Dos Alpes suíços até o ritmo do frevo, em Recife, passando
pelos foliões vestidos de seda negra em Veneza, o carnaval é a
maneira que o homem encontrou para unir o místico ao profano,
lembrando a proximidade da Quaresma Cristã e ao mesmo tempo
evocando antigas festas romanas e ritos de fertilidade da Idade
Média". André Machado

O QUE NOS CONTA A
HISTÓRIA...
"Carnem levare"
(latim medieval), levar a carne embora....segundo alguns
estudiosos, esta é a origem da palavra "Carnaval", tradicional
festa universal dos países católicos, que geralmente iniciava-se
no Dia de Reis (Epifania, 6 de janeiro) e terminava na
Quarta-feira de Cinzas, véspera dos jejuns da Quaresma.
Mas a história do
Carnaval é muito mais antiga do que a religião de Cristo e
remonta às maiores festas orgíacas da humanidade, como as
saturnais romanas. Esta famosa festa, caía em dezembro, último
mês do ano romano e, ao que se acredita, comemorava o alegre
reinado de Saturno, o deus da agricultura que havia vivido na
terra há muito tempo como um rei da Itália justo e bondoso, que
reunia os broncos e dispersos habitantes das montanhas e lhes
ensinava a trabalhar a terra, dando-lhes leis e governando em
paz.
O reino de Saturno
correspondia à fabulosa "Idade do Ouro": a terra produzia em
abundância; nenhum rumor de guerra ou discórdia perturbava o mundo
harmonioso e feliz; nenhum amor pernicioso ao lucro operava como
veneno no sangue dos camponeses trabalhadores e satisfeitos. A
escravidão e a propriedade privada eram igualmente desconhecidas:
todos os homens tinham todas as coisas em comum. O bondoso deus, o
amado rei, acabou por desaparecer subitamente. Sua memória, porém,
continuou sendo venerada até épocas muito posteriores. Santuários
foram erguidos em sua honra e muitos montes e locais elevados na
Itália tinham seu nome.
Comer e beber,
participar de alegres celebrações e buscar imoderadamente os
prazeres são as características que parecem ter marcado este
Carnaval da Antiguidade, que se prolongava por sete dias na ruas,
praças e casas da Antiga Roma, entre 17 a 23 de dezembro. Todas as
atividades e negócios eram suspensos neste período, os escravos
ganhavam liberdade temporária para fazer o que em quisessem e as
restrições morais eram relaxadas. As pessoas trocavam presentes, um
rei de brincadeira era eleito e liderava o cortejo pelas ruas (Saturnalicius
princeps) e as tradicionais fitas de lã que amarravam aos pés da
estátua do deus Saturno eram retiradas, como se a cidade o
convidasse para participar da folia. Os presentes mais comuns eram
velas votivas a Saturno e bonecas de barro. O papa Sisto V
(1585-1590), tentou reprimir os excessos que ocorriam durante este
evento.
Hoje, o Carnaval mais
marcante da Itália é encontrado em Veneza. Nos dias 21 de fevereiro
até 3 de março, esta cidade fica tomada de figuras envoltas em
beutas (capas de seda negra) e de máscaras brancas e douradas.

O Carnaval Veneziano
já era famoso desde o século XI, quando tinha a duração de seis
meses e o uso das máscaras se tornou muito inconveniente em
função do anonimato que ela concedia.
"As máscaras no
Carnaval de Veneza, tornaram-se, em tempos idos, um confortável
hábito para os nobres inescrupulosos: mulheres podiam
entregar-se aos prazeres do sexo com os criados sem se
identificarem e os poderosos matavam seus rivais impunemente.
Foi até promulgada uma lei que absolvia as damas da acusação de
adultério, caso o homem com quem estivessem ido para cama
estivesse usando máscara. Afinal, ele podia ser seu próprio
marido", nos conta André Machado.
Em função disso, em
1608 o uso das máscaras foi proibido e o Carnaval de Veneza
entrou em franca decadência. Hoje, no entanto, a festa e as
máscaras voltaram com força total, acompanhadas de trajes
setecentista negros e vermelhos.
Na França, o Carnaval
iniciou-se em 1884 e tem sua origem associada ao culto dos mortos. A
festa popular é regada à muitas flores, confetes, carros alegóricos,
bonecos e máscaras gigantescas. Em Nice, esta noite são acesas
duzentas mil lâmpadas multicoloridas que incendeiam de luz e brilho
os carros alegóricos que sustentam o Rei do Carnaval (feito com
papel). Em cima dos carros encontram-se bonecos de papelão, jovens
vestidas de flores e inúmeras máscaras esfuziantes.
Na madrugada de
terça-feira para quarta-feira de Cinzas (Mardi-Gras), o Rei do
Carnaval é queimado em meio a uma algazarra e fogos de artifício.
No Carnaval do Alpes
Suíços, os homens portam máscaras entalhadas em madeira, com narizes
tortos e bocas apavorantes. Saem então assim, para comer e beber e
agarrar belas jovens passando-lhes fuligem no rosto. Esta
festividade existe desde o século XIII e era chamada de "Fastnacht",
sendo originária de Colônia, na Alemanha. Todo este cerimonial
visava espantar os maus espíritos e assegurar de maneira simbólica a
fertilidade da terra e das mulheres.
Em
Colônia, esta moderna celebração acontece em cervejarias, casas
de vinhos e grandes salões, onde os foliões se divertem dançando
e cantando ao som de um ritmo irreverente.
O CARNAVAL, NO
PAÍS DO CARNAVAL...

O Carnaval no Brasil
no século XVII trazido pelos portugueses (1723), com a migração
vinda das ilhas da Madeira, Açores e Cabo Verde. Chamado
inicialmente de "Entrudo" (palavra de origem latina que
significa "entrada"), era uma brincadeira que consistia em
alvejar os passantes com água, farinha ou cinzas, através de
limões, laranjas ou bolhas de ceras ocas e era acessível a
todos. Aos poucos, este tipo de brincadeira foi reprimida
através de uma proibição expressa (1853 no Rio) e o povo passou
a defender um festejo mais elitizado. Há em Recife, nos dias de
hoje, uma brincadeira sobrevivente do entrudo, chamada
"mela-mela".
Em 1840, iniciou-se para
a aristocracia os elegantes bailes de Carnaval carioca realizado no
Hotel Itália, onde hoje é a praça Tiradentes. Um dos jornalistas que
defendia ardorosamente esta forma de Carnaval foi José de Alencar, o
qual escreveu na sua coluna do "Jornal Mercantil" do Rio de Janeiro,
às vésperas do Carnaval de 1855, a seguinte frase: "Confesso que
esta idéia me sorri. Uma espécie de baile mascarado, às últimas
horas do dia, à fresca da tarde, num belo e vasto terraço, com todo
o desafogo, deve ser encantador". Foi assim, após uma campanha dos
jornalistas contra o violento entrudo e a favor do elegante Carnaval
veneziano, que os desfiles de rua começaram a acontecer.
Começaram a aparecer
então, os grupos de ritmistas, inicialmente chamados de
"Zé-Pereira", foliões que percorriam as ruas batendo forte em bumbos
ou tambores (depois foram substituídos por tamborins, cuícas,
pandeiros, etc.) Havia ainda os cordões carnavalescos onde
desfilavam em cortejo pessoas fantasiadas que brincavam com ritmo e
dança.
No nascer do novo
século, o Carnaval ganha força e formas mais originais, tornando-se
uma grande festa popular onde se visualiza a permeabilidade entre as
classes sociais. Surgem então os "corsos", grandes desfiles de
automóveis repletos de foliões, ainda hoje é, um dos pontos altos do
Carnaval de Recife. Deste modo, o Carnaval podia ser dividido em
dois tipos distintos de manifestação: um, feito pelas classes mais
ricas nos bailes de salão, nas batalhas de flores, nos corsos e
desfiles de carros alegóricos; outro, feito pelas classes mais
pobres nos maracatus, cordões, blocos, ranchos, frevos, troças,
afoxés.
"Os afoxés, exclusivos
do carnaval baiano, são ranchos negros cuja característica inicial
era o lançamento de efu – pó considerado mágico tirado do chifre do
carneiro – sobre os bandos rivais que cruzavam a rua. Os mais
famosos são Filhos de Gandhi e Badauê."
" Os cordões eram
organizados pela população mais pobre, que não tinha acesso aos
clubes. Muitos deles ficaram famosos, como o Cordão da Bola Preta."
Já o rancho, teve sua
primeira formação em "1872, no bairro da Saúde, Rio de Janeiro, por
baianos que trabalhavam no cais; desfilavam ao som da marcha e
usavam elementos que seriam mais tarde incorporados pelas escolas de
samba, como fantasias, enredos, porta-estrandartes e mestres-salas."
Os blocos, por sua vez,
"eram divididos em blocos de enredo e blocos de empolgação. O número
de componentes variava de duzentos a quinhentos, e os quesitos
julgados eram: evolução, samba, bateria, fantasia, abre-alas,
adereços manuais, estandarte e coreografia do mestre-sala e
porta-bandeira. O enredo deveria ter motivos exclusivamente
nacionais."
Mas, a consagração da
cultura popular brasileira, ocorreu mesmo, através das Escolas de
Samba.
Segundo alguns
historiadores, o primeiro concurso de Escolas de Samba, sem qualquer
aparato maior ou apoio oficial, ocorreu em 1930. O primeiro desfile
oficial, entretanto é realizado em 1935. O samba carnavalesco como
gênero musical, foi gravado em disco, pela primeira vez em 1917.
Atualmente, há desfile
de escolas de samba em todo o país. O desfile das Escolas de Samba
do Rio de Janeiro, entretanto,é a apoteose do Carnaval em todo o
planeta, consagrado como o mais espetacular "show da terra". Acima
de tudo, esta majestosa festa tão popular, configurou-se como um
símbolo de identidade nacional, nos rendendo o título de "país do
carnaval".
DAS SATURNAIS ÀS
ESCOLAS DE SAMBA, UM VERDADEIRO SUCESSO...

O apogeu do Carnaval
aconteceu através da manifestação das escolas de samba, sendo,
como já foi falado, as do Rio de Janeiro as de maior expressão,
constituindo-se hoje, de 69 escolas, divididas em seis grupos. O
principal é o grupo especial, formado pelas 14 maiores escolas,
que desfilam nas noites de domingo e segunda-feira de Carnaval
diante de um júri formado por 36 jurados que dão notas de 1 a 10
para os seguintes quesitos: bateria, samba-enredo, harmonia,
evolução, enredo, conjunto, alegoria e adereços, fantasia,
comissão de frente, mestre-sala e porta-bandeira. A escola deve
apresentar-se no tempo mínimo de 65 minutos e no máximo 80
minutos. Cada 5 minutos de atraso sobre o prazo máximo, tiram 1
ponto da nota final.
A escola de samba é
fruto de uma produção coletiva de especialistas em samba,
constituída por pessoas simples, que dão o melhor de si. O resultado
é sempre um extraordinário espetáculo, rico em formas e arte,
conjugadas ao ritmo contagiante da bateria. Sua passagem arrebata
corações e faz vibrar cada centímetro do nosso ser ao ritmo de tanto
entusiasmo e beleza.
Todo o desfile obedece
uma estrutura e ordem cronológica de apresentação. Ele é sempre
aberto pela comissão de frente, um grupo de 15 componentes
luxuosamente vestidos, que saúdam o júri e o público presente ao
sambódromo. As alas são entremeadas pelos carros alegóricos que
celebram e ilustram o enredo. As alas fixas são as da baianas,
formada pelas mulheres mais idosas da escola e das crianças.
Indispensável é o casal de mestre-sala e porta-bandeira (geralmente
3), que sambam graciosos, ele buscando a atenção da dama e ela
protegendo a sua bandeira. Este casal é o símbolo máximo da escola.
A
bateria é a "alma" da escola, constituindo-se de uma sofisticada
orquestra de percussão e formada por no mínimo 200 músicos, que
tocam tamborim, cuíca, repinique, chocalho, tarol, reco-reco.
surdo, agogô e caixa de guerra.
Hoje, toda cidade
brasileira com mais de cem mil habitantes, se dá o direito de ter
sua escola de samba. Na Europa, nos Estados Unidos, no Japão,
centenas de escolas foram criadas por brasileiros residentes ou
mesmo por apreciadores do gênero. A escola de samba canta as glórias
de nossa terra numa festa cada vez mais cheia de encantos e magia.
Machado de Assis nos
fala sobre o carnaval carioca com a seguinte citação: "Toda a
religião começa com um pequeno número de fiéis. O primeiro homem que
vestiu um simples colar de miçangas não viu logo todos os homens com
o mesmo traje, mas pouco a pouco a moda foi pegando, até que vieram,
atrás das miçangas, conchas, pedras verdes e outras."
CARNAVAL, E SUAS
DIFERENTES CELEBRAÇÕES REGIONAIS
O que nos encanta é
que não há um único carnaval brasileiro e sim diferentes
celebrações regionais. Cada cidade ou região age como uma
verdadeira usina de forças que absorvem e expressam em um
espetáculo sem par a cultura de seu povo.
CARNAVAL EM
RECIFE

As formas de brincar
o carnaval são muito variadas, mas todas elas tem uma
inesgotável capacidade de mobilização popular.
O símbolo do carnaval
pernambucano é o "frevo", corruptela da palavra "ferver", que
expressa exatamente o modo de agitar esta festa. Os dançarinos do
frevo exibem passos e acrobacias associadas aos golpes de capoeira,
utilizando-se de uma sombrinha colorida que equilibra a coreografia.
Há vários estilos de frevo: o frevo-canção, o frevo-rua e o
frevo-bloco. Todas estas modalidades nos fazem extravasar muita
alegria ao som de instrumentos metálicos e uma orquestra de
pau-e-corda.
Os clubes de frevo são
característicos do carnaval pernambucano. Devem ter, no mínimo, cem
componentes e o enredo deve ser baseado em motivos exclusivamente
nacionais. No Carnaval do Recife e de Olinda (PE) desfilam clubes de
frevo, como o Vassourinhas e o Lenhadores, e blocos, como o Flor da
Lira e o Flor da Magnólia.
Paralelamente, existe o
maracatu, cortejo de origem africana, altamente expressivo. O berço
dos maracatus foram as senzalas, quando os negros prestavam
homenagem aos seus antigos reis africanos. Mesmo com o fim da
escravidão, os cortejos continuaram. Daí o maracatu ganhou as ruas,
tornando-se uma das peças essenciais do carnaval pernambucano.
Muito embora, as
péssimas condições de vida do povo nordestino, suas fantasias
carnavalescas são ricas em bordados e brilhos. Cantam e dançam para
espantar suas dores, saudades, tristezas e para clamar por dias
melhores recheados de doces esperanças.

CARNAVAL EM
SALVADOR

Em Salvador, o
carnaval começa efetivamente em dezembro, com a abertura dos
festejos pela festa da Conceição da Praia. São celebrações que
remetem umas às outras, adquirindo sempre, ao final, um jeito
carnavalesco.
A grande atração do carnaval baiano são os trios elétricos:
músicos que percorrem as ruas em cima de caminhões equipados com
potentes alto-falantes executando sucessos carnavalescos para o
povo dançar.Criados na Bahia, saem no Carnaval animando milhões
de pessoas que dançam atrás deles. O primeiro trio elétrico, o
de Dodô e Osmar, surgiu em 1950.
Com o tempo, passam a
comandar o Carnaval de Salvador (BA), ao lado dos blocos afros, afoxés e bandas, como Ilê Aiyê, Filhos de Gandhi, Olodum, Ara Ketu,
Timbalada, Chiclete com Banana e, mais recentemente, Cheiro de Amor,
Eva e É o Tchan. O ponto alto do Carnaval baiano é o encontro dos
trios na praça Castro Alves.
Os mais famosos blocos
de índio do carnaval baiano, são o Apaches de Tororó e Comanches.
Blocos afro são também característicos do carnaval baiano, como o
Ileaiê, Malê de Balê e Olorum Babami.
DEFINIÇÃO DE CARNAVAL
Segundo Benjamin (1983,
p. 29) carnaval é, " um fenômeno plural e somente analisável a
partir de enfoques interdisciplinares: um fenômeno perturbador, onde
a ambigüidade, o disfarce, a máscara não constituem apenas um
elemento visual mas integram o fundamento mesmo do fato.
Reminiscências e referências múltiplas ao passado, ao presente e ao
futuro, exaltação da vida e da morte, proclamação de valores e
sentimentos reprimidos a serviço da libertação ou como reforço às
dominações do cotidiano. Herança múltipla – indígena, européia (e
não apenas portuguesa) e africana -, cuja história social foi tão
precariamente registrada e analisada, que vive sujeita a revisões a
cada dia."
Já DaMatta
(1997, p. 18), em seu estudo sobre o carnaval, nos presenteia com a
seguinte definição: carnaval é "onde o tempo fica suspenso e uma
nova rotina deve ser repetida ou inovada, onde os problemas são
esquecidos ou enfrentados; pois aqui – suspensos entre a rotina
automática e a festa que reconstrói o mundo – tocamos o reino da
liberdade e do essencialmente humano".
CARNAVAL, UM GRANDE
NEGÓCIO...

O Carnaval, além de ser
uma manifestação da arte e da cultura popular, é um rendável
negócio.
Como salienta Waldemar,
nos últimos anos, ‘"foi montado um esquema de comercialização do
carnaval. Uma mercadoria chamada carnaval é comercializada, tanto
por parte do poder público, que promove pacotes turísticos, com
excursões e desfiles de carnaval inclusos, como também das escolas
de samba, que começaram a se organizar empresarialmente".
Nos grandes centros
urbanos, esta folia popular tem contribuído para a redução da taxa
de desemprego, além de gerar uma receita apreciável para a economia
destas cidades, pois atrai tanto o turismo interno, quanto
internacional. Trata-se de um efeito sazonal, mas bastante
lucrativo.
A partir de 1995 a
prefeitura da cidade do Rio de Janeiro privatizou a produção do
desfile, ficando a renda distribuída em 74% para as escolas, 16%
para o poder municipal e 10% dos direitos autorais e editoriais.
Cada samba-enredo do grupo especial recebe cerca de R$ 30 mil pela
venda, direito de arena e execução de sua música. Com as recentes
reformulações da lei de incentivo à cultura, quase todas as escolas
de samba tornaram-se capazes de captar patrocínio por meio de
isenção fiscal.
O Carnaval é uma festa
que dá novo sentido econômico ao país, principalmente neste momento
de câmbio livre e dólar disparado, que dificulta a saída do
brasileiro ao exterior.