Desde os séculos XV e XVI os negros já
se congregavam nas irmandades de Nossa Senhora do Rosário em Portugal.
Inicialmente, a devoção à santa era realizada somente pelos brancos e se tornou
popular com a famosa batalha de Lepanto em 1571, em que a vitória dos cristãos
sobre os mouros foi, de certa forma, atribuída à proteção da virgem.
A adoração dos negros a essa santa é
cheia de histórias e lendas. Conta-se que em um local da costa africana, a
imagem da Nossa Senhora do Rosário teria aparecido nas águas do mar. Os homens
brancos teriam ficado impressionados e feito homenagens para vê-la sair das
águas, mas não obteram nenhum sucesso. Foi quando então, pediram ajuda aos
negros, que ao tocarem e dançarem, comoveram a santa, que veio para a praia.

Outra lenda conta que um negro cativo,
ao vagar seu olhar para as águas do mar e triste com sua condição de escravo,
começou a rezar em louvor à santa e teve as suas lágrimas transformadas em
sementes, que serviram para confeccionar rosários da Nossa Senhora.
Segundo alguns estudiosos, os padres
dominicanos portugueses utilizaram da imagem dessa santa para catequizar os
povos africanos em plena África, fazendo a relação sincrética da Virgem do
Rosário com o Orixá Ifá, do Panteão Mitológico, que era o oráculo dos homens e
mesmo dos outros deuses, e possuía um colar de sementes de palmeiras que foi
associado ao Rosário de Maria.

Os religiosos portugueses não perdoaram
os dominicanos pelo fato de permitirem que os negros tivessem suas próprias
confrarias religiosas. Classificavam os escravos como bárbaros inclinados à
bebida e ao furto, que usavam as festas para preservar os usos de sua terra de
origem, sem ouvir missas e pregações. Os negros, assim que chegaram a Portugal,
fundaram associações secretas, nas quais elegiam reis e rainhas para rememorar
os reinados existentes em seus países de origem.
Em 1496, o rei de Portugal, Dom Miguel,
já se referia à "Confraria dos Pretos", fato que nos faz acreditar que os
negros, em terras lusitanas, aceitaram o catolicismo como forma de tentar
manter, através do sincretismo religioso, as suas devoções. Com a criação dessas
irmandades religiosas, que eram compostas basicamente por cativos, os soberanos
negros passaram a ser eleitos nessas agremiações. As confrarias religiosas dos
homens brancos tinham a missão de administrar os sacramentos, prestar
assistência social, etc., enquanto as dos negros e mulatos tinham uma tarefa
muito maior: a manutenção de sua identidade cultural.
No Brasil, a devoção a Nossa Senhora do
Rosário foi trazida pelos primeiros escravos, mas foi em Minas Gerais que as
comemorações tiveram maior projeção. No compromisso da Irmandade de Vila Rica
(Ouro Preto) de 1713, ficou registrado que a festa já existia há trinca anos,
enquanto na Vila do Príncipe (Serro) o compromisso é datado de 1728. No Tijuco
(Diamantina), a irmandade dos escravos adotou o nome de "Nossa Senhora dos
Pretos, de São Benedito, Santa Efigênia e Santo Antônio de Cartagerona", e os
registros da festa são datados de 1745, conforme livros do Arquivo do Palácio
Arquepiscopal. Incentivada pelo clérico local, como forma de manter os negros
cativos, que se rejubilavam ao verem seus reis coroados, as comemorações em
louvor à santa eram magníficas, repletas de danças e batuques.

Em Pernambuco, os negros, escravos ou
não, celebravam também a bandeira da Nossa Senhora do Rosário, sua padroeira, e
faziam-no com um misto de preceitos religiosos e profanos, como se vê de uma uma
que houve em Olinda em 1815, acompanhados pelos irmãos e irmãs da respectiva
irmandade, com toques de instrumentos, zabumbas, clarinetes e fogo do ar, e que
saiu mediante licença concedida pelo ouvidor-geral da comarca, o Dr. Antônio
Carlos Ribeiro Andrada Machado e Silva. Essa custou-lhe uma áspera reprimenda do
governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro, que em dois longos ofícios a ele
dirigidos, sobre o assunto, combateu os erros e abusos que outros lançaram à
zombaria, vendo-os introduzir e arraigar-se, e para cuja destruição trabalhava
há muitos anos.
De nada valeram essas reprimendas,
porque essas confrarias e devoção a Nossa Senhora do Rosário, de forma direta ou
disfarçada, continuam até nossos dias.
O essencial dessas confrarias ou
irmandades é a sua íntima conexão com as cerimônias de coroação dos reis negros.
Esses cerimoniais, de acordo com a tradição africana, iniciaram-se com a figura
de Chico Rei, ou Ganga Zumba Galanga, rei Congo dos Quicuios, que foi trazido
como escravo para o Brasil, juntamente com sua corte, no princípio do século
XVIII.
Chico, por ser um bom trabalhador e ter
tido a sorte de pertencer ao um senhor caridoso, obteve a permissão de trabalhar
em seus dias de folga em uma mina abandonada, onde encontrou um veio de ouro que
o tornou um homem rico. Alforriou-se, fazendo o mesmo com seu filho e, pouco a
pouco, com todo o restante de seu povo, chegando a formar um pequeno Estado
congo, dentro da sociedade mineradora, nos moldes da organização africana.
A primeira festa organizada por Chico
Rei em louvor à santa ocorreu na Igreja de Santa Efigênia e Nossa Senhora do
Rosário de Alto Cruz, na antiga Vila Rica, em 1747. As festividades do congado,
nome genérico dado aos diversos grupos vinculados ao culto do santo de devoção,
aparecem então sob forma de reprodução simbólica da história tribal, com a
coroação dos reis de congo, as trocas de embaixadas e a representação das lutas
entre as monarquias negras, e destas contra o colono escravizador.
De Vila Rica, a tradição festiva
africana disseminou-se por todo o território de Minas Gerais e também em alguns
Estados do Brasil.
Os reis do Congo, segundo informações
obtidas por Pereira da Costa, eram escolhidos por eleição geral procedida entre
os próprios negros. Tinham a sus corte, os seus secretários, mestre-de-campo,
arautos, serviço militar, etc. Cada cabeça de comarca possuía o seu rei e rainha
e, após a eleição, era feita a cerimônia solene de coroação e posse no dia da
festa de Nossa Senhora do Rosário.
Assim descreveu Koster, o ato de
coroação de um rei do Congo, em Itamaracá, no ano de 1811:
"As onze horas, dirigi-me à igreja com o
vigário, colocamo-nos na entrada e, com pouco vimos aproximar-se um grande
número de negros e negras trajados de várias cores, precedidos de tambores
tocando e de bandeiras desfraldadas. Quando estiveram perto distinguimos no meio
deles o rei, a rainha e o secretário de Estado.
Os dois primeiros tinham coroas de
papelão cobertas de papel pintado e dourado. Do uniforme do rei, a casaca, o
colete e os calções eram de três cores: verde, encarnado e amarelo, e talhadas à
moda antiga; trazia na mão um cetro de madeira perfeitamente dourado e a rainha
trajava vestido de seda azul, também à antiga. O pobre do secretário, porém,
podia lisonjear-se de trazer em si todas as cores diversas como seu soberano,
mas era evidente que, tanto de um lado como do outro, eram roupas emprestadas,
porque os calções eram estreitíssimos e o colete desmedidamente amplo.
Terminado o ato religioso, teve lugar a
cerimônia de coroação, na porta de igreja, sem mais outra formalidade que
ajoelhar-se o rei e receber sobre a cabeça a coroa real colocadas pelas mãos do
paróco, voltando então o préstimo para o engenho Amparo, na mesma ordem em que
veio, e onde passou-se o dia festivamente, com lautas mesas e danças à moda
africana."
A função do rei Congo, entretanto, não
se limitava apenas ao recebimento de honrarias no dia de sua coroação, ia muito
além. Ele era o rei sem trono e sem coroa, que intercedia pelo seu irmão de cor
e seus guias: o espiritual era o padre, o tesoureiro era um branco. Mas o rei
tinha uma função importante: era o presidente. Era muito respeitado e parece que
viam nele um ser meio divino e meio humano. No Brasil colônia e no império isso
representava um grande e inestimável auxílio á manutenção da ordem. Por isso as
cidades, vilas e freguesias escolhiam anualmente seu rei do Congo.
A festa de coroação e o culto à Nossa
Senhora do Rosário era realizado sempre no mês de outubro, época de entre-safra.
Também havia a crença de que não se devia plantar mandioca em outubro, porque
ela só daria folhas em prejuízo das raízes. Aos pretos eram concedidos então,
alguns dias de folga e é graças a esses dias que o folclore negro se manteve.
Na festa de Nossa Senhora do Rosário, os
personagens principais eram: rei, rainha, juiz de vara, juíza de vara, juiz de
ramalhete, juíza de ramalhete, capitão de mastro, alferes da bandeira. Os pajens
eram os membros da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário que, em serviço,
trajavam-se com opa. Ao finalizar a festa, aprecia um novo personagem, o rei
novo, com os demais cortesãos.
O rei vestia-se de terno preto e uma
faixa rosa a tiracolo. Rosa é a cor da fita de Nossa Senhora do Rosário. O
distintivo real era uma faixa de quatro dedos de largura. A rainha vestia-se de
branco ou rosa e trazia uma diadema na cabeça.

A Festa de Nossa Senhora do Rosário tem suas singularidades,
dependendo da região,mas geralmente, ocorre nos meses de agosto, setembro ou
outubro e é promovida pelas Irmandades e compõe-se de duas partes: a litúrgica,
de conteúdo católico, incluindo missas e outros ofícios religiosos, e a
folclórica, constituída pela subida do mastro, a realização de espetáculos
pirotécnicos e números musicais, e a presença dos reinados e suas guardas. Essas
guardas, por vezes denominadas batalhão, são unidades religiosas ou grupos
autônomos, com denominação particular e estandarte próprio, cujos aspectos
rítmicos, indumentárias, movimentos e cantos são distinguidos entre oito grupos:
o Candombe, o Moçambique, o Congo, os Marujos, os Catopés, os Cavaleiros de São
Jorge, o Vilão e os Caboclos, também conhecidos como tapuios, botocudos,
caiapós, tupiniquins, penachos e cabloclinos.

Ao
chegarem à igreja, as guardas recebem a benção e participam da missa festiva. Em
alguns lugares, durante a missa, são coroados o rei e a rainha do congado, em
outros, a coroa é vitalícia e hereditária. Após a missa, os participantes saem,
com seus reis, num festejo alegre que percorre as ruas levando o ritmo dos
tambores e as cores das roupas africanas.
Os
festejos também são espaços para o pagamento de promessas. "Se a rainha alcança
uma graça, ela pode arcar com as despesas da festa por um ou sete anos", conta
Domingos Vieira Rocha, capitão-regente da Guarda de Moçambique do congado do
bairro João Pinheiro de Belo Horizonte.

A Festa de Nossa Senhora do
Rosário é um importante elemento na integração do negro junto à sociedade
brasileira. Agrupados em torno de uma devoção, o povo escravo procurou manter
sua cultura e aspirava sua valorização como ser humano dotado de conhecimentos e
sentimentos, que merecia ser tratado com dignidade.