LENDA DA SERRA DO ACABA MUNDO

Podemos falar que foi no Rio Jequitinhonha que se
descobriu o diamante. Ao mesmo tempo, foram suas
auríferas as quais contribuíram para abarrotar as
arcas portuguesas.
Muitas são as serras: Serra do Batuque, Serra do
Isidoro, Serra do Portão de Ferro, que ora se
aproximando, ora se distanciando da cidade de
Diamantina, circundam esse rio e formam seus
vales, que tamanha atração exerceram sobre os
aventureiros do passado. Mas nenhuma dessas serras
garimpeiras têm histórias tão espantosas como a do
Acaba-Mundo, no vale do cafundó, distante de
Diamantina cerca de vinte quilômetros, na direção
do Pico do Itambé.
Nesse local, chamado Poção do Moreira, o Rio
Jequitinhonha corre espremido entre rochedos; seu
leito é constituído de grandes blocos de pedra a
que os garimpeiros dão o nome de emburrado.
Em 1768, João Fernandes de Oliveira, Antônio dos
Santos Pinto e Domingos de Bastos Viana tinham
arrematado o Quinto Contrato de diamantes e deram
início a uma grande garimpagem. Mas o rio era
caudaloso e para garimpar-se em seu leito
tornou-se necessário secá-lo.
Para secar o leito de um rio, os garimpeiros, a
exemplo de seus antepassados, usavam três maneiras
diferentes: cavavam um canal paralelo ao rio, é o
mesmo cercado e as águas passam a correr no leito
do canal; quando a natureza arenosa da margem do
rio não permite tal providência, constroem os
garimpeiros um aterro no sentido longitudinal da
correnteza, obrigando o rio a recuar para uma das
suas margens, ficando seu antigo leito, pelo menos
em dois terços, seco e pronto para ser lavrado;
finalmente, quando o rio corre entre os rochedos
altos e abruptos, como no caso em questão, a única
solução de que dispõem os garimpeiros é a
construção de um bicame.

Então, os garimpeiros construíram um enorme bicame
de madeira, isto é, um vasto cocho de tábuas que
fica suspenso vários metros acima do leito do rio.
Assim, as águas encurraladas deixam o álveo e
passam a correr pelo citado bicame, permitindo que
se lavre e se faça a cateação do cascalho.
Um bicame de mais de cem metros de comprimento por
alguns metros de largura, todo construído de
madeira, foi levantado naquele trecho da serra.
Apoiado em andaime de troncos de madeiras e
pedras, a enorme bica erguia-se bem alto sobre o
abismo, no fundo do qual, rolavam as águas do
Jequitinhonha.
Enquanto alguns escravos se ocupavam em mover as
rústicas bombas para enxugar de todo o leito do
rio desviado, outros negros em número de duzentos
ou mais, assim como garimpeiros assalariados,
trabalhavam lá embaixo, tendo sobre as cabeças o
Jequitinhonha precariamente canalizado.
Certa vez, uma das juntas do bicame começou a
vedar água. O administrador chamou o carapina e
ordenou-lhe que subisse na caranguejola a fim de
remediar o perigoso vazamento. Segundo se deduz, o
artífice estava bêbado. Viu uma cunha solta,
ergueu quanto pode o pesado martelo e desferiu o
golpe. Mas errou. E foi tal a violência, que todo
o bicame arriou fragorosamente sobre o rio seco e
cascalhado onde, arcados quase nus, trabalhavam os
homens. Conta-se que cerca de vinte negros
morreram soterrados ou afogados nessa espantosa
catástrofe.

Hoje, decorridos tantos anos, ainda ecoa na
imaginação da gente simples da região, o clamor e
os lamentos de tantos homens sacrificados nos
garimpos do Acaba - Mundo. Ao passarem por aqueles
lugares, os trabalhadores das lavras,
particularmente os negros, benzem-se e não raro
murmuram entre os dentes: Te esconjuro,
Acaba-Mundo!
Quando os trabalhos de garimpo eram difíceis e o
diamante demorava a aparecer no fundo da bateia ou
das peneiras, a proteção das almas vítimas do
Acaba-Mundo era pedida pelos garimpeiros.
Na vizinhança da Mata dos Crioulos, que outrora
era esconderijo dos negros fugidos das Senzalas,
existe uma bela cachoeira do Jequitinhonha Preto.

O som de suas águas, que despencam de uma grande
altura a ponto de produzir uma neblina perene, é
levado a longas distâncias pelo vento, através dos
garimpos. Não raro, em pleno dia, um lavrador de
cascalho abandona a sua bateia ou o seu jogo de
peneiras e volta correndo para o rancho. É o som
da queda d` água que tem o nome de Cachoeira do
Encantado. Se lhe perguntam porque fugiu, responde
que aquele cantochão nada mais é que o queixume
dos negros mortos, há séculos, na tragédia do
Acaba-Mundo. 'É o sinal de que seus espíritos
estão correndo as lavras. Quem teimar em cavar e
lavar o cascalho mesmo que encontre um diamante, e
o dando, se encanta e desaparece!'
C. Carvalho Negraes: "A Serra do Acaba-Mundo".
"Shopping News", São Paulo, 3 de julho de 1960.

Ponte
do Acaba Mundo:

Ponte situada próxima ao distrito de Extração,
construída na década de 30, no local onde se
encontram os Rios Jequitinhonha Preto e
Jequitinhonha Branco. Esta ponte foi construída
com o objetivo de facilitar o acesso de tropeiros
oriundos das regiões do leste mineiro para
Diamantina.

O
GARIMPEIRO

A denominação
- garimpeiro - veio de um vocábulo pejorativo - Grimpeiro.
Os grimpeiros subiam as grimpas no passado, fugindo ao
fisco. Eram os grimpeiros, mais tarde garimpeiros. O nome hoje não
tem mais o sentido pejorativo. É o nome de homens arrojados que
lutam na extração de pedras preciosas, ou de ouro, nos terrenos
de aluvião ou quebrando cascalhos para a busca de metais preciosos.
O garimpeiro muda a fisionomia da paisagem em que trabalha,
por causa dos desmontes. A técnica extrativa ainda é muito
primária. Muitos garimpeiros são explorados. Pagam taxas
altas. Quando não tem ferramentas nem capital recorrem ao meia-praça,
pessoa que financia e fica com 50% do que é encontrado. Existe também
o sistema de sujeição: picuá-preso, a pessoa
que faz o empréstimo tem o direito da "primeira vista", de escolher
o que quiser e pagar o preço que impuser.

Faiscação: é o termo usado na procura
de ouro nos cursos d'água ou nas areias que faiscam à luz
do sol, nos bicames (calhas) de madeira, que trazem na água as areias
auríferas para os decantadores.
Os instrumentos usados são: batéias, pás,
bicames, peneiras, canoas pequenas, agitadores, etc.
"O
garimpeiro é como o jogador; sua esperança está
sempre no seio da grupiara, como a do jogador nas
cartas do baralho, nos dados ou no tabuleiro verde
do bilhar; isto é, sua felicidade dorme na urna do
acaso, de onde as mais das vezes nunca sai. Por
mais que sejam os reveses com que a fortuna os
maltrate, por mais que os repila e os calque aos
pés, esses cegos e pertinazes amantes estão sempre
de rojo a mendigar favores aos pés daquela cruel e
caprichosa amásia (...) só o jogo, o testamento ou
o garimpo nos podem tornar ricos de um dia para
outro”. Bernardo Guimarães

O
DIAMANTE

O
diamante foi alvo de atenções especiais e
chegou a moldar a fisionomia de uma área, o
Distrito Diamantino. No entanto, as mesmas
distorções observadas no sistema de exploração do
ouro repetiram-se com o diamante. Minas Gerais era
a área mais sacrificada do Brasil, e o Distrito
Diamantino a mais sacrificada de Minas Gerais.
Formava quase uma unidade, ligada à coroa, sem
maior dependência ao governo de Minas Gerais ou
mesmo ao Estado do Brasil, o que deu origem a
atritos de jurisdição. Essas disputas, as
vicissitudes dos contratadores e depois a Real
Extração - monopólio metropolitano da mineração de
diamantes que impôs grandes sacrifícios ao povo -
constituem a dura história da famosa área, que
conservou suas peculiaridades até 1832.
Durante curto mas brilhante período da história da
economia mineira, a produção de diamantes e pedras
preciosas tornou-se a atividade principal.
Graças à exploração de jazidas diamantíferas da
região, Diamantina (antigo arraial do Tijuco) se
transformou na segunda cidade da capitania em
importância econômica e social. Nela floresceu uma
sociedade de bom nível intelectual e hábitos
europeus - fenômeno surpreendente naqueles então
áridos sertões. A abundância de pedras preciosas e
a facilidade de escondê-las foram motivo de muita
preocupação para a corte portuguesa.

A
economia de Minas Gerais atingira uma renda alta,
criara riquezas, mas foi conduzida à estagnação e
mesmo à contração. Nas últimas décadas do século
XVIII os achados tornaram-se raros e a penúria
geral. Com o esgotamento progressivo das jazidas,
deu-se em relação ao diamante o mesmo que ocorrera
ao ouro: faltaram os instrumentos necessários à
exploração das camadas mais profundas do solo. A
população entregou-se às atividades de
subsistência ou foi fugindo aos poucos do núcleo
central, para ocupar os vazios entre esse núcleo,
o Rio de Janeiro e São Paulo.
O
Brasil já foi o maior produtor mundial de
diamantes entre os séculos XVIII e XIX. Com o
declínio da exploração artesanal em Minas Gerais,
o país perdeu posição para os grandes produtores
africanos, da De Beers. Hoje, o Brasil exporta
apenas R$ 60 milhões por ano.


 

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