MAUÉ, OS FILHOS DO GUARANÁ

Desde dos primeiros dias da História da Amazônia, foram os índios incorporados aos movimentos cíclicos de sua evolução pela brutalidade, ignorância e cupidez dos colonizadores obéricos, senão à vista da política espoliativa, traçada pelos soberanos de Portugal e Espanha, para ser executada por seus delegados nem sempre à altura da incumbência recebida.

Os índios Maué figuraram na coluna dita dos incorporados. Mas vamos conhecer um pouco mais de sua história...

 

Desde 1969, viviam os índios Maué, ao sul da ilha de Tupinambaras, mas viajantes e catequistas, a cujas preciosas informações Curt Nimuendaju recorreu, apontam representantes dessa tribo em vários sítios no Tapajós, Andirá, Maué-Açu, Abacaxi, Mataurá e até no rio Guamá, próximo a Belém.

Vindo do alto do rio Madeira, em 1939, Nimuendaju, descreveu a região para nossa curiosidade: " a vegetação nela dominante é agressiva e heterogênea, o terreno acidentadíssimo, acontecendo que, em grandes trechos, faltava água e a caça era rara". E nos afirmou ainda, que grupos de índios Maué poderiam ser encontrados sem nenhum contato com os civilizados.

 

As opiniões acerca do caráter dos Maué são discordantes e discutíveis, através dos contatos iniciais que com eles tiveram os missionários e, posteriormente, os viajantes e naturalistas.

 

Plantadores seculares de Guaraná, cujas sementes, depois de torradas, quer na forma de pequenos bastões, quer na de pequenos pães, representavam um produto tradicional da tribo e de comércio com os outros povos, eram inevitáveis os choques de interesse entre os portugueses e os índios, choques que se foram multiplicando à proporção que, procedentes de Cuiabá, os mato-grossenses começaram a adquirir dos estoques daquela admirável e miraculosa droga-do-sertão, bem mais valiosa para eles do que o Anil, o Cravo e a Preciosa, oferecido pelos colonos portugueses.

 

Seu amor pela terra, onde se entregavam à plantação de Guaraná, se exaltou quando do movimento nacionalista da Cabanagem, com os heróis parenses Angelim e Vinagre à frente, pois há notícia de que os índios Maué engrossaram as tropas de Barará, Pedro Sanchez de Brito, João Valente de Couto e José Coelho de Miranda Leão. E ainda que, se teriam bandeado para o lado dos Cabanos assim que estes lhes explicaram, é de aceita-se, a finalidade do movimento político-social que estenderam do Pará às margens do rio Madeira.

Suas aldeias ficavam localizadas às margens dos rios, igarapés e lagos por onde os Cabanos tinham obrigatoriamente de cruzar, no rumo do vale do rio Madeira.

 

Os índios Maué viviam entregues à cultura do Guaraná, à caça, à pesca ,à cestaria, à cerâmica e ao fabrico de redes de algodão.

 

 

ESTÓRIA DO GUARANÁ (Versão contada por Nunes Pereira)

 

    "Antigamente, contam, existiam três irmãos: Ocumáató, Icuamã e Onhiámuáçabê.
    Onhiámuáçabê era dona do Noçoquem, um lugar encantado no qual ela havia plantado uma castanheira.
    A jovem não tinha marido; porém todos os animais da selva queria viver com ela.

     


    Os irmãos, ao mesmo tempo, a queriam sempre em sua companhia, porque era ela quem conhecia todas as plantas com que preparava os remédios de que precisavam.


    Uma cobrinha, conversando com outros animais, certa vez, disse que Onhiámuáçabê acabaria sendo sua espil;abê acabaria sendo sua esposa.
    Foi então espalhar pelo caminho por onde ela passava todos os dias um perfume que alegrava e seduzia.
    Quando Onhiámuáçabê passou pelo caminho, aspirando o perfume disse:


    - Que perfume agradável!


    A cobrinha, que estava próxima, disse a si mesma:
    Eu não dizia? Ela gosta de mim!
    E, correndo, foi estirar-se mais adiante para esperar a moça.
    Ao passar ao seu lado, tocou-a, levemente, numa das pernas.
    E isto só bastou para que a moça ficasse prenhe, porque antigamente, uma mulher, para que isso acontecesse, bastava ser olhada por alguém, homem, animal, ou árvore, que a desejasse como esposa.

     


    Porém os irmãos de Onhiámuáçabê não queriam que ela se casasse com gente, animal, ou árvore que tivesse filhos, porque era ela quem conhecia todas as plantas com que preparava os remédios de que precisavam.
    Por isto, quando a moça apareceu prenhe, os irmãos ficaram furiosos. E falaram, falaram e falaram, dizendo que não queriam vê-la com filho.

     


    Chegou o dia do nascimento da criança.
    A moça, depois do parto, no barracão feito por ela mesma, lavou a criança e tratou de criá-la.
    Era um menino bonito e forte; e cresceu forte e bonito até a idade de faté, a idade de falar.
    Logo que pôde falar, o menino desejou comer as mesmas frutas de que os tios gostavam.


    A moça contou ao filho que, antes de o sentir nas entranhas, plantara no Noçoquem uma castanheira, para que ele comesse os frutos, mas que os irmãos, expulsando-a da companhia deles, se apoderaram de Noçoquem e não o deixaram comer castanhas.
    Além disso, os irmãos da moça tinham entregue o sítio à guarda da Cotia, da Arara e do Piriquito.
    O menino, porém, continuou a pedir a Onhiámuáçabê, mãe dele, que lhe desse a comer as mesmas frutas que os seus tios comiam.


    Um dia então, Onhiámuáçabê, a moça, resolveu levar o filho ao Noçoquem para comer as castanhas.
    Assim, indo a Cotia ao Noçoquem, viu no chão, debaixo da castanheira, as cinzas de uma fogueira, onde haviam assado castanhas.
    A Cotia correu e foi contar o que vira aos irmãos da moça.
    Um deles disse que talvez a Cotia se enganasse, o outro disse que não podia ser verdade.
    Discutiram.
    E, afinal, resolveram mandar o Macaquinho-da-boca-roxa tomar conta da castanheira, a ver se aparecia gente por ali.


    O menino que havia comido muitas castanhas e cada vez mais as cobiçava, já conhecendo o caminho do Noçoqcaminho do Noçoquem, tornou a ir lá no dia seguinte.
    Ora, os guardas no Noçoquem, que tinham ido adiante, com ordens de matar a quem ali encontrasse, viram o menino subir, às pressas, à castanheira.
    E, estando próximos, bem próximos, ocultos por outras árvores, tudo observando, correram e foram esperá-lo debaixo da castanheira, armados com uma cordinha para decepar a cabeça do comedor de castanhas.
    Dando por falta do filho, a mulher já se havia posto a caminho, para buscar, quando lhe ouviu os gritos.
    Correu na direção do filho, mas já o encontrou decepado às mãos dos guardas. Arrancando os cabelos, chorando e gritando sobre o cadáver do filho, a moça Onhiámuáçabê disse:


    Está bem, meu filho. Foram os seus tios que mandaram te matar. Eles pensavam que tu ficarias um coitadinho, mas não ficarás.
    Arrancou-lhe primeiro o olho esquerdo e plantou-o. A planta, porém, que nasceu desse olho não prestava; era a do falso guaraná.


    Arrancou-lhe, depois, o olho direito e plantou-o. Desse olho nasceu o guaraná verdadeiro.
    E continuando a conversa com o filho, como se o sentisse vivo, foi anunciando:


    Tu, meu filho, tu serás a maior força da Natureza; tu farás o bem a todos os homens; tu serás grandes; tu livrarás os homens de uma moléstia e os curarás de outras.


    Em seguida juntou todos os pedaços do corpo do filho. Mascou, mascou as folhas de uma planta mágica, lavou com sua saliva e o suco dessa planta o cadáver do filho e o enterrou.


    Cercou-lhe a sepultura com estacas e deixou um dos seus guardas de inteira confiança, vigiando-a.
    Recomendou a esse guarda, que era o Caraxué, que a fosse avisar, assim que ouvisse qualquer barulho saído da sepultura, pois ela saberia quem era.


    Passado alguns dias, o Caraxué, ouvindo barulho na sepultura, correu, e foi avisar Onhiámuáçabê.
    A moça veio, abriu o buraco da sepultura e de dentro dela saiu o macaco Quatá.
    Onhiámuáçabê soprou sobre o macaco Quatá e amaldiçoou-o: andaria sem repouso pelos matos.
    Fechou de novo a sepultura a lançou-lhe em cima o sumo das folhas da planta mágica com que lavara o cadáver.
    Dias depois o Caraxué foi avisá-la de que ouvira um barulho na sepultura do menino.


    A moça veio, abriu a sepultura e dele saiu o cachorro-do-mato Caiarara.
    Ela soprou sobre ele e o amaldiçoou, para que ninguém o comesse.
    Fechou de novo a sepultura e foi embora.


    Dias depois o Caraxué foi embora.
    Dias depois o Caraxué foi avisar que ouvira barulho, de novo, dentro da sepultura.


    Onhiámuáçabê foi até lá; abriu o buraco da sepultura e dele saiu o porco Queixada, levando os dentes que deveriam caber a todos os maués e a todos os homens.
    Onhiámuáçabê expulsou também o porco Queixada.
    (à proporção que saia um bicho da sepultura do menino e era expulso, a planta do guaraná ia crescendo, crescendo).


    Passado alguns dias o Caraxué ouviu outro barulho na sepultura e foi avisar Onhiámuáçabê.
    Ela veio de novo, abriu a sepultura e dali saiu uma criança que foi o primeiro maué, origem da tribo.
    Esse menino era o filho de Onhiámuáçabê, que ressuscitara.


    Onhiámuáçabê agarrou-o, sentando-o nos joelhos. E pôs-l. E pôs-lhe um dente na boca, feito de terra.
    (Por isso nós, os maués, procedemos do cadáver e o nosso dente apodrece).


    A mulher foi lavando tudo, tudo, devagarinho, os pés, a barriga, os braços, o peito, a cabeça do menino com o sumo das folhas da planta mágica, que mastigara.
    Quando ela estava, entretida, fazendo isso com o filho, os seus irmãos chegaram, de repente e a obrigaram a deixar de lavar-lhe o corpo.
    (Este é o motivo porque os maués não mudam de pele, como a cobra)".

    GUARANÁ

    Dizia um catequista de Tapajós:" Têm os Andiraz em seus matos uma frutinha que se chama guaraná, a qual secam e depois pisam fazendo dela umas bolas, que estimam como os brancos o seu ouro, e desfeitas com uma perinha, com que as vão roçando e em uma cuia de água bebida, dá tão grandes forças, que indo a caça, um dia até outro, não têm fome, além do que faz urinar, tirar febres e dores de cabeça e caimbras".

    Guaraná é um arbusto sarmentoso, cultivado desde os tempos imemoriais, pelos índios Maué, principalmente nas 'terras pretas", situadas nos vales de dois grandes rios amazônicos: o Tapajós e o Madeira.

    Acreditou-se, durante muito tempo, que o guaraná fora trazido, primitivamente, para a Tapajônia e Mundurucânia, por índios originários da bacia do Orinoco. Sabe-se, entretanto, que Krukoff, encontrou o guaraná nativo nas florestas que se estendem entre os limites de Humaitá, à margem direita do rio Madeira, no Estado do Amazonas e o de Porto Velho, em Rondônia.

    Segundo os Maué, o guaraná é bom "para fazer chover, para proteger a roça, para curar certas molétias e previnir outras, para fazer vencer a guerra, nos amores, quando dois rivais pretendem a mesma mulher".

    Como outros povos do Altiplano andino fizeram, utilizando e domesticando animais e vegetais, os índios Maué constituíam a base de sua economia no plantio e industrialização do guaraná, conforme se nos patenteia através de sua história e do seu folclore.

    Texto pesquisado e desenvolvido por

    Rosane Volpatto