O NHANDÚ

No Antigo Egito, a pena da avestruz (ema no Brasil) era símbolo de justiça, eqüidade e verdade. Uma de suas penas ornamentou a cabeça de Maat, deusa da Justiça e da Verdade, que presidia à pesagem da alma, por ocasião do julgamento dos mortos.

Entre os dogões da África, cujo sistema simbólico é lunar e aquático, "a avestruz substitui às vezes as linhas onduladas ou as sucessões dos bastões que simbolizam os caminhos  da água". Nestas representações, o corpo da avestruz é pintado na forma de círculos concêntricos e de bastões.

Já os árabes punham a avestruz em estreita relação com os demônios, que ora tomam a sua forma, ora a usam como montaria.

Para os nossos índios, a ema, da família da avestruz, é o "nhandú" e o vemos representado na cerâmica dos calchaquis, onde aparecem como um dos mais belos ornamentos, em muitas variações.

Quando o tempo está mudando, a ema, nervosa, abre as asas, sacode as penas e corre ao encontro da primeira rajada de vento. Quando já pelos primeiros trovões se desenvolve a tempestade, começa a fugir vertiginosamente de um lado para o outro, descrevendo grandes curvas, movendo seu longo e flexível colo, abrindo o bico e volteando pelo ar de sorte que, agitando diversamente a plumagem e assumindo sucessivamente formas diversas, aparece como um ente fantasmagórico, vagando a meio vôo pelas planícies. Deste modo, é encontrada sua representação na cerâmica calchaqui.

Os calchaquis, uma nação índia das mais inteligentes, antigos senhores da grande parte da Argentina Ocidental, parecem ter feito todas essas observações e tê-las  reproduzido engenhosamente nas suas urnas funerárias. Pode-se dizer, que os desenhos são fiéis reproduções dos costumes da ema, ora agitando as asas, ora enfunando a plumagem, ora virando a cabeça, dançando, imitando um grande novelo a correr, como se quisesse reproduzir uma nuvem voando.

O índios brasileiros bororós deram-lhe um lugar entre os astros, pois o Cruzeiro do Sul, não é outro do que o nhandú e as estrelas em redor são os cães que a perseguem.

Os guaranis e outras tribos extintas, diz Lozano (Conquista I, pág 428), adornavam seu sepulcros com plumas de ema. Fincavam no solo compridas lanças revestidas de um círculo de penas de ema para, pela rapidez do seu movimento, espantar os cavalos do inimigo. Ao pé das lanças, assentavam-se seus respectivos donos e encostadas às suas costas as índias. A frente de todos apresentava-se o feiticeiro com uma faca na mão, que movia com pressa, à maneira de quem está picando carne. Ao mesmo tempo, entoava sua monótona cantiga, acompanhada de todos os índios e índias.

Passada meia hora, começava o indivíduo a suspirar e a queixar-se altamente, torcendo-se, fazendo esgares ao compasso do canto dos demais, que não cessa até que, dando um sinal de formidável alarido, calam-se todos e se levantam.

O morubixaba que está à direita do feiticeiro, sem olhar-lhe o rosto, pergunta o que precisa saber. O feiticeiro lhe responde e todos o acreditam, persuadidos que é o anhangá gualicho em corpo e alma que, introduzido na sua pessoa, fala com sua boca.

Feita a consultação, oferecem ao adivinho um ovo um ovo cru de ema e água. Ele bebe a água e come o ovo. Oferecem-lhe em seguida, tabaco e ele o fuma. É com tais presentes que regalam o anhangá.

O feiticeiro então, simula  fortes vômitos, é o anhangá que depois de ter-se regalado com o ovo de avestruz e o fumo do tabaco, desprende-se e sai solenemente do corpo do feiticeiro, mo meio do regozijo e algazarra do povo reunido que, a gritos e atirando fogo ao ar, o saúda.

Os índios tupinambás cingiam os rins com penas de ema, afim de imitá-la na guerra contra seus inimigos. Pois a ema, quando se sente forte, volta-se contra o seu perseguidor e, quando se sente fraca, levanta as penas e atira com os pés areia e pedras contra o seu inimigo.

Os Abipones, perfuravam em muitos lugares a pele para lá introduzir penas de ema. Aos vê-los assim emplumados pelo corpo todo, dir-se-ia que pretendiam elevar-se ao ar.

As festas que celebravam uns indígenas de Catamarca e outras regiões vizinhas aos Andes, precedia uma grande caça, cujo resultado, como lebres, guanacos, pumas e aves diversas sacrificavam em torno de uma algarrobeira, árvore sagrada, apresentando-lhe as cabeças das vítimas. A ema, que chamam também de "suri" (no quichua) era o único animal que respeitavam, excetuando-se da caça e do sacrifício.

Um indício de ter sorte é achar um ovo "guacho"de ema. No rio grande, não se faz necessário explicar o que é um animal guacho. "Guacho", diz-se de um animal que não tem mãe, precisando-a ainda para o seu desenvolvimento. Para designarem um ovo abandonado usam o mesmo nome.

A ema põe os primeiros ovos em qualquer lugar do campo, para depois formar o ninho. O cavaleiro que encontra no campo um ovo guacho, apeia-se, recolhe-o e o leva para casa, extrai o conteúdo e conserva-o em lugar seguro. Ele terá muita sorte em casa.

Tem o nosso nhandú ainda um representante no mundo imaginário do Paraguai e Missões, originalmente povoadas por guaranis. É roxo, de fogo. Nos cerros e outros lugares levanta a cabeça sacudindo as asas. Chamam-no nhandú-tatá (avestruz de fogo) ou nhandú puitá, guarda e ministro dos tesouros naturais, ou se não estão escondidos, esconde-os no solo entre penhascos.

Mito este em que se transforma a mente vulgar certa classe de fenômenos ígneos, produzidos por processos químicos, que devem-se atribuir a causas psíquicas acidentais próprias de certas paragens.

Parece quase que o nosso boitatá não é senão o nhandú-tatú dos argentinos. O boitatá, para uns é só fogo factuo como para Anchieta, que o deriva do termo tupi mba-tatá, que significa coisa fogo. A outros o derivam de mboi-tatá, é uma cobra de fogo e em algumas regiões do Brasil, aparece como gênio protetor dos campos contra incendiários. Outros escritores opinam, que a serpente de fogo é quem protege os bosques. Ao erudito autor de Granada parece algo retórica a origem serpentina, não podendo compreender como uma víbora, morta nas chamas de um bosque incendiado, pode ser precisamente o poder vingativo das árvores destruídas, como querem alguns autores mencionados.

Texto pesquisado e desenvolvido por

Rosane Volpatto

Bibliografia:

Moronguêtá -Nunes PereirA

O Simbolismo Animal - Jean-Paul Ronecker