GUARANI, OS FILHOS DO VENTO
"Singular e assombroso o destino de um povo
como os Guarani!
Marginalizados e periféricos, nos obrigam a pensar sem fronteiras
Tidos como parcialidades, desafiam a totalidade do sistema.
Reduzidos, reclamam cada dia espaços de liberdade sem limites
Pequenos, exigem ser pensados com grandeza.
São aqueles primitivos cujo centro de gravitação já está no futuro.
Minorias, que estão presentes na maior parte do mundo."
(Bartomeu Meliá)
Guarani
quer dizer: guerreiro indomável, filho de "Curupi"
com Céa-Yari, povo livre com tempestade, que se
espalha irregularmente pela vasta planície das
várzeas lamacentas dos três grandes rios do
Prata (o Paraná, o Paraguai e o Uruguai),
atingindo quase toda a Bolívia e grande parte da
Argentina até as mesetas da Patagônia.
Com
o objetivo de reivindicar o que se supõe deveria ser na história o verdadeiro
sentido da civilização guarani, surgiu, entre alguns escritores, uma corrente
que inaugurou uma série de discussões polêmicas.
Uma
destas correntes, entende que pertence ao patrimônio histórico da raça
guarani a invejável civilização dos astecas do México e dos Incas do Peru e
que todo esse monumento de glórias, criminosa e miseravelmente destruído
pelos espanhóis, foi roubado a essa família indígena.
Obedecendo esta ordem de idéias, concebe ela que os guaranis chegaram a
fundar, nos demais recantos da América do Sul, uma considerável civilização
pré-colombiana e que os europeus a destruíram com tal habilidade que até os
vestígios desapareceram.
A
Grande Confederação Guaranítica, compreendeu inúmeras nações esparramadas
pelo Continente Sul Americano, sendo a capital dessa civilização uma grande
cidade denominada "Mbaeveraguasú". Imaginam os defensores dessa corrente, que
os guaranis eram comunistas puros, organizados em Estado, com feição
altamente civilizada. Para eles a palavra "guarani", tinha um sentido amplo e
compreendia todos os indígenas de mais da metade do continente americano,
excluindo-se, algumas raças que reputavam inferiores, sem as qualidades que
ornam o caráter e a inteligência das múltiplas nações guaranis.
Há
entretanto, algumas tribos, que não sendo guaranis, acomodaram-se aos
costumes destes, em uma fusão regular, sendo por isso mesmo seus parentes, ou
vassalos, como aconteceu com os "Aruacás", que acompanharam os "Caraivés",
desde as Antilhas, como seus escravos.
Percebe-se portanto, que os guaranis correspondem ao homem sul-americano por
excelência.

COMO TUDO COMEÇOU...
Para
nos assenhorarmos dos verdadeiros pendores que dominam a alma coletiva de tão
curiosa civilização, teremos que buscar recursos na história.
A
nação guarani à luz do "descobrimento" conglomerava diversos povos. Com a
chegada dos espanhóis (1537 em Assunción), foram diferentes as formas de
contato e distintas as adaptações históricas-culturais da nação guarani.
Podemos dividi-los a partir deste momento, em três grupos, ou três
trajetórias.
1. O
indígena que sofreu o impacto imediato do colonialismo. Encontramos aqui o
índio "civilizado" e o escravo encomendado. Os índios civilizados, foram
aqueles que lhes foi roubada a felicidade e convencidos à força de que os
donos da civilização era os europeus. Estes foram os que mais sofreram
adaptações. Já o índio encomendado, era aquele entregue ao espanhol para a
catequese e conversão. Doutrinavam os índios em troca da utilização de seu
trabalho. Na verdade, tal troca, acobertava uma disfarçada escravidão. Desse
grupo, sobraram muito poucos, pois conduzidos a um cativeiro deshumano,
acabaram dizimados, pela intensidade do trabalho forçado ou pelas inúmeras
doenças trazidas pelos conquistadores.

2. Os
guaranis reduzidos ou missioneiros, que buscavam refúgio da sanha colonial
nas reduções jesuíticas. As reduções se constituíam em um Estado dentro do
Estado. Neste aldeamentos fechados, os índios aprenderam ofícios tornando-se
artesãos, marceneiros, carpinteiros e músicos, o que lhes permitiu
dirigirem-se para os centros urbanos, como Montevidéu, Buenos Aires e Santa
Fé, após a expulsão dos jesuítas das colônias ibéricas.
No
inicio da civilização, os colonos sentiram a necessidade imprescindível do
auxílio do missionário para a pacificação indígena. Mas, aos poucos o homem
branco, emancipou-se daquela dependência e aliando-se com o mameluco,
organizaram-se em bandeiras e, armados em verdadeiros exércitos, passaram a
caçar o índio, para explorar e corromper. Eram invencíveis, sobretudo em uma
luta com missionários e índios inermes. Ao desejo de enriquecer aliava-se a
sede de glória, iniciando-se deste modo, um genocídio. Poucos foram os que
conseguiram bater em retirada, único meio de fugir aquela ameaça de
destruição. Mas, mesmo experimentando grande regozijo de escapar à sanha de
seus agressores, tiveram os heróicos retirantes de enfrentar muitos perigos e
sofrimentos durante a sua longa cruzada de fuga.

Alguns dirigiram-se para o Paraguai, onde o Guarani Paraguaio é hoje falado
por cerca de 3 milhões de pessoas; para a Bolívia, onde o Guarani Boliviano
(ou Chiriguano) é falado por cerca de 50 mil pessoas e para o norte da
Argentina. Dos índios capturados, alguns tornaram-se escravos dos
bandeirandes (séc. XVIII) e outros tornaram-se empregados de fazendeiros
brasileiros e paraguaios, que iniciaram a ocupação destas terras com a
extração da erva-mate.
3. O
terceiro grupo a salientar, é o guarani que permaneceu fora do alcance da
fome colonial, mantendo-se escondido nas densas florestas paraguaias. Os
Caaguá foi um grupo que logrou manter sua cultura quase que intacta. Dele
descendem os Guarani Mbya, Chiripá ou Ñandeva e os Paitvyterã ou Kaiowá. Eles
foram raramente visitados por algum viajante no século XIX e conseguiram
passar para o século XX, sem interferências exteriores.

OS MESTRES DAS MISSÕES
Nas reduções, o índio guarani aprendeu a
ser pintor, escultor, marceneiro, serralheiro e fundidor. Um padre suíço,
Charles Franck, ensinou-lhes até mesmo a fabricar relógios primitivos, mas
que funcionavam perfeitamente. E a primeira oficina de impressão que se tem
notícia em toda a América Latina foi instalada na República Guarani: ali
eram impressos catecismos, dicionários, livros de canto e até mesmo alguns
trabalhos sobre os dialetos dos índios. Quase tudo isso foi queimado pelos
"civilizadores", os mesmos que hoje puxam o revólver (ou o talão de cheques)
quando ouvem falar na palavra cultura.
Os índios seguiam essa ou aquela
profissão, de acordo com suas inclinações e tendências. A maioria dedicou-se
à agricultura ou ao pastoreio, porém os que tinham a chamada veia artística
podiam cultivar a música, através da harpa, instrumento ainda hoje em moda
no Paraguai, ou de violões, violinos, guitarras, tambores, pandeiros
espanhóis e até castanholas.
De certa forma, cada missão
especializou-se num determinado ramo de produção artística. Em Loreto
fizeram-se as melhores esculturas, mas foi em San Francisco Javier que se
elaboraram os mais finos tapetes e as mais graciosas rendas. De San Juan
vinham os mais perfeitos instrumentos musicais, mas foi em Apósteles que se
fundiram os melhores sinos.
As primeiras reduções propriamente ditas
são fundadas pelos padres Simón Maceta e José Cataldino. Um velho
missionário, de nome Lorenzama, fundou a redução do Paraná.
Mas o grande idealizador do Estado
Jesuíta, aquele que era conhecido como o "caminhoneiro de Chaco" e que no
futuro seria nomeado o Superior Geral da República Guarani, foi Antonio Ruiz
de Montóya.
Nos primeiros anos as coisas foram muito
difíceis, pois a vida das reduções jesuítas não ataraia os índios Guarani.
Muitas divergências surgiram e até mesmo alguns missioneiros, como o padre
Rodriguez, foram executados. Este, depois de discutir com o cacique Niazú,
teve sua cabeça espatifada com um golpe de manacá. Na verdade o que levou os
índios a se dirigirem para o interior das missões, foi o fato de terem
percebido que só elas constituíam um refúgio, um abrigo, uma defesa, uma
segurança contra os ataques brutais e escravagistas dos espanhóis e
portugueses.
E as reduções cresceram e se
multiplicaram: Arcángel, San Tomé, Los Reyes, Tpaes, Yapeyú. Logo se tornou
imprescindível que todas elas tivessem governos, tribunais de justiça e até
mesmo sistemas rudimentares de contabilidade.

O SOCIALISMO MISSIONEIRO
Em uma espécie de congregação superior
eram selecionados os futuros magistrados, sacerdotes e executivos. Existiam
arquivos, atas e contabilidade, embora um dia tudo viesse a ser reduzido a
cinzas pelos "civilizados".
Apesar das diferenças culturais que
sempre existiram, e sempre existirão, em todas as sociedades, a igualdade
material era quase completa. Todos se vestiam da mesma maneira.
O trabalho tinha uma jornada de seis a
oito horas, com um período de descanso após ao almoço. Quase todos os índios
eram lavradores e durante a época de colheita todas as demais atividades
eram suspensas. Iniciava-se um "mutirão", mutirim, ou pichirum, tradição do
trabalho coletivo, ou seja, um ajudando o outro numa alegre animação.
Não havia dinheiro, nem comércio e a
profissão de mercador ou traficante era punida com uma surra de vara de
marmelo. Praticavam a troca, mas não havia moeda nem usura. O ouro e a prata
serviam apenas para enfeitar os altares sagrados.
O principal produto era a erva-mate, que
servia de referência para trocas e bargalhas. Eram exportadores e muitos
produtos demandavam o exterior, principalmente o Prata. Fumo, algodão,
açúcar, rendas, artesanatos, esculturas, arreios, rosários, cruzes,
vasilhames, ponchos, peles, chapéus, barbicachos, cerâmicas, tijolos,
gamelas, tudo isso era conduzido em lombo de burro ou em canoas para as
colônias dos europeus onde seria trocado pelos produtos importados de que
mais necessitavam.
Mas tudo pertencia à comunidade. Os bens
eram indivisíveis. Chamavam-se "tupam-baé (campo de Tupã): eram propriedade
do Deus . Não existia o direito de herança e por isso a terra era
indivisível. E os padres jesuítas eram os primeiros a dar o exemplo: a eles
nada pertencia, tudo era dos índios (Abámba-é).
É claro que os invasores ibéricos, que
haviam construído a riqueza de suas nações sobre montanhas de cadáveres
indígenas, não poderiam aceitar, em suas "fronteiras ideológicas", a
existência da república utópica dos índios Guarani e dos padres jesuítas.
De tanto lidarem com aquelas crianças
índias, demasiada e ingenuamente acabou por povoar os sonhos dos filhos de
Santo Ignácio de Loyola. Fizeram com que os índios Guarani ficassem
brincando de "Cavalhada" entre mouros e cristãos, enquanto o inimigo afiava
suas adagas em forma de meia lua levantina e encilhava seus cavalos árabes.
Ensinaram os pequenos selvagens a
representar em palcos improvisados os dramas que o santo padre José de
Anchieta desenhava à beira-mar, enquanto os propostos coloniais do Marquês
de Pombal carregavam seus mosquetes nas barrancas do lado direito do
Uruguai.
Trabalhavam, brincavam, amavam, jogavam
bola, faziam acrobacias, cantavam e compunham guarânias, enquanto os
descendentes de Borba Gato preparavam as longas cordas com as quais iriam
manoteá-los.
Tudo desapareceu, até mesmo as igrejas
monumentais de pedra talhada e madeira ricamente esculpida foram
incendiadas, tendo seus ornamentos de ouro e pratarias roubados por bandidos
que se diziam "soldados cristãos".
Porém, a memória dos homens, que sempre
sobrevive à noite dos tempos e às madrugadas do demônio, pode dar fé. Mas, o
veredicto foi implacável e o povo Guarani se tornou o mais miserável de toda
a América do Sul. Mas, apesar de tudo, foi o único povo americano que
conseguiu escapar à sanha do colonizador durante longo tempo.
Eles deixaram gravada, nas ruínas de
suas Reduções, a maior ata de condenação que se possa fazer aos que
enlouqueceram na miragem de riquezas alucinantes. Sua sociedade foi e será
estudada por muitos séculos. É uma história dolorosa, que foi assinada com
sangue antes que eles submergissem de novo, e para sempre, na floresta
virgem das várzeas lamacentas dos rios que formam o Prata.
As ruínas que ainda estão de pé são o
testemunha de acusação. E o preço do resgate de sua memória será um dia
reconhecido!

A ALMA GUARANI
O guarani é um indivíduo profundamente
espiritual. Embora haja muitos sub-grupos, todos compartilham de uma religião
que enfatiza a terra. O conceito de terra para eles está relacionada a idéia
de Terra-Sem-Males, na concepção de "bem viver", um lugar onde se vive o "ñanderekó"
(jeito de ser). Ou seja, não concebem a terra em sua materialidade, mas a
consideram como necessária para ser construída e arada culturalmente.
Seguindo mensagens de Nhanderú, eles buscam o que acreditam ser a "Terra
Sem
Males", um lugar onde não falta caça, pesca e muita paz. A sua procura,
localizada no imaginário dos Guarani, para além do Atlântico, por si só, não
minimiza as responsabilidades dos brancos sobre os poucos espaços
territoriais que sobraram para esses índios. A sua perambulação, organizados
em pequenos grupos familiais, por estradas e rodovias do Sul e Sudeste do
país, é uma face trágica dessa diáspora.

O MITO DA TERRA-SEM-MALES
O
grupo com o qual Nimuendaju (Curt Unkel, 1883-1945, etnólogo alemão) teve
contato, guardou em seu imaginário mitológico a iminência da destruição do
mundo por um incêndio e um dilúvio e a entrada em uma terra onde não haveria
mais sofrimento, nem morte.
Conta este mito dos Guarani, "quando Ñamandu ( nosso grande Pai)
resolveu acabar com a terra, devido à maldade dos homens, avisou
antecipadamente Guiraypoty, o grande pajé, e mandou que dançasse. Esse
obedeceu-lhe, passando toda a noite em danças rituais.
E
quando Guiraypoty terminou de dançar, Ñamandu retirou um dos esteios que
sustentam a terra, provocando um incêndio devastador.
Guiraypoty, para fugir do perigo, partiu com sua
família para o Leste, em direção ao mar. Tão rápida foi a fuga, que não teve
tempo de plantar nem de colher mandioca. Todos teriam morrido de fome, se não
fosse o seu grande poder que fez com que o alimento surgisse durante a
viagem. Quando alcançaram o litoral, seu primeiro cuidado foi construir uma
casa de tábuas, para que quando viessem as águas, ela pudesse resistir.
Terminada a construção, retomaram a dança e o canto.
O perigo tornava-se cada vez mais iminente, pois o mar, como que para apagar
o grande incêndio, ia engolindo toda a terra. Quanto mais subiam as águas,
mais Guiraypoty e sua família dançavam.
E para não serem tragados pela água, subiram no telhado de casa. Guiraypoty
chorou, pois teve medo. Mas sua mulher lhe falou:
" Se tens medo, meu pai, abre teus braços para que os pássaros que estão
passando possam pousar. Se eles sentarem no teu corpo, pede para nos levar
para o alto."
E, mesmo em cima da casa, a mulher continuou batendo a taquara ritmadamente
contra o esteio da casa, enquanto as águas subiam.
Guiraypoty entoou então o nheengaraím, o canto solene Guarani. Quando iam ser
tragados pela água, a casa se moveu, girou, flutuou, subiu... subiu até
chegar à porta do céu, onde ficaram morando.
Esse lugar para onde foram chama-se YvY marã eÿ ( a "Terra Sem Males"). Aí as
plantas nascem por si próprias, a mandioca já vem transformada em farinha e a
caça chega morta aos pés dos caçadores. As pessoas nesse lugar não envelhecem
e nem morrem, e aí não há sofrimento."
Durante diversos espaços de tempo e de formas variáveis, grupos guarani
reviveram historicamente este mito. Relatado por Curt Nimuendaju (nome que
significa "homem que abriu seu próprio caminho"), no início do século XX, os
pajés dos Guarani Apapocuva, buscaram a Terra-Sem-Mal no leste. Em todas as
viagens apontadas para esta direção, o mito se fez história.
A
Terra-Sem-Mal era uma dádiva a ser encontrada, localizada à leste, além do
oceano e no alto.

TRAJETÓRIA E OBJETIVO
DA MIGRAÇÃO
A
causa do êxodo Guarani sempre foi a imperativa necessidade de encontrarem um
lugar onde possam viver em segurança, segundo seu antigo modo de ser, ou
seja, a busca da "Terra-Sem-Males".
"Os
primeiros que abandonaram a sua pátria, migrando para o leste foram os
vizinhos meridionais dos Apapocuva: a horda dos Tañyguá, sob a liderança do
pajé chefe Ñanderyquyní, que era temido feiticeiro. Subiram lentamente pela
margem direita do Paraná, atravessando a região dos Apapocúva, até chegar à
dos Oguauíva, onde seu guia morreu. Seu sucessor, Ñanderuí, atravessou com a
horda do Paraná - sem canoas, como conta a lenda - , pouco abaixo da foz do
Ivahy, subindo então pela margem esquerda deste rio até a região de Villa
Rica, onde cruzando o Ivahy, passou-se para o Tibagy, que atravessou na
região de Morro Agudos.
Rumando sempre em direção ao leste, atravessou com seu grupo o rio das Cinzas
e o Itararé até se deparar,finalmente com os povoados de Paranapitinga e
Pescaria na cidade de Itapetinga, cujos primeiros colonos nada melhor
souberam fazer que arrastar os recém-chegados a escravidão. Eles porém,
conseguiram fugir, perseverando tenazmente em seu projeto original, não de
volta para o oeste, mas para o sul, em direção ao mar. Escondidos nos ermos
das montanhas da Serra dos Itatins fixaram-se então, a fim de se prepararem
para a viagem milagrosa através do mar à terra onde não mais se morre." Os
Guarani Mbya, começaram a chegar, ao que se sabe, a partir do início do
século XX. Em 1921, Nimuendaju, na época funcionário da antigo SPI, teve a
ventura de acompanhar de perto a migração de um pequeno grupo Mbya rumo ao
mar.
Esta
fantástica experiência não modificou apenas o modo desse antropólogo alemão
encarar a sociedade Guarani, como a partir de então, iria influenciar de
maneira decisiva, o modo como a maioria dos antropólogos passaria a ver os
Guarani.
Dizimados por doenças e obcecados com a fuga da destruição do mundo,
Nimuendaju alcançou-os perto de Itanhaém/SP. Quando chegaram ao litoral,
termina sua viagem horizontal e histórica. Inicia-se então a caminhada que
deveria, através da dança, tomar um rumo vertical. Dançaram três dias até a
exaustão e então veio a terrível decepção: o fracasso. "Havia ocorrido algum
erro, que anulara toda a magia e que, fechara para sempre o caminho para o
Além aos peregrinos". A maioria dos Guarani convenceu-se que já não poderiam
alcançar a "Terra-Sem-Mal", pela falta de um instrumento e pela interpretação
incorreta do mito.
Depois partiram "na direção do noroeste, convencidos de que a Terra-Sem-Mal
se localizava, não além do oceano e sim no centro da Terra". Segundo Egon
Scahden, somente poderiam ir em sua busca, aqueles que guardavam intactas
suas crenças originais.
Hoje
existem "aqueles que acreditam que só sua alma retornará a Nhanderú retã."
Mas há ainda aqueles, que acreditam conseguir atravessar o oceano com corpo e
alma e superando a prova da morte, serem testemunho da tradição.
Uma alucinada tentativa de
alcançar a qualquer custo a Terra-Sem-Mal, pode ser observada entre os
Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Nos anos entre 1986 a 2000, 337
índios das áreas de Dourados, Amambaí, Caarapó, Porto Lindo e Takuapery,
cometeram suicídio. A ampla espoliação de seu território físico e espiritual
e a falta de perspectiva de encontrarem a sua prometida Terra-Sem-Mal, os
levaram a depressão profunda, o que concorreu para a concretização de tão
trágico fim.

Na
utopia da Terra-Sem-Mal, o imediatismo histórico ficou frustrado.
Em
busca da "Terra-Sem-Mal", vivem hoje os Guarani, ameaçados do Mal sem Terra,
em conseqüência do avanço das fazendas sobre os habitantes indígenas
originários.

ÍNDIOS GUARANIS NA ALDEIA
CANTAGALO (VIAMÃO/RS)
A comunidade ocupa uma área de 286
hectares, onde residem 40 famílias (300 moradores no total).
Possuem uma escola bilingüe, localizada
dentro da aldeia, denominada:Karai Arandu.
Entretanto, para o índio guarani, o local de resgate de sua cultura pode ser
o colo da mãe ou o pátio da aldeia e não uma escola tão rígida como à nossa.
A escola, portanto, deveria se adequar mais à metodologia indígena e não
retratar a estrutura tradicional da sociedade branca.
"Respeito às pessoas e
à natureza", esse é o lema os índios guaranis, por isso, suas crianças são
tratadas com muito carinho. Elas, desde de cedo, recebem os ensinamentos de
sua cultura pelos pais e depois pelo cacique, que lhes explica que os
guaranis foram eleitos pelo Deus Nhanderú para serem os guardiães das almas
dos seres humanos.
A religião é ensinada,
pelo karaí, que é o líder espiritual. Ele cuida dos doentes, recomendando os
remédios e curando através da fé, pois, para eles, a doença nada mais é do
que uma conseqüência da falta desta.
O artesanato é o maior
sustento dessa aldeia. A cestaria e as esculturas de animais são perfeitas e
vendidos pelos indígenas no litoral, na temporada de verão. Os índios, além
disso, plantam milho, feijão e ervas medicinais.
As crianças guaranis
que fazem parte do coral "Nhanderú Jepoverá" (Raio Sagrado de Deus),
gravaram um CD em 2005 , que reúne 15 cantos sagrados.
Os guaranis cantam
quando rezam, quando
brincam, quando acalentam os filhos, quando plantam, quando colhem, quando
curam, quando falam com seus deuses. Ninguém canta como eles, e ninguém ouve
como eles, porque certamente seus cânticos fazem muito mais sentido em sua
cultura.

CONCLUSÕES FINAIS
A
batalha dos Guarani pela sobrevivência física e cultural continua nos dias
atuais, no Paraguai, Argentina e Brasil (Maranhão, Espírito Santo, Rio de
Janeiro, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande
do Sul). A luta pela demarcação ou reconquista de suas terras confundem-se
com a recuperação de sua identidade étnica.
A história
indígena não é de vencidos, mas uma história viva e presente de avanços e
resistência, de fazer renascer um mundo mais humano para todos, irmanados com
a nossa Mãe Terra.
Os
Guarani somam hoje, aproximadamente, cem mil pessoas em todo o território
brasileiro.
Com
esta pequena contribuição, viso despertar a curiosidade do leitor à tudo que
se refere à civilização do índio sul-americano que até nossos dias permanece
como objeto de acurado estudo. Enfatizo também, meu carinho e respeito pelas
tradições deste povo, guardando como relíquia preciosa tudo o que evoca sua
história e anima a lembrança de seus dias mais remotos.
Texto pesquisado e desenvolvido por
ROSANE VOLPATTO

"America Ameríndia,
aínda na Paixão:
um dia tua Morte
terá Ressurreição!"
Bibliografia consultada
C. Nimuendaju Unke. As Lendas de criação e
destruição do mundo como fundamentos da religião dos Apapokura-Guarani. SP.
1987.
M. I. Queiroz - O Mito da terra sem
males: uma utopia guarani?. Revista de Cultura Vozes. 67/1 (1973)
M. Bartolomeu. El guarani: experiência
religiosa. Asunción. 1991
E. SCHADEN. Aspectos fundamentais da
cultura guarani. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1962.
Derengoski, Paulo Ramos - A
Saga dos Guarani. Editora Insular, SC.




|