Nós, os homens, antropomorficamente, interpretamos as vozes dos animais.
As aves, como mais palradoras, já forneceram vasto material para estas
interpretações, dando motivo a lendas e histórias que o folclore registra.
Muito curiosa é a interpretação do que dizem as aves, que varia, por
vezes, de ouvido para ouvido, de povo para povo, de língua para língua,
falando a mesma ave o nheengatu, o guarani, o português, o espanhol e até o
inglês.
O nosso tão conhecido bem-te-vi (tyrannus sulfuratus), por exemplo, deve
seu nome àquela palavra que ele diz com estridência e clareza. Clareza para
os nossos ouvidos, pois os tupis ouviam-no dizer, com nitidez, "neinei", e os
guaranis "puitanúa" e os habitantes da guiana francesa: "qu'est-ce, qu'il dit?".
Já os argentinos afirmam que ele profere "bichofeo" e os fluminenses escutam
ele dizer "tempo quer vir". Não há maior prova do quanto de imaginação aqui
entra!

Outras aves se conhecem que pronunciam seu nome. Uma é o "Opacaá", uma ave
aquática que com majestade caminha pelas margens dos rios e lagoas repetindo
com entôo: opacaá, opacaá, que quer dizer: "já acabou a erva!"; Opacaá
significa de fato em guarani: acabou a erva-mate.
Outro falador é o Tahan (chauna cahavaria), que é também um agoreiro e
chamam-no de sentinela. Literatos da Argentina o chamam de "ave literária",
pois não se pode fazer uma descrição fiel dos pampas sem entrar em cena o
Tahan. A sua cor é escuro-cinzenta e um colarinho de penas brancas cinge-lhe
o colo. As asas são armadas de um esporão vermelho, duro e forte com que se
defende. Vive em bandos. Seu canto ouve-se de longe: "Tahan! Tahan!", que
quer dizer: "Vamos! Vamos!". Estas aves velam pela noite e ao sentirem o
ruído de gente, começam a cantar. E quem conhece esta propriedade do Tahan
logo que ouve seu canto, prepara-se para não ser surpreendido.

Também muito curiosas são as conversas dos chupins quando se reúnem em
bando, em uma festança musicada. Num bailarico, acompanhado de muita
cantoria, o povo ouve dizerem us para os outros: "Primo com primo pode casá"
e logo o bando inteiro cai no estribilho: "Então casa, casa, casa, já".
Uma cantadora da Nova Inglaterra, que do setentrião do Continente vem ao
Brasil, onde é conhecido pelo nome tristepia, entre nós não diz nada que se
entenda, mas lá na sua terra fala corretamente o inglês.
Dios-te-dê é o nome que deram no alto Rio Negro a uma espécie de tucano,
que pronuncia-o com gestos algocômicos.

Segundo uma velha tradição, conta-se que já houve uma idade, sob o reino
de Saturno que animais e homens falavam a mesma língua...Que pena que este
tempo não possa mais voltar, muito embora o profeta Isaías, nos aponte uma
nova idade do ouro "em que o lobo há de habitar com o cordeiro e a pantera
deitar-se-á com o cabrito, o leão novo e o gado que anda na pastagem estarão
juntos e uma simples criança os conduzirá. A vaca e a ursa terão o mesmo
pasto, seus filhos o mesmo curral e o leão, como o boi, passará a comer
palha. O menino desmamado porá sem dificuldade a mão na caverna do basilisco".
Ditoso tempo, mas não sei como o leão receberá a mudança de regime.....
Devemos nos regozijar com tantas histórias que ficaram na memória do povo
e a tradição oral, como um córrego que vem do infinito do tempo, perpetuou,
até a tradição escrita, os dramas e comédias de nossos bichos que o folclore
hoje registra. Ouçamos então, os recontos do folclore a propósito da bichara
que viveu e ainda vive nas terras do nosso querido Brasil!

Texto pesquisado e desenvolvido por
Rosane Volpatto