gregas esta lenda, cuja existência
entre estes, atesta uma autor grego, Eliano, no seu livro de anedotas sobre
animais.
O tema das plantas milagrosas e a
magia com que fende o rochedo e abre a caverna, onde jazem ricos tesouros, era o
de todos os povos.
Encontramo-lo entre os árabes, na
sua popular literatura, como nas histórias das "Mil e uma Noites". Com a "saxifraga"
tinha o "sésamo" a propriedade de romper as próprias pedras, análoga a da folha
do pica-pau.
Entre os povos germânicos atribuem
igual força mágica a "Flor Azul". Vergissmeinnicht (Não te esqueças de mim!).
Uma vez, um pastor que levava os
rebanhos pelos fraguedos de Ilsenstein, viu que a rocha se abria misteriosamente
diante dele. Entrou na caverna e lá encontrou uma princesa que lhe encheu os
bolsos de ouro e pedraria. Ao retirar-se com o inopinado tesouro, ouviu uma voz
débil e suplicante, vinda do chão que dizia:
- Não te esqueças de mim!
Não deu atenção à pequena flor que
murmurara timidamente aquelas palavras e ao tentar sair da caverna na avidez de
seus tesouros, a penha, por milagre da flor, se moveu e o sepultou para sempre.
Esta flor não tolera o
esquecimento, conheciam-no os Brahmanes.
Até Alberto Magnus, o grande
mestre de São Tomás de Aquino, o criador do mágico "Jardim de inverno" (Wintergarten),
menciona a maravilhosa folha do pica-pau: "Se quiseres arrebatar cadeias e
grilhões, vai a floresta e observa um ninho de pica-pau; suba na árvore e fecha
a boca do ninho com o que tiveres na mão. Logo a ave, que te espreita, corre por
uma planta que traz e sobrepõe ao estorvo, que desde logo se rompe e cai. Deves
por embaixo da árvore um lençol onde possas olhar a planta ou folha misteriosa,
talismã contra todas as cadeias". O grande teólogo, considera esta tradição
supersticiosa como produto da fantasia judaica. Talvez é que os judeus a
carregassem esta crença que tinha vindo de mais longe, desde as margens do
Ganges.

Este pássaro, também foi chamado
de "Machado de Isthar", a deusa da babilônia da fertilidade, do amor e da
guerra.
A lenda como se vê, é de todos os
povos antigos e atuais, árabes, judeus, gregos, romanos, germânicos e latinos.
Fala-se também, que o Pica-pau
foi um deus destronado por Júpiter e remonta pois o seu prestígio, a uma época
proto-histórica, anterior as civilizações romanas e gregas.
Pois nesta força que reside na
folha do pica-pau, que quebra todas as resistências não se reflete um poder
divino?
A arqueologia encontrou a
existência de uma sociedade pré-itálica e pré-helênica que representa um estado
de cultura micenaica, em que o culto das aves precede o do politeísmo de forma
humana. "Ao Júpiter dos belos tempos da poesia grega, havia precedido o culto do
Picus, de Keleos, do Specht....nomes vários do pica-pau.

J. Rendel Harris, folclorista
inglês, começa o seu ensaio pela inscrição de Creta, abonada por várias fontes
gregas. A inscrição reze assim:
"Aqui jaz morto Picus, que é
também Zeus"
Aos gregos era um escândalo,
vendo nela uma blasfêmia, pois os deuses, sendo imortais, não podiam igualar-se,
o grande Zeus, a um pica-pau. Os poetas gregos atribuiriam a inscrição a
proverbial mendacidade dos Cretenses. A tradição Creta, era entretanto, a de
toda a Grécia e se conservava como uma reminiscência da religião antiga.
Verifica-se ainda na expressão
faceta de um personagem da comédia dos "Pássaros de Aristóteles":
"Antigamente Picus foi Zeus".
Também nas terras itálicas, onde a antiga cultura pelasgica deixou seus
vestígios, encontramos o velho rei Picus, deus e rei do Lácio, do qual se acham
tradições esparsas na "Eneide de Virgílio (VII-170)" ou nas "Metamorfoses de
Ovídio (XVI-320)".
Plutarco nas suas "Questões
Romanas"registra tradições e costumes populares romanos em forma de perguntas e
respostas. Uma delas reza:
- Porque é que os romanos
veneram e honram o pica-pau e não consentem que aquela ave se faça algum dano?
Plutarco responde:
- É porque Picus por
encantamento e bruxaria da esposa foi mudado em ave e sob esta espécie emitiu
oráculos e vaticinios.
"Isso, continua Plutarco, deve
ser uma fábula ou história incrível. Há outro conto que parece melhor e mais
próximo da verdade e é que, quando Rômulo e Remo foram expostos à morte e
amamentados por uma loba, foi visto um pica-pau que lhe trazia algum alimento.
Eis porque é uma ave sagrada".

Podemos concluir, portanto, que
o pica-pau era honrado como um pássaro profeta, porque era a metamorfose do rei
Picus, célebre por seus dons de adivinhação. Guiava os viajantes nas estradas e
voava para caverna de Remo e Rômulo trazendo alimentos e era ainda o pássaro
sagrado de Martes-Ares, deus da guerra.
Entre os índios da América do
Norte, o pica-pau é um pássaro benéfico e acreditam que ele os protegem contra
relâmpagos e tempestades. Essa crença explica o emprego de penas de pica-pau em
alguns rituais. Para os "pawnee", também é símbolo de segurança e fertilidade,
garantindo a perpetuação da espécie.
Carl Jung visualizou neste
pássaro, o símbolo do renascimento, porque fura nas árvores. É a "reentrada na
mãe, figurada por este pássaro socorredor, imagem libertadora do pensamento,
desejo nascido da introversão".
Em algumas regiões, toma o
apelido de "advogado dos moleiros", por seu canto parecer clamar por chuva, que
segundo as crenças populares é o único motivo que lhe leva a desalterar. Várias
lendas explicam o devido motivo.
Na Gironda, conta-se que certa
vez, Deus encarregou os pássaros de cavar os oceanos, rios, lagos e fontes.
Todos se puseram ao trabalho, enquanto que o pica-pau negou-se a cumprir a
tarefa. Deus, para puni-lo pela desobediência, decidiu que só poderia
desalterar-se bebendo da chuva, apanhando-a no ar como pudesse.

Já a lenda de Dinã, conta uma
história diferente. Depois do Dilúvio Universal, quando a terra já encontrava-se
totalmente seca, Deus ordenou aos pássaros que fossem procurar uma gota de
orvalho nas árvores celestes, para preencherem os mares e rios. Todos se
dispuseram a cumprir o ordenado, menos é claro, o pica-pau. Foi condenado pelo
seu descaso às ordens divinas a nunca se desalterar nos regatos e nas fontes e é
por isso que, quando a sede o devora, ele bate desesperadamente nos troncos das
árvores com o bico, na esperança de encontrar neles a gota de orvalho celeste
que se negou de procurar.
Em todas estas lendas e crenças
sobre o pica-pau há algo grandioso e por mais insignificantes que pareçam, se
conservaram entre as distâncias dos séculos, entre diferentes raças e línguas,
na admirável unidade do pensar humano. Quem somos nós para desprezarmos este
cultuado conhecimento? Permita que a herança das almas invada seu coração e voe
com esta sagrada ave que é o pica-pau.

Texto pesquisado e desenvolvido por
Rosane Volpatto


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