
O Lago dos Cachorros (Lenda
Caiapó)
Em
tempos muito remotos, os índios
possuíam apenas cachorros pequenos. Foi durante uma caçada que os
Caiapós chegaram até o lago dos cachorros. Lá encontraram cachorros
enormes, que na verdade, eram jaguares. Entraram em luta corporal com os
animais, com intuito de capturá-los. Só um dos Caiapós conseguiu
pegar um filhote do cachorro-gigante, que, no entanto, era mais forte
que o homem e o devorou. Seu companheiro, apavorado, voltou para a
aldeia e contou a todos que haviam encontrado o lago dos cachorros e como
aconteceu aquela desgraça terrível.
Mais que depressa, os homens
partiram para o tal lago, cheios de curiosidade e gosto pela aventura.
De fato, conseguiram encontrar na floresta um dos filhos de um
cachorro-gigante. Levaram-no para a aldeia, onde domesticaram e criaram.
No lago dos cachorros ainda restavam muitos, muitos daqueles
cachorros-gigantes.
Na aldeia, o filhote do
cachorro cresceu e misturou-se aos cachorros pequenos que lá estavam.
Desde então, os índios também têm seus cachorros grandes.
CÃO....ANJO OU DEMÔNIO?
Para os seres humanos, não
existem animais mais conhecidos e queridos do que os cães. Esta relação
física e emocional adquire maior importância na medida em que as
cidades urbanas perdem o contato com o mundo instintivo. A terapia
emocional de conviver com um cão domesticado não é um descobrimento
da psicologia moderna, mas sim algo que a humanidade sabe desde milênios.
No mundo antigo, em que a morte
era onipresente, se considerava os cães guias como companheiros
adequados não só durante a vida, mas também no mundo dos espíritos,
em virtude de possuírem seus sentidos mais aguçados, lhes permitindo
reparar em coisas que estão fora do alcance limitado da percepção.
O cão foi assim, associado
quase que universalmente à morte e aos Infernos, ao escuro mundo
inferior, às regiões invisíveis regidas pelas divindades ctônicas ou
lunares. O simbolismo complexo desse animal, liga-se à trilogia simbólica
Terra-Água-Lua, que se refere a uma significação oculta, feminina,
sexual, divinatória.
Entre os astecas, Xolotl
(deus que se manifesta na forma de um cão disforme, com as patas
voltadas para trás) era tido como aquele que abaixava a cortina da
noite. Tinha um olho vazado, marcas das privações suportadas. Os
mexicanos criavam cães cuja função era guiar os defuntos no além.
Enterravam com o cadáver um "cão da cor do leão" (do Sol),
o qual devia acompanhar a alma do morto, como Xolotl (deus-cão) havia
acompanhado o Sol durante sua estada sob a terra. Às vezes o cão era
sacrificado sobre a sepultura de seu dono, para ajudá-lo, no fim de sua
longa viagem depois da morte, a atravessar os nove rios que protegiam o
acesso à "morada eterna dos mortos, Chocomemictlan, o nono céu".
Na Pérsia e na Bactriana, os
mortos, os doentes e os velhos eram atirados aos cães. Em Bombaim, os parses
põem um cão ao lado do morimbundo, para que o homem e o animal se
olhem nos olhos. Quando uma mulher morre de parto, põem-se dois cães,
de modo a assegurar a viagem da alma da mulher e a alma do filho.
Entre os ibos do leste da Nigéria,
o deus Chuku (“Grande Espírito”) enviou o cão para trazer aos
humanos o segredo da ressurreição: devia-se estender o corpo do defunto
sobre o solo e cobri-lo de cinzas, assim o morto ressuscitaria. Mas o cão
se atrasou, e Chuku enviou um segundo mensageiro, um carneiro. Este se
deteve no caminho para comer e, quando chegou entre os homens, já não
lembrava muito bem da mensagem e em vez de dizer aos humanos que
estendessem o morto e o cobrissem de cinzas, aconselhou-os a enterrá-lo.
Quando o cão finalmente chegou, ninguém mais quis ouvi-lo, pois o primeiro
morto já havia sido enterrado. Foi assim que a morte entrou no mundo.
Na
mitologia grega, o cão Cérbero guarda os Infernos, impedindo que os
mortos saiam e os vivos entrem. Nos textos mais antigos, Cérbero
saudava os que
entravam nos Infernos com sua cauda que era uma serpente e devorava os
que procuravam fugir. Para aplaca-lo era costume colocar um bolo de mel
no caixão.
Cérbero
foi vencido por Hércules. Zachary Grey, escritor inglês, do século
XVIII, interpretou o mito da seguinte forma:
“Esse cão
de três cabeças indica o passado, o presente e o futuro, que recebem
e, devoram todas as coisas. Que ele tenha sido vencido por Hércules
prova que as ações heróicas são vitoriosas contra o tempo e subsistem
na Memória da Posteridade”.

Antepassado mítico, o cão
é visto às vezes nas manchas da Lua, motivo pelo qual, à semelhança
de outros animais lunares, é considerado antepassado ou herói libidinoso.
Essa conotação se encontra nele entre os bambaras do Mali, os quais comparam
o cão ao falo e empregam às vezes o termo "cão" para designá-lo.
Os denês da América setentrional atribuem a origem do homem às relações
sexuais de uma mulher com um cão Para os astecas, o deus-cão Xolotl
roubou do mundo infernal os ossos com os quais os deuses formaram a nova
humanidade.
Na China,
T’ien-K’uan (o Cão Celeste) é tempestade e meteoro: produz o ruído
do trovão e a luz do relâmpago. É vermelho como o fogo, é inimigo do
mocho demoníaco e anunciador da guerra. As tradições chinesas antigas
representavam o caos como um enorme cão de pêlos longos. Esse cão
tinha olhos, mas não via; tinha orelhas, mas não ouvia; não tinha as
cinco vísceras, mas vivia.
Encontramos
semelhante concepção na Ásia Central. Assim, entre alguns tártaros,
o cão, deixando-se subornar pelo Diabo, traiu Deus e provocou a queda
do homem. Para os iacutos, o cão deixou o Demônio manchar as
“imagens” que Deus lhe confiara. As lendas dos ribeirinhos do Volga,
aparentados com os fineses, narram que o cão, originalmente sem pele,
recebeu-a do Diabo, em pagamento de sua traição.
Segundo
Jean-Paul Roux, a dualidade do símbolo do cão, entre os povos da Ásia,
para os quais ele é espírito protetor e benéfico e, ao mesmo tempo,
um suporte da maldição divina, faz dele o “anjo caído” por excelência.
No folclore
britânico, fala-se muito sobre cães negros maléficos identificados
com o Diabo e que abundam da Cornualha à Escócia. Segundo a lenda,
seus olhos flamejantes provocam queimaduras e produzem descargas elétricas
que atravessam paredes ou massas sólidas e explodem em bolas de fogo.
Muitas vezes são vistos perto dos sítios pré-históricos, das pontes
e das igrejas.
Na porta da
igreja de Blythburgh (Suffolk), ainda se vêem marcas das queimaduras
que seriam vestígios de garras deixadas por um desses misteriosos cães
negros, no dia 4 de agosto de 1577, quando fugia, depois de ter
aparecido na igreja durante uma tempestade e ter matado dois fiéis.
Familiar do
invisível, o cão não se contenta com transportar ou encarnar as
almas, mas também é o intercessor entre o nosso mundo e o outro, como
atestam numerosas práticas divinatórias, particularmente na África e
na Sibéria.
Ele tem
ainda, papel de antepassado mítico em várias tradições. Com o lobo,
é a origem de várias dinastias turcas e mongóis.


Texto
pesquisado e desenvolvido por
Rosane
Volpatto

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