~*~JURITI, A MÃE DOS RIOS~*~

JURITI, A MÃE DOS RIOS

 

 

Há aquele velho e gasto ditado: "quem conta um conto aumenta um ponto", mas aqui na Amazônia do nosso Brasil, as lendas continuam sendo perpetuadas de gerações para gerações sem ter perdido seu sabor original e seu conteúdo. O exercício da palavra, a oralidade, trouxe até nossos dias, com riqueza de detalhes, na fala simples do caboclo amazônico, todas essas estórias, que hoje tomam um sentido especial e devem ser contadas com a maior seriedade.

 

Todas as lendas e estórias contadas sobre a imensurável Amazônia lhe garante o sabor local e imprimem à paisagem e aos personagens personalidade genuína. Nesse universo, os bichos falam imitando a voz humana e todos nascem, crescem e morrem, envolvidos pelo mesmo panorama de magnitude fantástica, que criou um mundo à parte, a "Terra da Promissão'.

 

 

LENDA

 

A origem dos rios Xingu e Amazonas também faz parte do imaginário indígena, conforme lenda abaixo:

 

“Dizem que antigamente era tudo seco.

 Juruna morava dentro do mato e não tinha água nem rio. Juriti era a dona da água, que a guardava em três tambores.


Os filhos de Cinaã estavam com sede e foram pedir água para o passarinho, que não deu e disse:

 

-"Seu pai é Pajé muito grande, porque não dá água para vocês?"

 

 Aí voltaram para casa chorando muito. Cinaã perguntou porque estavam chorando e eles contaram.


Cinaã disse para eles não irem mais lá que era perigoso, tinha peixe dentro dos tambores. Mas eles foram assim mesmo e quebraram os tambores. Quando a água saiu, Juriti virou bicho. Os irmãos pularam longe, mas o peixe grande que estava lá dentro engoliu Rubiatá (um dos irmãos) , que ficou com as pernas fora da boca.


Os outros dois irmãos começaram a correr e foram fazendo rios e cachoeiras. O peixe grande foi atrás levando água e fazendo o rio Xingu. Continuaram até chegar no Amazonas. Lá os irmãos pegaram Rubiatá, que estava morto. Cortaram suas pernas, pegaram o sangue e sopraram. Rubiatá virou gente novamente. Depois eles sopraram a água lá no Amazonas e o rio ficou muito largo. Voltaram para casa e disseram que haviam quebrado os tambores e que agora teriam água por toda a vida para beber.”

 

 

 

Na lenda, como podemos constatar que a juriti é a guardiã do elemento água, encarnando desse modo, o inconsciente coletivo, que é acolhido ou ignorado pela consciência. Mas, para a continuidade da vida a água é necessária e portanto, os tambores do inconsciente deveriam ser quebrados, para que a água escoe e reapareça depois em uma configuração completamente nova: na forma de rios. Com essa nova aparência, ela tornou-se disponível para todos, garantindo a perpetuação dos seres vivos.

 

Essa é a responsabilidade da ave guardadora, nos dizer o que está acontecendo em nós, no nosso inconsciente. O ponto de encontro entre o externo e o interno acontece com a quebra dos tambores e o aparecimento de nossa psique individual. Realmente é difícil de aceitar esse nível de responsabilidade espiritual, que é árduo, e dar atenção ao aparecimento de um novo mito, que vem vindo de baixo, debaixo da história, debaixo da cultura, debaixo da consciência. Entretanto, essa é a nossa tarefa!

 

 

O vício de olharmos só para fora, não nos dará a oportunidade de deixarmos a água escoar e criar novas vidas, ou novas mordidas de claridade em florestas que estão completamente escuras e vazias. Os cursos de água interiores, sedentos de luz, guardam em seu seio virgem aspectos de tal modo variados e múltiplos, que são totalmente desconhecidos para nós. Esse universo ou terra nova, com o beijo fecundo da luz da consciência, reunirá as condições propícias para a germinação de novas sementes.

 Infelizmente, ficamos aterrorizados de olhar para dentro de nós mesmos, porque nossa cultura não nos deu a menor idéia do que iremos encontrar. Podemos até pensar que, se tomarmos essa atitude, corremos o risco de ficarmos loucos, mas essa falsa idéia, não passa de uma armadilha que impede a descoberta da nossa verdadeira natureza.

 

 

JURITI, A AVE

Juruti ou "juriti", é uma ave da família Peristerídeos, gênero Leptotila, que diferem das pombas chamadas "rolas" por não terem manchas metálicas nas asas e além disto a primeira pena rêmige da mão é atenuada. São ainda "jurutis", porém com o qualificativo "pirangas", isto é, vermelhas, as espécies do gênero Geotrygon, as quais de fato se distinguem pelo lindo colorido roxo-purpúreo do pescoço posterior e do dorso.

Em tamanho as jurutis são intermediárias entre as pombas e as rolas. No Brasil meridional há duas jurutis Leptotila reichenbachi, cujo colorido é o seguinte: dorso bruno averinelhado, frente e garganta alvacentas, vértice cinzento, pescoço e peito roxos, barriga branca; L. ochroptera difere da precedente por ter o dorso pardo-cinzento e a nuca e o pescoço posterior tem brilho metálico, verde furta-côr. Da Bahia para o Norte há uma outra juruti, L. rufaxilla, aliás pouco diferente.

Como o bem-te-vi e a araponga, a juriti é também uma das aves muito conhecidas em regiões onde ainda haja passaredo. De manhã cedo gosta de vagar pelos trilhos da capoeira ou mata rasteira, pois é aí que encontra seu almoço, seja uma semente, um inseto ou um verme. Sua voz é um ru-gu-gu-gu-hu melancólico como que soprado e no entanto audível a grande distância. É considerada boa caça, mas para surpreendê-la é preciso andar cauteloso à sua procura, pois em geral ela foge logo, e só se ouve o bater das asas por entre as moitas.

(JURUTI-PEPENA) - Na Amazônia designa uma pomba mística, encantada, que paralisa as suas vítimas (em tupi "pepena" - aquele que faz quebrar, torna paralítico).

J. Veríssimo, em Cenas da Vida Amazônica, pág. 64 diz:

"uma ave fantástica, que canta perto de vós e não a vêdes,

que está talvez à vossa cabeceira e a não sentis;

ouvireis o pio lúgubre da ave,

sem que possais jamais descobri-la."

 

 

Isto é para os índios objeto de grande terror, a ponto de não consentirem que se fale no Juriti-pepena com menosprezo. 

Dizem ainda que, por arte da magia, pode ser transformada em amuleto. Essa crença tem origem numa lenda indígena, na qual a filha do pajé foi abandonada pelo amante, em troca de outra donzela. Tão grande foi a desilusão e de tal forma ficou ferido o coração da jovem desprezada, que esta não resistiu à dor da separação e faleceu. O pajé, pai da infeliz, transformou-a na juruti, e no local onde foi enterrada surgiu uma planta que encerrava a alma da desditosa e apaixonada criatura e imitava o pio lamentoso da juruti. Essa planta, empregada em sortilégios do amor, enfeitiça os amantes traidores, que passam a ser perseguidos pelo piar da ave, até que se cumpra a maldição, isto é, até que aquele que trocou de amores fique inválido, paralítico.

 

JURUTI-PIRANGA "j.-vermelha" ou "vevuia" - Do gênero Geotrygon, que difere de Leptotila, como já foi dito sob juruti, por não ter a primeira rêmige atenuada. G. montana é de todo o Brasil e estende-se também até o México; G. violácea, que só ocorre de São Paulo para o Norte, lhe é semelhante, mas o lado ventral é mais branco e o colorido do dorso mais vivo.

É pomba que pouco voa e que constantemente vemos catando seu alimento no chão, ao mesmo tempo que se distrai cantando, se assim se puder qualificar seu monótono ñ-ñ-ñ inteiramente nasal e um tanto prolongado; só o macho muda um pouco de voz, quando arrula.

Geralmente, pombos, pombas possuem características que universalmente os transformaram em símbolo da alma. E é por isso, que sua representação aparecem em algumas urnas funerárias gregas, bebendo em um vaso que simboliza a fonte da memória. Simbólica semelhante se encontra no cristianismo na narração do martírio de São Policarpo, na qual a alma é representada por uma pomba saindo do corpo do santo depois de sua morte.

“À medida que a alma se aproxima da luz, escreve Jean Daniélou,citando Gregório de Nissa, torna-se bela e toma, na luz, a forma de pomba.”

Também, nos contos de fada, graciosas rolas e ágeis pombos são atrelados aos carros de belas princesas que vão ao encontro de seus príncipes encantados. Essa imagem encantadora e ingênua traduz perfeitamente a valorização constante do simbolismo deste pássaro. Portanto, quando o namorado chama sua amada de “pombinha”, não falta com a tradição, já que este termo está entre as metáforas mais universais que celebram a mulher.

Texto pesquisado e desenvolvido por

Rosane Volpatto

Bibliografia:

Lendas do Rio Grande do Sul - Dante Laytano