O MONSTRO LABATUT

O Labatut é um
monstro que apresenta origem européia ao qual foi acrescentado
elementos indígenas. A princípio, Labatut adquiriu seu caráter de
malvado como herança da imagem que ficou na lembrança do povo sobre
a atuação do general Pedro LABATUT,
que esteve no Ceará, de junho de
1832 a abril de 1833, reprimindo a insurreição de Joaquim Pinto
Madeira. Dizia-se que esse general era extremamente violento e muito
cruel. Fuzilou muitos negros, surrou muitas pretas, e em virtude de
incontrolável crueldade acabou revoltando até o exército.
A sua forma monstruosa foi
acrescentada pelo imaginário indígena que era fértil na composição
de monstros animalescos.

LABATUT (segundo José Martins de
Vasconcelos)
Era noite e a cidade dormia
pacificamente em seu habitual conchego sertanejo.
-"Cala esse assobio, menino!",
gritava minha mãe, aturdida com o meu assobiar.
Era a hora em que todos em casa
descansavam da labuta e dormiam placidamente.
-"Cala esse assobio menino! Não
ouves??"
-"O que?" - indaguei, curioso e
insistente, procurando descobrir naquilo alguma piegueci para
zombar...
-"Então não ouves o tropel de
Labatut? Escuta...ele vem na ventania que já se aproxima rugindo! O
vento geme longe... ele vem...Ao sair da lua entrará na cidade como
um cão danado, devorando tudo que encontrar: homens, mulheres e
meninos!...Ai do que cair nas suas mãos, porque jamais verá os seus
queridos entes: irá dormir eternamente nas suas entranhas
insaciáveis, cheias de fogo!"
-"E o que é Labatut, mamãe?" -
perguntei, agora mais trêmulo e assustado que zombeteiro, crendo ver
ali uma monstruosidade do outro mundo, coisa tida para mim "in illo
tempore", como caverna incomensurável cheia de bichos descomunais,
ferozes, e tudo isso, misturado com tais almas penadas que me faziam
tremer, ouvindo-lhes as estórias fantásticas e macabras!
-"Fala baixo!...Queres morrer
engolido? Labatut ouve de longe! Ele traz a ventania para ninguém
ouvir-lhe a bulha dos passos pesados e retinentes, e para mais
facilmente abocanhar a presa!"
E eu, engolindo um grito prestes
a explodir, engasguei-me alguns segundos, tendo os olhos
esbugalhados, luzindo na escuridão do quarto, como se alguém me
comprimisse a garganta, fazendo-me extertorar, fustigando-me,
impiedosamente! Afinal, estourei, balbuciando surdamente:
-"Mas quem é Labatut?
Diga...Tenho medo!"
E, minha mãe, sibilando por
entre os dentes uma resposta arranjada a jeito, prosseguia:
“Labatut
é um bicho pior que o Lobisomem, pior que a Burrinha, pior que a
Caipora e mais terrível que o Cão-Coxo. Ele mora, como dizem os
velhos, no fim do mundo, e todas as noites percorre as cidades, para
saciar a fome, porque ele vive eternamente esfaimado. Anda a pé; os
pés são redondos, as mãos compridas, os cabelos longos e assanhados,
corpo cabeludo, como o porco espinho, só tem um olho na testa como
os cíclopes da fábula e os dentes são como as presas do elefante!. Ele gosta muito mais de
meninos, porque são menos duros que os adultos! Ao sair da lua, ele,
que anda ligeiro, entrará pelas ruas num trote estugada, pairando às
portas para ouvir quem fala, quem canta, quem assobia e quem
ressonar alto e zás! Devorar!...Os cães dão sinal, latindo-lhe
atrás!”.

SIMBOLISMO DA LENDA
A
crueldade e brutalidade humana está personificada na lenda sob a
forma de Labatut. Os animais não são cruéis, pois vivem
instintivamente e só matam ou devoram quando são ameaçados ou estão
com fome. A imagem animalesca de Labatut refletem a idéia que o
homem faz de si próprio, isto é, ele projeta nos animais seus ódios,
seus desejos, seus temores...
O
animal é a realidade, enquanto que o homem para fugir dela, criou um
mundo imaginário. Os monstros criados pela imaginação fértil do
homem simbolizam as dificuldades a vencer ou os obstáculos a
ultrapassar. O monstro é a imagem do "Eu inconsciente", que é
necessário vencer, para desenvolver o "Eu individualizado".
Encontramos exatamente essa mesma noção no monstro do pesadelo, o
qual personifica o medo ou o perigo. O sonhador deve enfrentar esse
monstro noturno, porque, do contrário, ressurgirá cedo ou tarde em
outro sonho. Dominar o medo já é vencer o monstro!
Texto pesquisado e desenvolvido por
ROSANE VOLPATTO

Bibliografia:
Histórias
do Sertão, 1918, Rio Grande do Norte, de Martins Vasconcelos
Estórias e Lendas do Norte e
Nordeste - Paulo Dantas
Simbolismo Animal - Jean Paul
Ronecker
 
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