ESFINGE VERDE E AS AMAZONAS

A Amazônia é um mundo à parte, geográfica, botânica e zoológicamente  especial, o que a torna ainda mais sugestiva e misteriosa. Igual a si mesma, oferecendo-nos o encanto e a originalidade de ser a "terra que se transfigura" e que a todo o instante surpreende e desconcerta.

Esfinge do Brasil, com certeza o próprio Édipo não lograsse decifrar seus mistérios. De fato, este grandioso mundo amazônico tem tal poder de fascinação e sedução que é justificado. Considerada como a terra prometida, a Amazônia, também conhecida como o "Inferno Verde" é um templo investido de maravilhosas pompas, um milagre de todas as vontades. Região incompreendida que permite todas as fantasias das imaginações mais exaltadas, das mentes mais fecundas. Constituída de árvores, trevos e borboletas, parasitas e quadrúpedes, samambaias e cobras, vitórias-régias e jacarés, um mundo animado e inanimado, ou seja, apresentando uma fauna e flora que já foi fonte inspiração à pintores, e intelectuais. Neste local, a natureza nos oferece o melhor dos seus espetáculos.

Em "A Margem da História, Euclides da Cunha dita as seguintes palavras:"A Amazônia é talvez a terra mais nova do mundo, consoante conhecidas induções de Wallace e Frederico Hart. Nasceu da última convulsão geogênica que sublevou os Andes e mal ultimou o seu processo evolutivo com as várzeas quaternárias que se estão formando e lhe preponderam na topografia instável".

AS AMAZONAS

Na Lenda Sagrada de Izi, versão do rio Uaupés, segundo Barbosa Rodrigues, era punida com pena de morte, toda a mulher que procurasse ver ou tocar os instrumentos de caça ou usados nos festejos de sua sociedade secreta.

Ora, a curiosidade da mulher é muito grande, e maior se torna quando a coisa é proibida, sendo assim então, muitas mulheres caíram na alçada do prometido castigo. Com o tempo, entretanto, elas ficaram fartas com tanta opressão, até porque, além disso, os homens eram também maus e ingratos, além de tocarem a elas o trabalho estafante da roça. Na guerra, eram as mulheres que conduziam a carga pesada do armamento e no amor eram como inesgotável abelheira, onde aqueles insaciáveis zangões vinham beber a embriagadora volúpia. Resolveram numa reunião, que deveriam revoltarem-se contra tal predomínio e tirania e abandonarem a terra, deixando como recordação somente mechas de seus cabelos longos e e oleosos, que cortaram a golpes de silex e os cadáveres dos pequenos filhos varões. Iriam para longe e os homens jamais voltariam a vê-la.

Depois de muito andar, saltar precipícios, atravessar rios, encontraram, por fim, um recanto do éden, onde múltiplas orquídeas, abriram-se em risos para as estranhas criaturas recém chegadas. Ali deveria ter sido, no começo do mundo, a morada de Iaci, Mãe dos Lagos e Enfermeira dos Corações Doentes. E na Iaci-Taperê (Serra da Lua) se instalaram e construíram seu reino. Mais abaixo havia um belo lago, onde a Lua vaidosa, se olhava docemente. Deram-lhe o nome de Iaci-Uaru (espelho da Lua).

Os homens ao retornarem, refazendo-se da surpresa, mas atordoados com o desapontamento, logo saíram a procura das fugitivas, que vieram a encontrar e os receberam hostilmente. Nada mais conseguiram os homens, então, com seu arrependimento tardio, do que um encontro anual para desatar o fogo dos seus instintos amorosos.

Antes das tais festas do Amor, havia a jornada expiatória ao lago do Espelho da Lua, tão belo quanto misterioso e oculto da profanação dos homens. Reunidas em torno do Lago Sagrado, as Icamiabas, nas noites certas fases lunares, provavelmente na Lua Cheia ou Quarto Crescente celebravam a festa do Iaci, a Lua, a mão querida e temerosa das filhas selvagens e à "Mãe do Muiraquitã", que habitava o fundo da referida lagoa. Subiam então, aos céus, no meio da imensidade do sertão amazônico, através dos cantos, que nenhum o de homem pode ouvir, nem jamais ouvirá.

O óleo balsâmico do umiri e fina essência do molongó alcançavam os ares como uma oblação aromal à deusa das noites serenas, que tece cuidadosamente com seus raios de prata os filtros misteriosos os invisíveis amores e as germinações.

Maceradas de longas vigílias e de flagelações, as filhas de Iaci, caíam em êxtase antes de obter a purificação suprema das águas cristalinas do Espelho da Lua, em cujo fundo se visualizava as pedras verdes.

Quando, as horas mortas, a face da lua refletia bem clara na superfície polida do seu líquido Espelho, então as amazonas mergulhavam na águas e recebiam das mãos da Mãe dos Muiraquitãs as pedras verdes, como penhor da sua consagração, o presente dessas jóias sagradas. Antes de expostas ao ar e à luz do sol, dos quais recebiam a sua dureza e consistência, eram os muiraquitàs como barro e assim tomavam do capricho das amazonas que afeiçoavam à sua guisa, as mais bizarras formas: qual de uma flor, uma rã ou ainda a cabeça de uma fera.

O celebrado Francisco Orellana, primeiro descobridor do Amazonas, relata, que nas cabeceiras do rio Jamundá habitavam estas guerreiras e era de onde retiravam as pedras verdes em diversos feitios, de que se infere com grande evidência ser algum barro ou semelhante, que dentro da água, como o coral, se conserva mole e, com estas características é fácil moldar qualquer figura com elas, mas depois de retiradas da água, ficam tão duras quanto o diamante, não cedendo inclusive ao ferro.

O Muiraquitã é um dos mais curiosos documentos etnográficos do Amazonas. Mostrando-se uma pedra destas a um lapidário, foi classificada como nefrite ou jade, apresentando variadas formas (triedro, poliedro), com linhas acinzentadas. Os índios costumavam trazê-la pendurada ao pescoço como amuleto ao emprestam grandes poderes e misteriosa significação. Durante muitos anos acreditava-se que sua origem era externa por não haver sido encontrada nefrite desta qualidade na América do Sul ou do Norte.

           

Existe uma pedra destas que representava a cabeça de um cavalo e está expostas no célebre museu do Sumo Pontífice Benedito XIV, em Bolonha. Entretanto, acho que este muriaquitã seja uma representação moderna, pois os cavalos só poderiam ter sido vistos a partir de 1600 e devido ao impacto de tal visão foi o suficiente para que um deles fosse gravado em uma peça sagrada. Para os nossos índios, como os astecas os cavalos foram inicialmente identificados como deuses ou demônios, até descobrirem que os mesmos também morriam. Mas, o cavalo foge ao cenário amazônico e deveria estar ausente na constelação dos muriquitãs tradicionais.

Em 1946, o arqueólogo João Barbosa de Faria, em busca de sítios arqueológicos na área de Trombeta-Nhamundá, recolheu uma tradição corrente entre os moradores da localidade de Faro, que poderia justificar a confecção de um muiraquitã moderno, Segundo ele, os índios Uaboí continuaram por algum tempo a fabricar os amuletos da pedra verde, na região Nhamundá, depois que as Amazonas se retiraram para o norte.

A perfuração que permitia que os índios pendurassem o Muiraquitã no pescoço, talvez fosse feita com o auxílio de uma varinha de grelo de pavoca sorororca (Urania Amazônica) e com areia fina e água. Foi encontrado também, pequenas lascas e fragmentos de pedra verde, junto com cacos de cerâmica, muiraquitãs e outras peças, num sítio arqueológico visitada em 1880, nas margens do rio Nhamundá. E, ainda, encontra-se exposto nos Museus de Bonn e Halles, na Alemanha, um grande bloco de nefrite de 5 a 6 quilos, serrado em duas partes, recolhido em 1878, recolhido no "rio Topayos, no Brasil", segundo informava a etiqueta destes museus.

Maurício de Heriarte, Ouvidor Mór do Governador D. Pedro de Melo, da Capitânia do Pará afirma: "até esta província, chegam navios de alto bordo e por este rio dos Tapajós vão quatro jornadas a resgatar madeira, redes, orucús e pedras verdes, que os índios chamam baraquitãs e que o estrangeiro do norte estima muito. Comumente se diz que estas se lavram, a este rio Tapajós, de um barro verde, que se cria debaixo da água e é debaixo dela que se fazem certas contas compridas e redondas, vasos para beber, pássaros, rãs e outras figuras e, tirando-o feito debaixo da água, ao endurece de tal forma o tal barro que fica convertido em duríssima pedra verde". Esta seja a explicação mais plausível para a origem do bloco de jade que foi parar nos museus dos alemães.

O sentido original dos muiraquitãs ficou perdido por volta de 1800.

O estudo sobre as Amazonas nos dão um vestígio do matriarcado que existiu entre os índios desta terra. A existência destas mulheres guerreiras exercendo seu poder sobre os homens é conhecida nas tradições da América, além de apontadas para o Brasil, por relatos incaicos e, no Velho Mundo, por lendas greco-romanas. Estas tradições que busco resgatar em meus estudos, demonstram como Morgan e Engels, tinham razão em defender que o fenômeno do matriarcado era universal.

Um maior conhecimento sobre as Amazonas se faz importante, não tão somente pelo fato de terem existido, mas também porque nos levam a conceber todo o seu poder e sabedoria que nós praticamente esquecemos de utilizá-lo, mas que pode ser a qualquer momento ser reivindicados outra vez.

Quero deixar aqui registrada a minha homenagem a todas as mulheres-índias guerreiras e fortes que já existiram, assim como à aquelas que se encontram entre nós e têm construído a nossa grandiosa e fascinante História.

AS AMAZONAS HOJE

O arquétipo guerreiro das Amazonas, está gravado na cultura moderna sob vários aspectos e é fonte de inquietude e fascinação para os homens e inspiração para as mulheres.

Hollywodd e os produtores de filmes para a TV, com seu sexto sentido para arquétipos emergentes, foram recentemente atraídos pela poderosa e fascinante imagem da Amazona, criando à sua semelhança, Xena, a Princesa Guerreira, que foi um total sucesso. Nesta série, as mulheres também vivem, lutam e morrem com grande paixão, defendendo com "unhas e dentes" sua nação.

Nós mulheres, há bem pouco tempo renascemos através da emancipação, que nos permitiu o domínio de nós mesmas. Hoje, nos lançamos em um mundo tradicionalmente patriarcal, onde as profissões eram inicialmente restritas ao sexo masculino. Mas, as mulheres-guerreiras da atualidade, são igualmente capazes de exercer liderança criativa e de demonstrar capacidade de decisão em todos os escalões da pirâmide de poder estabelecida anteriormente somente para homens.

A Amazona contemporânea é bem instruída e determinada e é acompanhada pelo bom senso e pela ordem. Tais virtudes são forças poderosas e esta mulher com certeza, será considerada em qualquer setor que escolher ingressar.

TERRA BRASIL

"Agarrado ao teu corpo

Sinto que estou amarrado

Nas tuas tranças lúbricas de Sol.

Sinto que estou crucificado

Pelos cipós em flor que crescem em torno de nós.

 

Beijo-te a boca e encontro nela

O sabor tropical de um fruto úmido doce

O teu cheiro me instiga a volúpia do olfato.

Os teus olhos azuis,

São mais azuis que todas as trapoeiradas

Que nascem dentro do mato."

Cassiano Ricardo.

 

Texto pesquisado e desenvolvido por

 

Rosane Volpatto