O HOMEM QUE FEZ OS HOMENS

Em tempos muito antigos os índios eram muito numerosos, mas com o aparecimento das doenças, deixaram de sê-lo. Poucos foram os que sobreviveram: algumas crianças, a mãe das crianças e o pai delas.

Havia, portanto, poucos indivíduos no mundo e os poucos sobreviventes começaram a se sentirem tristes com tanta solidão.

As crianças então pediram ao seu pai:

-"Pai, o senhor entende de tantas coisas misteriosas e mágicas. Crie novamente índios, para que possam viver conosco na Terra".

E, o pai disse:

-"Pois bem, que seja. Agora vão e construa casas para os homens."

As crianças foram e, logo mais, ergueram casas para os novos homens. Cotaram grandes galhos bifurcados e troncos delgados. Fincaram no chão os galhos bifurcados, teceram a estrutura para as casas e cobriram as casas redondas, em uso entre os Kaiapós. Construíram as casas somente por ordem do pai, apesar de ainda não existirem as pessoas para nelas morar.

Na noite seguinte, quando todos dormiam, o pai entoou um canto mágico, a fim de concretizar seus propósitos. Também preparou um meio mágico, com o poder de criar corpos humanos. Enquanto fazia isto, entoava um potente canto mágico. Ao raiar do dia, chamou as crianças e lhes falou:

-"Acordem e vejam o que fiz!".

Elas levantaram depressa e correram para o lugar onde, na véspera, havia erguido as choças. E lá encontraram gente. No silêncio da madrugada ouviram ruídos humanos passando pelas paredes das choças, como o choro de criança, o canto da mulher, embalando o filho, bem como o roncar dos que dormiam.

As crianças do homem que logrou isso correram de volta para o pai e contaram o que ouviram:

-"Pai!, chamaram, "de verdade, os índios ressuscitaram."

O pai foi acordar os poucos sobreviventes, para que fossem lá olhar o que acontecera. As crianças, a mulher e o cunhado, todos correram para as choças; de fato, havia gente nova. E eram muitos os que vieram. Mas eram diferentes daqueles que havia antigamente; era uma gente nova, proveniente das profundezas da Terra. E os poucos que tinham restado de outrora na na superfície da terra disseram:

"Vamos ver de perto essa gente nova!".

Queriam saber os nomes daquelas pessoas e perguntaram-lhes. Entretanto, todos aqueles que foram questionados por seus nomes, olhavam para o chão e ficavam devendo a resposta. Aí, um dos homens de outrora perguntou a um dos novos, não por seu nome, mas pelo nome de um outro homem novo, dizendo:

-"Como ele se chama?"

Solícito e pronto, o homem novo deu o nome do outro. Dessa maneira continuaram então a perguntar e chegaram a saber todos os nomes da gente nova.

 

O mito do homem que fez os homens, conta-nos que, em uma era bem primitiva, os índios já eram muito numerosos. Porém, a seguir surgiu uma epidemia que teria dizimado quase todos. A aldeia ficou praticamente deserta e os poucos sobreviventes sentem-se isolados e impotentes.

Para os índios, persiste no subconsciente o medo de um surto epidêmico. Em sua impotência frente à catástrofe, os índios logo entram em pânico. E, muitas vezes se refugiam nas matas, pois o modo de vida natural é o antídoto e proteção contra as influências externas que causam a doença. É somente quando as condições criadas por doença ou catástrofe se tornam insuportáveis que se resolve abandonar para sempre a aldeia e fundar uma nova. Para tanto, o protótipo mítico está no mito do homem que criou os índios. Esse mito Kaiapó, o único que lembra vagamente um Mito de Criação, exprime toda a esperança acumulada em um novo começo. A instalação de nova aldeia, a limpeza do terreno, a construção das choças, tudo isso reflete as saudades de uma nova vida. Depois, entoa o seu canto mágico, de noite, simbolizando o desespero e o sono de morte da comunidade.

Na manhã seguinte, antes do dia clarear, o pai manda os filhos olhar as choças. De maneira eminentemente expressiva e realista, descreve-se, então, o lento despertar da vida na aldeia, o choro das crianças, o canto das mulheres embalando o filho, e de todos os ruídos de vida despertando, mal abafados pelas finas paredes de folhas.

Segundo o mito, raia um novo dia para a humanidade. Em trunfo, as crianças voltam para o pai, a fim de informá-lo de há movimento nas choças. Ali há novamente seres humanos que surgiram da terra; os índios voltam a ser um povo numeroso e forte, capaz de resolver os seus problemas.

Mesmo hoje, o indígena convive um medo constante do destino, pois somente no seio de uma comunidade maior tem condições de vencer na luta da sobrevivência. Daí provêm o medo da doença, que é grande. Além de doenças mais comuns como resfriados, diarréia, pneumonia, hipertensão, diabetes, depressões, as comunidades indígenas em contato com a sociedade civilizada, já apresentam alto índice de doenças sexualmente transmissíveis.

Antes, o índio morria somente na luta ou quando ficava muito velho e fraco. Com a chegada do homem branco travou-se uma guerra interminável: suas terras, suas minas, suas semeadoras foram saqueadas, profanadas e passadas às mãos de quem não as havia trabalhado. A única estratégia de luta do nosso indígena foi resistir.

Texto pesquisado e desenvolvido por

 

ROSANE VOLPATTO

 

Bibliografia:

Mito e Vida dos Índios Caiapós - Anton Lukesch; Editora da Universidade de São Paulo

Lendas e Mitos da Amazônia - Ararê Marrocos Bezerra; Ana Maria T. de Paula

   

 

 

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