
BOITATÁ, O PROTETOR DOS CAMPOS

Acreditavam os tupis-guarani num espírito que protegia os campos contra aqueles que o
incendiavam. E, conservavam esta crença, dando-lhe a forma de uma serpente
ígnea que residia na água. Algumas vezes torna-se um tronco em brasa,
denominado "méuan", que fazia morrer todo aquele que tentasse
inutilmente incendiar o campo.
Boitatá,
em guarani significa: "mboi" (cobra) e tatá (fogo). Sofreu entre nós
diversas alterações tanto no sentido como na forma:
MBAETATÁ
- que se julga ser a sua forma primitiva;
MBOITATÁ
- influxo de "mboi", cobra;
BOITATÁ
- também influxo de "mboi", cobra;
BOITATÁ
- influxo de boi, palavra portuguesa
MBOYTATÁ
- influxo africano
A
forma "mbaetatá" (mbae, coisa) é dada como a mais remota, por nos
ter sido apresentada pelo padre Anchieta. A forma "boitatá" é a
resultante da influência exercida pela palavra homonímica da língua
portuguesa. Em muitos pontos do país o guarani cedeu lugar a ela. Em São Paulo
é conhecido pelo termo "bitatatá" e os roceiros de Minas o chamavam
de "batatal" e afirmavam que ele morava em uma caverna.
O
Boitatá é um mito universal. Na Inglaterra é conhecido como "Jack with a
lantern" (Jack com uma lanterna), na Alemanha é "Irlicht" (a luz
louca), na França é "Moine des marais" (assombração dos pântanos)
e nos países que se fala espanhol é "Luz mala" ou "Víbora de
Fuego".
No
Rio Grande do Sul, porém, o mito universal, originou uma lenda, o que aliás é
muito comum, o mito lobisomem, por exemplo já originou dezenas de lendas
locais.
Do
Boitatá, no Sul, se conhece três versões: a primeira mostra-o com os olhos
ferventes. Nas trevas distingue tudo, porém na luz nada vê. Quando as águas
tomaram conta da campanha (Dilúvio), alagando caminhos, várzeas e coxilhas,
ela foi para o lugar mais alto que encontrou. Tanto furou, que conseguiu fazer
um buraco muito fundo e escuro. Recolhe-se neste local e esperou até que as
águas baixassem. A necessidade de distinguir nas trevas, obrigou-a a arregalar
os olhos. Mas ela arregalou tanto...tanto, que elas passaram a brilhar como duas
tochas de fogo. São os olhos de Boitatá, assim transformados, que o gaúcho se
depara à noite, quando passeia pelos campos.
A
segunda versão, corrente entre os estanceiros gaúchos, é que durante à noite
ao cavalgar ou viajar à noite, avistam um fogo volante, às vezes em forma de
cobra, outras vezes em forma de pássaro, voando na frente do cavaleiro e
impedindo-lhe a marcha. Há uma crendice popular que Boitatá se deixa atrair
pelo ferro. E, então um meio de se livrar de seu ataque, consiste em desatar o
laço e arrastá-lo pela presilha. Ele acompanhará o ferro da argola do laço e
ao se passar por um arbusto, ele se desmancha todo. Até que se recomponha, a
pessoa tem tempo de fugir.

A
terceira versão nos foi transmitida por J. Simões Lopes Neto. Ele nos relata
que numa noite muito escura iniciou-se o grande dilúvio. A água cobriu todas
as coxilhas, inundou as sangas e arroios, encheu todas as tocas dos animais,
inclusive a de uma cobra grande chamada de "boiguaçu" que dormia
quieta. Acordando com o frio da água, encheu-se de susto. Saiu para fora e
apertada de fome começou a comer só os olhos dos animais que encontrava a sua
volta. Como os animais sofrem influência do alimento que comem, a Boiguaçu
não escapou a regra, sua pele tornou-se muito fina e ficou luminosa pelos
mil olhos que devorou.
Os
homens quando voltaram à vê-la, não a reconheceram e pensaram tratar-se ser
de uma nova cobra, por causa de seu aspecto deram-lhe o nome de Boitatá, ou
seja, cobra de fogo.
Passado
um certo tempo, a Boitatá morreu de pura fraqueza, porque só os olhos que
comeu não a alimentaram o suficiente. Ao decompor-se, a luz que estava presa
dentro dela esparramou-se pelos brejos e pode tomar a forma tanto de cobra como
de boi. O povo da campanha adverte, ao vê-la deve-se ficar imóvel, de olhos
fechados, sem respirar, até que ela resolva ir embora.
Há
muitos outros casos e lendas, o povo do País de Gales tinham o seu "Jack
com uma lanterna" e atribuem-lhe a intenção de espírito zombeteiro, que
ensina o caminho errado aos que se perdem pelos prados. O budismo nipônico,
admite entre os seus "gakis", o "Shinen-Gaki", que aparece
à noite, sob a forma de fogo errante. E justifica historicamente o caso
remontado aos celtas, que tinham o "fogo dos Druidas" e à antiguidade
clássica, onde encontramos o fogo de Helena.

Na
região missioneira, adquiriu Boitatá uma função disciplinadora de castigo
entre pessoas que se estimam e consideram. Para conservar o respeito que deve
haver entre compadre e comadre e levando em conta a fragilidade humana, existia
a lenda de Mboitatá (Víbora de Fogo) que se reduz ao seguinte: se os compadres
esquecerem-se do sacramento que os une, não fazerem caso dele, faltando a
comadre a seus deveres conjugais com seu compadre, de noite se transformarão os
culpados em Mboitatá, ou seja, em grandes serpentes ou pássaros que possuem em
vez da cabeça uma chama de fogo. Eles brigarão toda a noite, lançando chamas
e queimando-se mutuamente até o final da madrugada, para tornar a fazer tal
feito na noite seguinte, assim por séculos e séculos, mesmo depois de mortos.
Segundo
a ciência, todas estas lendas surgiram da mera observação de um fenômeno
comum que ocorre sempre em há algo ou pessoa em estado adiantado de
decomposição. É conhecido pelo nome de fogo-fátuo, inflamações
espontâneas emanadas em virtude da enorme quantidade de gases que se desprendem
das ossadas dos animais dispersos pelos pampas.
São
estes fogos-fátuos desprendidos de lugares pantanosos, de coxilhas onde
encontramos animais decompostos, nas estrumadeiras, nos campos de folhagens
apodrecidas, os grandes geradores de tais lendas.
Este
mito não é exclusivamente aborígene, porque há nas lendas cosmogônicas dos
Fans da África a imagem de Mboya, representando na floresta um acham errante à
procura de Bingo, o filho a quem Nzamé atirara ao precipício. Existe também
no Maranhão, um mito mais aproximado do da tribo dos Fans do que do Boitatá.
É o que se conhece pelo nome de kuracanga. Quando uma mulher tem sete filhas, a
última vira kuracanga, isto é, a cabeça sai do corpo, à noite e, em forma de
bola de fogo, gira à toa pelos campos, apavorando a quem encontrar nessa
estranha vagabundeação. Há, porém, meio infalível de sustar-se esse
horrível fadário, é fazer com que a filha mais velha seja madrinha desta
caçula.

Está
na natureza de todos nós seres humanos projetarmos nossos medos em fantasmas ou
em criaturas que circundam nosso universo, nomeando-os e identificando-os.
Realmente nada é pior e mais terrificante do que o desconhecido, o invisível,
o inominável...
Todo
e qualquer tipo de monstro deve nascer para depois ser amordaçado, ou melhor,
deve ser reconhecido, pois na verdade, ele faz parte de nós. Essa estranha e
terrível faceta de nossa personalidade deve tomar corpo e vida.
"Todos
os dragões de nossa vida são talvez princesas que esperam ver-nos belos e
corajosos. Todas as coisas terrificantes não são talvez, mais que coisas sem
socorro que esperam que nós as socorramos."
SIMBOLISMO
A serpente troca de pele de tempo em tempos. Este ciclo de transformação
simboliza viver, morrer e renascer. Na Grécia a serpente é representada como
arco-íris. Ela simboliza o poder de cura. Duas serpente entrelaçadas num bastão
de madeira ou metal formam o caduceu, símbolo da paz. A serpente gera o fogo.
Essa energia atua no plano material, na paixão, na vitalidade e na procriação.
Nos mitos, a serpente é mediadora dos deuses e do conhecimento.
Mensagem: É o
momento de transformar pensamento, desejos e encararmos nossos medos para nos integrarmos com
o Todo.
Boitatá pode ser considerado um ser feérico que mescla o elemental do fogo com o
ar, já que adota a forma de uma luz que serpenteia no céu, atravessando a selva
em grande velocidade. Gosta de perseguir as pessoas e assustá-las com seu fogo
que não queima. Entretanto, pode trazer perigo para o homem, que ao fitá-lo nos
olhos, pode ficar cego.
Texto pesquisado e desenvolvido por
Rosane Volpatto
Bibliografia
Lendas do Sul - J. Simões Lopes Neto;
Martins Livreiro Editor;RS
Lendas do Rio Grande do Sul - Dante de
Laytano; Publicação n. 7, Comissão Estadual de Folclore do Rio Grande do Sul; RJ
Mitos e Lendas do Rio Grande do Sul -
Antonio Augusto Fagundes; Martins Livreiro Editor; 1992; RS
Cultura Cívica Brasileira - Gonçalves
Ribeiro
Amazônia - Gastão Bettencourt; Editora
Prodomo; Lisboa
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