TRADIÇÕES GAÚCHAS

Nada
melhor que as tradições para retemperar a saúde de
nossa alma brasileira"
(Mário de Andrade)
A Província de São Pedro do Rio Grande do
Sul foi a última parte do Brasil a ser colonizada. A razão da vinda tardia dos portugueses,
devia-se por ser esta região inóspita, deserta, massacrada pelo minuano e os
colonizadores não vislumbravam nenhuma riqueza aproveitável. Além disso, a
maioria das terras, pertenciam a Espanha. Somente após o Tratado de Madri
(1750) é que, por exemplo, as Missões jesuíticas dos Setes Povos passaram às
mãos portuguesas.
Motivos estratégicos é que obrigaram os
portugueses a conquistar este espaço, que era chamado de "terra de
ninguém". Eles já tinham fundado em 1737, o Forte Jesus, Maria e José
(atual cidade de Rio Grande), que neste momento expande-se além de suas
muralhas de taipa e, as terras à volta, são ocupadas sob a forma de sesmarias.

Com a chegada dos casais dos Açores, que
iniciou-se a partir de 1748, o Continente de São Pedro é alimentado por um
incremento demográfico. Este povo, habituado às pequenas propriedades das
Ilhas em que anteriormente viviam, recebem enormes extensões de terras.
Adaptando-se ao clima e a topografia, tornam-se estanceiros.
Os açorianos mesclam-se com os castelhanos
andarilhos que por aqui vagueavam sem ocupação certa, mas sabiam tropear, lidar
com o gado, roubar e pelear.
Em 1824 chegaram ao Brasil os alemães e em 1870
os italianos. Com o caldeamento das raças, resultou um tipo
humano ímpar "o gaúcho do campanha".

NEM SEMPRE HERÓI....
O mito gaúcho é recente, sua data mais antiga
é 1617, "mozos perdidos", que viviam inicialmente na proximidade de
Santa Fé, atual Argentina.
Em Buenos Aires eram chamados de "cuatreros
e vagabundos", que roubavam e assolavam o campo. Em 1642, os jesuítas
registraram vagabundos que pilhavam as estâncias das missões. Em 1759, foram
designados de "gaudérios ou gaúchos", estes homens que circulavam
pela Capitânia de Rio Grande de São Pedro. Durante a época das safras eles
conseguiam empregos temporários nas fazendas de criação de gado.

Durante a Revolução Farroupilha, eles perdem
seu termo pejorativo e passam a serem considerados homens dignos, bravos,
patriotas e destemidos. Eles são cultuados, a partir deste momento como
indivíduos irreverentes, guerreiros, ligados as lidas do campo e do gado.

O gaúcho, foi uma figura masculina, que em
meados do século dezenove já era mito. Símbolo dos pampas, no decorrer
da história, torna-se um arquétipo de "Ser Nacional". Era-lhe
atribuídos predicados múltiplos como: hombridade, valentia, espírito de luta
entre outras. Um homem que havia forjado uma forma de vida sob a qual o estigma
da liberdade sinaliza seus passos. Um ser indomável que vivia solitário e
desprendido de qualquer conforto. Foi estilizado e cultuado na literatura como
um "centauro dos pampas"ou "monarca das coxilhas", um
semi-deus que galopava livre distribuindo justiça e generosidade.

Grande parte da ideologia do gaúcho, encontra-se
hoje preservada pelos atuais CTG's, que surgiram no final da década de 40,
frutos de um desejo apaixonado de resgatar as raízes da cultura gaúcha.
Através de suas atividades, reproduzem com orgulho os hábitos do homem do
campo, que colonizou e fez crescer o Estado, mantendo sempre acesa a chama da
história.
Todo o povo gaúcho, sempre exaltou a coragem de seus
ancestrais, canta seu apego à terra e seu grande amor pela liberdade.

ORIGEM DO NOME

A origem da palavra GAÚCHO, tem muitos
segmentos. Segundo alguns autores, o termo provém do guarani e significaria
"homem que canta triste", aludido provavelmente à "cantilena
arrastada dos minuanos".
A maioria dos autores rio-grandenses, no entanto,
diz que seria uma corruptela da palavra Huagchu, de origem quêchua, traduzida
por guacho, que significa órfão e designaria os filhos de índia com branco
português ou espanhol.

O CAVALO EM CENA
O folclore do Rio Grande, dignifica a magnitude
da alma do povo gaúcho, legendário na história e amante fiel do seu bravo
companheiro: o cavalo.
Não se concebe um gaúcho sem seu cavalo. A
galope, este cavaleiro é o rei dos pampas. Foi através de seus trópeis e cavalgadas que se
completou a integração da região rio-grandense no século dezenove.

No campo vislumbrava-se este herói alado com seu
pala esvoaçante ao sabor do vento minuano. Em suas veias correm todos os
sangues: índio, português e levemente negro. Assim era o jovial habitante dos
pampas. Ao seu lado, uma linda prenda.

A DOMA

Este cavaleiro indomável é exímio domador. A
doma é a parte mais empolgante dos rodeios, o maior atrativo das festas dos
Centros Tradicionalistas do Rio Grande do Sul.
Neste evento, o peão cavalga sem arreios, em
pêlo. Homem e cavalo tentam uma aproximação. O animal corcoveia, pinoteia em
uma luta feroz corpo a corpo. O peão insiste em domar o cavalo. O cavaleiro
pode acabar beijando o chão ou o cavalo sossega domado. Todo este feito é
acompanhado pelo aplauso e delírio de uma grande assistência.

Uma doma festiva é bonita de se ver! É regada a
gaita de fole, pessoas pilchadas, muitos cânticos e poesia. Pode-se ouvir:
"Vou
me embora , vou me embora
Prenda
minha, tenho muito o que fazer
Vou
partir para rodeio, prenda minha
no
campo do bem querer.
No
potreiro dos teus olhos, prenda minha
Eu
prendi meu coração
Ficou
preso e mui bem preso, prenda minha
Este
potro redomão".

OS
COSTUMES DO GAÚCHO

"Gaúcho, forte e ágil, sua arma é o laço,
que atado a cincha do lombilho, o braço campeiro, boleia e arremessa com vigor
o seu potente laço. Simples e ingênuo, desfaz as sugestões de desprezo,
porque a liberdade é a mais alta afirmativa da natureza humana".
Os hábitos
do gaúcho são em geral ligados à vida no campo. Os mais conhecidos são:
É ágil no uso do laço – o gaúcho sabe laçar
um cavalo ou um boi usando o laço, feito de couro trançado.

Ser
condutor de gado, ou seja, tropeiro - normalmente esse trabalho é realizado por
um peão tanto de dia como à noite, faça sol ou faça chuva, esteja
nevando ou soprando o minuano.
Fazer
do cavalo um companheiro – o gaúcho procura nunca se separar do cavalo,
animal introduzido, no nosso rincão gaúcho, através das Missões, pelos
padres jesuítas. O cavalo é chamado pelo gaúcho de pingo. O Rio Grande do Sul
tem manadas de grande beleza: os baios, os alazões, os pangaré e tantas outras
pelagens.
Seu
alimento predileto é o churrasco e o arroz de carreteiro.
Sua
bebida preferida é o chimarrão.

A
ALEGRIA NO PALCO GAÚCHO

As
danças gaúchas são a legítima expressão de sua alma. Em todas elas vê-se o
espírito de fidalgia e o respeito a figura feminina, que sempre caracterizou o
campesino rio-grandense. Todas também dão margem para ele extravasar a sua
criativa teatralidade.
As
danças folclóricas gaúchas, possuem uma peculiaridade, são sempre
evolucionadas aos pares. Este fato encontra justificativa na formação
histórica do povo gaúcho, uma sociedade que só se firmou e deitou raízes
nesta terra através da participação atuante da mulher. Ela jamais foi reclusa
como as mulheres das Casas Grandes, dos engenhos do Nordeste.
As
danças dos pares entrelaçados faz muito sucesso.

A
mais típica representação tradicional do Rio Grande do Sul, no campo das danças,
é o velho "fandango".
As
danças folclóricas são: Pezinho; Balaio; Chula; Xote; Boilaneira; Canaverde;
Anu; Maçanico; Tatu com Volta Romeiro; Tirana do Lenço; Rancheira de
Carreinha e a Chimarrita.
As
Danças de Salão são: Valsa; Vaneira; Vaneirão; Xote; Milonga; Bugio; Rancheira e Chamamé.
INDUMENTÁRIA
GAÚCHA

A
partir de 1865 definiu-se a indumentária do gaúcho atual.
Vestuário
característico masculino:
Chapéu
de couro ou de feltro de abas largas preso pelo barbicacho, o poncho sobre os
ombros, o lenço geralmente de cores vivas, de nó corrediço. Uma camisa de lã
ou de pano grosso. Na cintura, a "guaiaca", cinto largo onde traz a
faca e a garrucha no coldre. As bombachas, calças largas apertadas no
tornozelo, as botas com "chilenas" (esporas de rosetas grandes) e
finalmente ao pulso a presilha do rebenque da várias tiras, não esquecendo do
laço de couro de burro. Está ele pronto nos pampas para enfrentar.

O
Lenço
Usado
ao pescoço, pode ser de diversas cores, sendo a branca e a vermelha as mais
comuns. No passado, tiveram conotações políticas: o vermelho republicano
(1835), maragato ou federalista (1893), maragato ou libertador (1923); a branca
pica-pau (1893) e chimango (1923). O preto somente é usado em sinal de
luto.
O
lenço é amarrado por nós, sendo que há mais de dez modelos diferentes.
Alguns exemplos: nó-de-rodeio, "Assis Brasil",
"farroupilha", nó-de-domador, "namorador", cabeça-de-touro
e "rapadura".
Vestuário
característico feminino:
De
1820 a 1870 a mulher gaúcha usou vestido de seda ou veludo, botinhas fechadas,
travessa nos cabelos, leque, meias brancas e xale. Era a influência européia.
A
mulher campesiana usava uma saia e um casaquinho, meias, cabelos soltos ou trançados,
sapatos fechados e ao pescoço um pequeno triângulo de seda, chamado Fichu.

A
partir de 1870 até os tempos de hoje, a prenda usa vestido de chita sem muitos
babados, meia branca, sapatilhas pretas sem salto alto, bombachinha, flor ou
fita no cabelo e sem muitas jóias e maquiagem. A prenda conserva a simplicidade
da mulher gaúcha, sem afetar a beleza de um ser de padrões morais superiores.

SEMANA
FARROUPILHA
À meia-noite do dia 7 de setembro de 1947 nasceu
a chama crioula, iniciativa deste grupo de estudantes para homenagear os
soldados mortos na Revolução Farroupilha e na Segunda Guerra Mundial. A
chama crioula que acabava de nascer significava a liberdade e a confraternização
entre os povos do mundo.
No dia 11 de dezembro de 1964, através da Lei
4.850, a Assembléia Estadual do Estado do Rio Grande do Sul, oficializou a
ronda gaúcha, com o nome de Semana Farroupilha. O período de comemoração
passou a ser de uma semana, do dia 14 à 20 de setembro.
Em 1996 , através de lei federal, o dia 20 de
setembro foi oficializado o dia do gaúcho ou dia da liberdade, no qual são
homenageados os heróis da Revolução Farroupilha.
Na Semana Farroupilha é intensa a programação
dos CTG’s no Brasil e em outros países. No dia 14 de Setembro a chama crioula
chega na maioria dos 2500 CTG’s espalhados por todo o Brasil.

A chama vai ao Parque da Harmonia, no centro de
Porto Alegre, onde ficam acampados centenas de CTG’s, durante a Semana
Farroupilha. A chama crioula vai também ao Palácio Piratini, sede do governo
do Estado. O próprio governador acende o candeeiro com a chama crioula, a qual
ficará guarnecida por soldados da Brigada Militar até o dia 20 de Setembro.
Durante a Semana Farroupilha são
realizados estudos, palestras, atividades campeiras, culturais e também grandes
bailes gauchescos.
O Rio Grande do Sul, sob a magia e o encanto de
suas belas paisagens, nos oferece um riquíssimo folclore. Tão grande acervo
brotou da convivência do homem do campo às margens da fronteira, mesclado com
as raças do litoral, comungado com a farta dádiva da natureza criadora.
O folclore gaúcho é seiva da hospitalidade do
povo rio-grandense, onde germinam usos e costumes espontâneos.
O folclore gaúcho tem o gosto marcante do
chimarrão, a alegria contagiante dos fandangos e o olhar matreiro do Cruzeiro
do Sul.

Texto pesquisado e
desenvolvido por
ROSANE VOLPATTO

ORAÇÃO DO GAÚCHO
D. Luiz Felipe de Nadal, bispo de Uruguaiana
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e com licença do Patrão
Celestial. Vou chegando, enquanto cevo o amargo de minhas confidências, porque
ao romper da madrugada e ao descambar do sol, preciso camperear por outras
invernadas e repontar do Céu, a força e a coragem para o entrevero do dia que
passa.
Eu bem sei que qualquer guasca, bem pilchado, de faca, rebenque e esporas, não
se afirma nos arreios da vida, se não se estriba na proteção do Céu. Ouve,
Patrão Celeste, a oração que te faço ao romper da madrugada e ao descambar
do Sol: "Tomara que todo o mundo seja como irmão ! Ajuda-me a perdoar as
afrontar e não fazer aos outros o que não quero para mim".
Perdoa-me, Senhor, porque rengueando pelas canhadas da fraqueza humana, de
quando em vez, quase sem querer, eu me solto porteira a fora... Êta potrilho
chucro, renegado e caborteiro... mas eu te garanto, meu Senhor, quero ser bom e
direito ! Ajuda-me, Virgem Maria, Primeira Prenda do Céu. Socorre-me, São
Pedro, Capataz da Estância Gaúcha. Pra fim de conversa, vou dizer meu Deus,
mas somente para ti, que tua vontade leva a minha de cabresto pra todo o sempre
e até a querência do Céu.
Amém.

Bibliografia consultada
Gaúcho - Vestuário Tradicionalista e
Costumes
Véra Stedile Zattera -
1996 - 2a edição.
Indumentária Gáucha. Antônio Augusto
Fagundes Poa- 1985
CÉSAR, Guilhermino. Raízes históricas do
Rio Grande do Sul. In: Rio Grande do Sul - Terra e povo. Porto Alegre: Globo,
1964.
JUNG, Carl G. O homem e seus símbolos. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
LIMA, Alcides. História popular do Rio
Grande. Rio de Janeiro: G. Leuzinger & Filhos, 1882.
VELLINHO, Moisés. Formação histórica do gaúcho
rio-grandense. In Rio Grande do Sul - Terra e povo. Porto Alegre: Globo, 1964.
ORNELLAS, Manoelito de. As origens remotas do
gaúcho. In: Rio Grande do Sul - Terra e povo. Porto Alegre: Globo, 1964.
TEIXEIRA, Múcio. Os gaúchos. Rio de Janeiro:
Leite Ribeiro & Maurílio, 1920.
Imbelloni, J. [ y otros] , Folklore
argentino, Buenos Aires, Nova, "Humanior", 1959.

 

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