A CERIMÔNIA DO AJUCÁ

       

A cerimônia do ajucá ou jurema, praticamente desapareceu do Brasil e é um dos rituais que combina elementos cristãos, indígenas, espíritas e afro-brasileiros.

O nome jurema é originário de uma árvore (acácia jurema), cujas raízes os pajés faziam uma bebida alucinógena capaz de produzir sonhos adivinhatórios.

O antigo ritual realizado pelos indígenas, supunha que os guerreiros poderiam viajar ao mundo dos espíritos tomando a poção. Os índios sonhavam, mas eram somente as mulheres que interpretavam tal sonhos e podiam revelar o passado e o futuro.

Dois grandes grupos indígenas praticavam este ritual: os jês (tapuias) e os karirís. Os detalhes destas cerimônias ficaram perdidos para sempre, pois nenhum historiador ou escritor se preocupou em escrevê-los.

Até o século XIX, o fato de beber jurema era considerado um ato de bruxaria ou prática de magia e seu uso era secreto. Alguns indígenas foram presos praticando este ritual, entretanto foram ele que ensinaram aos brancos e mestiços o uso da planta.

Existem dois tipos de jurema, a branca (Pithecolobium diversifolium) e a negra (Mimosa nigra Hub.). Os pajés indígenas elaboravam uma bebida com a jurema branca que produzia sonhos afrodisíacos e premonitórios. Também é muito usada pelos pais e mães de santo do candomblé de Pernambuco.

A infusão de jurema é preparada com suas raízes, que devem primeiro serem raspadas para eliminar a terra que nela se apresenta agregada e depois serem muito bem lavadas. Em seguida, a raiz deve ser colocada sobre uma pedra e macerada com a utilização de outra pedra. A massa formada deve ser diluída em um recipiente com água. Pouco a pouco a água se transforma em um líquido avermelhado e espumoso, semelhante ao vinho, motivo pelo qual é conhecido por este nome.

 

Esta bebida sagrada era servida em rituais não só dos indígenas, mas também nos cultos afro-brasileiros. Estes últimos acrescentavam à bebida mel, ervas e outras substâncias. Nos rituais de magia negra acrescenta-se sangue de animais. Em alguns templos, costumava-se misturar a jurema com aguardente de cana de açúcar, o que chamam de "cauim".

As folhas de jurema também são usadas secas, misturadas ao tabaco, que são fumados em cachimbos que os indígenas faziam com o tronco da jurema. O pajé coloca o cachimbo ao contrário, onde se deposita o tabaco, e sopra sobre a poção que se encontra no recipiente. Curiosamente, forma-se uma figura em forma de cruz no líquido com um ponto em cada um dos ângulos formados pelos braços da cruz. Os galhos e as flores da jurema são destinados à rituais de limpeza que combatem o mau-olhado e eliminam qualquer bruxaria do corpo. Também servem para que os médiuns do candomblé ou da umbanda possam ver o futuro com mais clareza.

Em outros rituais possui a função depuradora: costuma-se soprar a fumaça nos quatro cantos do templo ou da casa, expulsando assim os maus espíritos. Em seguida, um assistente recolhe o recipiente e o deposita sobre uma esteira de palha. As mulheres mais velhas das comunidades das regiões pobres do interior são convidadas a participar na cerimônia formando um círculo ao redor da poção. Todos os participantes acendem seus cachimbos que passam de mão e mão e de boca em boca, de modo cerimonioso e fraternal.

Uma cantadeira agita as maracás feitas com cabaças, enquanto entoa hinos para evocar a Jesus Cristo, à Virgem Maria, à Padre Cícero, à cabloca Jurema e outras entidades, pedindo-lhes a benção para todos os presentes. Elas também benzem individualmente todos os presentes. Quando a cantadeira se cansa, pede para ser substituída por outras mulheres. Ao final de algumas horas, o chefe da cerimônia serve a bebida sagrada à cada um: só podem beber dois tragos. O que sobra é jogado fora, a modo de libação, em um buraco sagrado.

Durante o transe (estado alterado de consciência)o participante, pode pedir aos santos ou entidades invocadas que lhe deixem ver com claridade o passado, presente e futuro. Também pode rezar para pedir a proteção individual ou coletiva aos espíritos protetores da natureza, geralmente de origem indígena ou afro-brasileiros. Os participantes também podem conectar os mortos. O ajucá é um dos reinos mágicos, invisíveis habitado por "espíritos dos bons conhecimentos". Um destes reinos era o da Pedra Bonita, em Pernambuco, onde até hoje existem duas enormes pedras graníticas. Ali residiu o líder de uma seita que, no século passado, ordenou o sacrifício de muitas pessoas empregando a jurema em seus rituais. Entretanto, dizem que a jurema estava adulterada por outras substâncias que levavam à loucura, como o manacá (Brunfelsia hopeana Benth), uma planta tóxica.

 

Existe a crença de que os mortos se encarnam em algumas árvores, especialmente na jurema. Por isso, estas árvores são sagradas no nordeste do Brasil. Em torno delas acende-se velas e costuma-se rezar. Muitos são os que pedem à planta que lhes mostre seu destino, o que na maioria das vezes é revelado através de um sonho, na mesma noite ou nas noites seguintes a petição.

Os efeitos do "vinho de jurema", são muito bem descritos por José de Alencar em seu romance Iracema.

"....Durante a preparação dos guerreiros tabajaras para a guerra com os pitiguaras,
Iracema lhes serve o vinho da jurema e, enquanto os guerreiros deliram, ela ..."

Também, segundo Andrade, “enraizamento lingüístico do termo Yu'rema na língua tupi é um forte indício de que o uso primordial, inclusive cerimonial do vinho da Jurema, além de ser herança da cultura indígena, regional, certamente já existia antes da presença dos colonizadores”.

A jurema sintetiza uma potente substância alucinógena, a dimetiltriptamina ou DMT, responsáveis pelos efeitos.

 

ASPECTO ARQUETÍPICO

Quando em diferentes culturas, através da história encontramos objetos ou seres com similar significado e representação, estamos diante de um símbolo universal arquetípico. Tal caso ocorre com a algumas árvores. Elas eram sagrada tanto para os celtas, como para os indianos, entre os escandinavos e também para os indígenas brasileiros. A Gênesis fala da árvore como ciência da vida. Mas o que representa a árvore? Porque foi considerada sagrada por tantos povos distantes em tempo e espaço?

No Cristianismo à sombra de uma árvore iniciou-se a vida humana, através de Adão e Eva. E, foi ao pé de uma macieira do Paraíso, que os Pais da humanidade cometeram o pecado original. O culto do carvalho, ou do deus do carvalho, foi compartilhado com todos os povos da raça ariana da Europa. Gregos e italianos associavam a árvore ao seu deus supremo, Zeus, ou Júpiter, a divindade do céu, da chuva e do trovão. Zeus era o deus ao qual os gregos oravam regularmente para ter chuva. Para os celtas da Gália, nada havia de mais sagrado do que o visco e o carvalho no qual este crescia. Escolhiam os bosques e os transformavam em Catedrais para a realização de celebrações solenes e nenhum rito era celebrado sem as folhas do carvalho.

O simbolismo arquetípico da árvore, independem de concepções teológicas e se estende no mundo mítico. Assim, o Cristo suspenso em sua madeira da morte é o fruto do sofrimento e ao mesmo tempo a árvore da vida aparece personificada em Dionísio, o "Senhor da Uva". A vida que atua no interior da árvore concretiza esta sua dupla natureza, ao engendrar os opostos. O mesmo é válido para árvore do conhecimento, que é identificada como a árvore da vida e da morte que é a cruz. De acordo com esse mito cristão, a cruz foi erguida no local onde existira a árvore do conhecimento e Cristo, como "fruto mítico" da árvore redentora da vida, substituiu o fruto da árvore do conhecimento, através da qual o pecado teve acesso ao mundo.

Como fossem um prolongamento um do outro, os céus aparecem como árvores e no topo das árvores alcança-se os céus. Mas isso não esgota a relação entre ambos. É por possuir raízes que a árvore penetra nas profundezas e adquire então uma conotação de fatalidade. Suas raízes assentadas na escuridão do inconsciente equivalem ao seu enraizamento no espaço do céu noturno. As constelações estelares se apresentam na forma de ramos, evidenciando um destino profundo, cujo prolongamento pode ser tanto para cima quanto para baixo. é por este motivo que se diz que a árvore cabalística, cristã e a Hindu, teriam suas raízes no céu entre os poderes superiores e sua copa, sua expansão, no mundo abaixo.

O homem hoje, se faz conhecer através do uso excessivo da razão e da ciência, perdendo a noção do mítico e do sagrado. Por ser tão racional, considera-se superior a qualquer expressão da criação e acha que detêm o domínio sobre todas elas. Ao assumir esta soberania, se desvincula das coisas simples que fazem parte de nosso universo real, esquecendo-se que é importante harmonizar-se e co-participar do universo. Pelo esquecimento de pontos sagrados e cruciais, é que padecemos hoje com a extinção de várias espécies tanto da fauna quanto da flora, com o efeito estufa (desmatamento), vazio existencial, etc.

Devemos nos re-conectar com Universo e com a vida. É hora de demonstrarmos através da humildade que somos seres superiores. A reconstrução de uma ponte com os valores sagrados se faz necessário, para o nosso bem e para a preservação da humanidade.

Texto pesquisado e desenvolvido por

ROSANE VOLPATTO