O BEIJA-FLOR

O Brasil, não sem razão, é
chamado de paraíso das Aves. Abriga em torno de 1700 espécies, ao qual
corresponde a quase sexta parte de todas as do globo. Nenhuma parte do mundo,
nenhum outro país apresenta números iguais a estes. Pode-se supor, portanto,
que ocupam lugar importante nas idéias e fantasias da população e entram com
um contingente apreciável e adequado nos mitos, superstições e lendas do
povo.
A Ave impressiona pelas cores
vivas que apresenta. Um ser a que nada é inatingível, Senhor dos Ares, que
participa da rapidez do pensamento dos poetas, reveste-se também de caráter
extraordinário e religioso aos olhos mortais dos homens plantados à terra.
Não nos admira que na antiguidade se venerassem as aves como mensageiros dos
deuses que lhes anunciavam a vontade destes. Neste caso, o vôo dos pássaros
predispunha-os, então a encarnarem as relações entre o céu e a terra.
Mas, os pássaros simbolizam ainda,
os estados espirituais: os anjos, os seres superiores do ser e do pensamento. Os
pássaros azuis da literatura chinesa dos Hã, por exemplo, são fadas imortais, mensageiras
celestes.
Uma das aves mais lindas, é
sem dúvida, o rutilante Beija-flor, conhecido também sob o nome de colibri. A
família dos Beija-flores é muito numerosa, conhece-se hoje cerca de 330
espécies espalhadas pelos três continentes americanos. O Brasil possui cerca
de 150 espécies.

Entre todos seres vivos, é o
beija-flor o mais belo quanto a forma e o mais esplendido quanto a sua
coloração. A cor de todas as pedras preciosas acham-se aqui representadas,
assim como incandescentes, refulgentes, cintilantes, brilhantes são expressões
usadas para descrever esta obra prima da natureza. Leveza, ligeireza, agilidade,
graça e rico ornamento, de tudo foi dotado este pequeno pássaro. A esmeralda,
o rubi, o topázio cintilam em sua roupagem, que ele nunca suja com o pó da
terra, porque durante toda a sua vida etérea , dificilmente toca o chão,
permanecendo de flor em flor, e através de delicados beijos retira o néctar
que o alimenta. Também, parecem acompanhar o Sol, avançando e retirando-se no doce
bailado de uma eterna primavera.
Quem não pára para admirar,
ao perceber uma dessas amáveis criaturinhas quando rapidamente voa, zumbindo os
ares e segurando-se no espaço como por encanto, ou quando adeja de flor em
flor, brilhando como se fosse um fragmento do arco-íris?
Aqui no Rio Grande do Sul há
entre outras, uma
espécie de um modesto verde pardacento escuro pelo dorso e bico
vermelho-alaranjado, chama atenção por sua voz que lembra o estalo de um
beijo.

Os vôos febris dos
beija-flores são tão rápidos que aparece e desaparece num instante sem se
saber de onde veio e para onde foi. Os guaranis deram-lhes o nome significativo
de "guainumbi"que se pode derivar de "guai" e "aibi",
que passa de súbito, ou de: "guira" e "mimbig", pássaro
cintilante. Seus movimentos são dois, embora diversos, ambos exclusivamente
próprios deste originalíssimo volátil: um é como o esfuziar de uma bala, o
outro é pairar no ar, no mesmo lugar agitando com tanta velocidade as asa
parecendo que uma nuvem envolve seu pequeno corpo. Este movimento, produz a
impressão do mágico e explica as denominações e correlações que lhes
feitas, equiparando-os à fadas e gnomos.
Há uma lenda que diz que o
beija-flor era originalmente uma borboleta, que pouco a pouco foi vestindo-se de
penas, a princípio negras, depois cinzentas e logo rosadas e finalmente
douradas tão resplandecentes que no sol parecem um conjunto de todas as tintas.
Desta lenda decorre também que a idéia da teoria de descendência não é
nova.
O Beija-flor, ou Colibri
representou um papel importante no antigo México. Aqui é hora de salientar a
dimensão sobrenatural deste pequeno pássaro. Para os astecas, o colibri era,
um pássaro psicopompo, já que nesta forma, ou na de borboleta, é que as almas
dos guerreiros mortos desciam novamente para a terra. O beija-flor também era
considerado o autor do calor do sol.
Huitzilopochtli, o Mago
Colibri, o terrível deus da guerra da belicosa nação asteca, traz no
seu nome "opochtli" . Era considerado também um deus do fogo, da luz
ou do sol, por isso é que o xincoatl, a serpente inflamada do céu, figurava
como o "nagual" do deus da guerra e do deus do fogo. O mais curioso é
sua relação com o "huitzitzilin", o Beija-flor. Esta relação se
esprime antes de tudo pelo nome do deus que significa "opochli" do
Beija-flor ou o sinistro do Beija-flor. Opochli, não quer dizer outra coisa que
em frente de quem não há meio de se salvar.

Nas pinturas hieroglíficas
aparece o deus entre a boca aberta do "uitzitzilin", o Beija-flor.
Mas que tem a ver o terrível
deus da guerra dos astecas com a esbelta ave de cores brilhantes que beija as
flores? Os arqueólogos cogitam que as cores de brilho metálico dão ao
Beija-flor o aspecto de brasa, e de fato, diversas espécies têm o nome de
"tle-uitzlin", isto é, Beija-flor de cor de fogo. Não estaria em
relação com o elemento do fogo e assim com o deus do fogo?
Também o culto especial, que
renderam aos deuses do fogo em certas épocas distintas, se derivou da
convicção que a morte da natureza, ao tempo da seca, se deve ao elemento fogo,
sendo porém o reino dos deuses do fogo transitório, pois a morte da natureza
era seguida de seu renascimento. Ora o próprio Beija-flor na supersticiosa
convicção dos mexicanos, era o verdadeiro símbolo da morte e da
ressurreição.

"O Beija-flor", diz
Sahagum, "renova-se a cada ano. No tempo do inverno pendura-se nas árvores
pelo bico e lá pendurado seca e lhe caem a plumagem. Quando as árvores tornam
a reverdescer, começam a reviver e renascer suas penas e ao ouvir o trovão
antes da chuva então, acorda, voa e ressuscita".
Valde Cebro no seu
"Governo das aves", afirma que na entrada do inverno o Beija-flor
busca um lugar abrigado e metendo os pés e o bico num orifício da árvore,
passa toda a estação dormindo.
No México os Montezumas
encarregavam a certos superintendentes que na época do sono dos Beija-flores os
deplumassem para tecerem com seus fios de ouro. Até a primavera cresceriam
outras plumas e com elas saem para compensar sua hibernada de seis meses.

"O Beja-flor", fala
Pe. Duran, "seis meses do ano está morto e nos outros seis está vivo.
Quando sente que está chegando o inverno, procura uma árvore frondosa que
nunca perde as folhas e com instinto natural acha uma fenda e põe-se em raminho
junto aquela fenda e intromete nela o bico quanto pode e está lá seis meses do
ano, quanto dura o inverno, sustentando-se só da virtude daquela árvore, como
morto. Vindo a primavera, recobrando a árvore nova força e criando folhas
novas, o passarinho, ajudado pela virtude da árvore, torna a ressuscitar e sai
dali a criar e é por isso que os índios dizem que morre e ressuscita."

Vê-se que esta crença era
geral, pois aparece representada entre os Astecas, que acreditavam que seus
guerreiros mortos, passados um período de 4 anos (onde acompanhavam o
Sol), se transformavam em diversas espécies de aves de rica plumagem e cores
brilhantes, que iam aspirar o suco das flores no céu com os "tzintones",
isto é, os Beija-flores da terra.
Outro motivo para relacionar o
Beija-flor com o deus da guerra, parece achar-se na índole desta ave. Pois, é
de se admirar a energia armazenada neste pequeno ser. Todo o dia em constante
movimento, sempre inquieto nunca lhe permite repouso prolongado. Com essa
acumulação de forças e seu temperamento energético, coube-lhe também um
gênio brigão. O encontro de dois machos é motivo de luta, que em certas
ocasiões é travada com tanto encarniçamento que no meio da briga rolam pelo
chão, ou disparam ao ar como duas faíscas que se levantam rápidas da forja.

A coragem e ousadia de seu
ataque e o desprezo da morte com que se atira até sobre aves rapinas, explicam
o pensar dos Mexicanos (astecas), que visualizam relações de parentescos entre
essa verdadeira flecha de batalha e o deus de guerra: Huitzilopochtli.
É o Beija-flor uma das aves
mais graciosas e lindas da avifauna. Tudo na vida destas aves é curioso, sua
biologia, seus hábitos, sua desmedida bravura, a singularidade de seu vôo, a
arte de construção de seu ninho, entre tantas outras coisas. Todas estas
qualidades e virtudes, chamaram a atenção dos indígenas, que para
explicá-las criaram muitas e muitas lendas incas, astecas, tupis e
guaranis....para o nosso total regozijo.

Texto pesquisado e
desenvolvido por
Rosane Volpatto

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