



Se pode qualificar a
história de Melusina como uma versão novelada francesa da Lamia clássica. Já
existia na tradição popular antes do século XIV, quando as lendas em torno dela
foram reunidas por Jean D'Arras na "Chronique de Mélusine". Posteriormente essa
narração foi ampliada por Esteban em "A Casa de Lusignan". Keightley resumiu a
história de Melusina em "The Fairy Mythology". É interessante por ser uma versão
francesa do tema "Noiva Feérica" e falar dos Tabus que envolvem o matrimônio com
um ser feérico.
O mito de Melusina é
composto de três momentos: sua origem (filha da fada Presina), seu casamento com
Raimondin e seus descendentes.
A lenda de Melusina é
muito importante para as tradições mitológicas da Europa, pois tanto franceses,
quanto alemães e inclusive chipriotas, a reclamam como sendo sua.
O herói da primeira
parte da história é um rei da Albânia, isto é, da Escócia.

PRIMEIRO
MOMENTO: SUA ORIGEM
O rei Elinas de
Albânia havia perdido há pouco tempo a sua esposa e para distrair-se dedicava
grande parte de seu tempo à caça. Um dia foi matar sua sede em uma fonte e
chegando mais próximo, ouviu uma linda voz que cantava uma doce canção.
Sentada junto à fonte e dona da bela voz, encontrou a fada Presina, que lhe
ofereceu a água da prodigiosa fonte.
O rei apaixonou-se por
ela e a pediu em casamento. Presina aceitou o pedido, mas impôs a condição de
que nunca deveria visitá-la quando estivesse para dar à luz e nas semanas de
resguardo.
No seu devido tempo
tiveram três filhas: Melusina, Melior e Palestina. Matacás, o filho que tinha o
rei de seu primeiro matrimônio, correu para dar a boa notícia ao pai, e o rei,
cheio de alegria, se apressou para visitar a rainha em seu aposento, quebrando
sua promessa. Encontrou a mãe dando banho nos bebês. Presina, imediatamente,
falou que havia faltado com sua palavra e, agarrando as filhas, desapareceu. Se
refugiou em Cefalônia, a Ilha Escondida (lugar mítico), que é mencionada na
história de Huon de Bordeaux. Era como a ilha situada na frente da costa de
Gales, que só pode ser encontrada casualmente.
Das alturas da ilha,
podia-se ver Albânia e todos os dias, Presina a mostrava para suas filhas,
dizendo-lhes que, não fosse a perfídia do pai, todos estariam vivendo ali muito
felizes.
Logicamente, as filhas
de Elinas, criaram-se odiando-o loucamente e decidiram, um dia, vingar-se dele.
E, Melusina e suas irmãs, valendo-se de suas artes mágicas, acabaram por
encerrar o pai e todas as suas riquezas no Monte Brandelois.
Quando retornaram
triunfantes para junto da mãe, essa estava enfurecida e castigou as três filhas.
Melior deveria guardar até o fim dos tempos um gavião prodigioso em um castelo
da Armênia; Palestina deveria ficar encerrada em uma cova situada ao sopé do
monte Canigó, no território do antigo condado de Barcelona, separado atualmente
pela fronteira francesa, guardando eternamente os fabulosos tesouros das fadas;
Melusina ficaria encarregada, como sua mãe, de cuidar a fonte sagrada, chamada
"Fonte da Sede" ou "Fonte Enfeitiçada" e deveria se converter todos os sábados
em uma serpente do umbigo para baixo. Para poder viver e morrer como uma mortal
deveria casar-se e seu futuro marido não poderia vê-la nesse estado e, se assim
não fizesse, permaneceria desse modo até o dia do Juízo Final.

SEGUNDO
MOMENTO: A UNIÃO DE MELUSINA

Pela fonte enfeitiçada
passou, anos mais tarde, Raymond de Poitou, que mais tarde se tornaria o chefe
da família de Lusignan. Ele estava caçando um grande javali, quando mata
acidentalmente seu tio, o conde de Poitou. Desconsolado, se deixa guiar por seu
cavalo, que adentra para o interior do bosque de Colombiers, conduzindo-o até a
fonte, onde é recebido por três damas. Uma delas, Melusina, demonstra ter
conhecimento do acontecimento e oferece sua proteção caso ele a tome como
esposa.
Raymond, apaixonado,
aceita a proposta de Melusina. Entretanto, impôs também, que não poderia vê-la
de modo algum, no dia de sábado, quando ela se transformava em metade mulher,
metade cobra.
Com as riquezas
feéricas da fada, foi possível a construção de muitos nobres castelos, sendo o
principal conhecido como Castelo de Lusignan, próximo da Fonte das Fadas.
Assim, viveram felizes
por longos anos e foram chegando os filhos: Antoine, Renaud, Geofroy, Urian,
Guion, Fromonte.... Todos elfos nasciam com uma ou outra marca que os distinguia dos
demais mortais: um tinha um só olho; outra tinha um vermelho e outro azul;
outro, uma pata de leão marcada na bochecha; outro, uma presa de javali saindo
entre os lábios...
Mesmo assim, Raymond
seguia amando apaixonadamente sua esposa, porém um de seus primos envenenou sua
mente com insinuações de que aquelas crianças tinham outro pai, e que o sábado
estava reservado a suas visitas. Finalmente Raymond não podendo suportar mais as
suspeitas, se escondeu um sábado detrás de um tapume e viu a sua mulher saindo
do banho com metade do corpo em forma de serpente. Todavia, a amava tanto, que
decidiu guardar seu segredo e não dizer nem sequer a ela o que havia visto.
Entretanto, um de seus filhos, Geofroy era particularmente mau. Brigou com seu
irmão Fromonte, e quando esse se refugiou na Abadia de Melliers, incendiou-a e
uma centena de monges pereceram queimados.
Melusina quando soube
da tragédia, correu para consolar seu marido, porém, em meio a sua dor, teve um
acesso de raiva e disse:
-"Desaparece da minha
vista, serpente perniciosa! Foste tu que corrompeste os meus filhos!"
Melusina voltou-se e
acrescentou:
-"A maldição caiu
sobre mim. Devo ir-me. Agora estou condenada a voar pelos ares cheia de dor até
o Juízo Final. Até que esse castigo acabe, aparecerei antes da morte de cada
Senhor de Lusignan, chorando e lamentando pelas desgraças da Casa."
Em seguida, saiu pela
janela desaparecendo da vista do Conde Raymond e da corte.
Entretanto, até que
seus filhos se tornassem maiores, visitava-os todos os sábados, quando ninguém
podia vê-la, para alimentá-los e passar algumas horas em sua companhia.
O certo, é que nunca
mais Melusina foi vista, a não ser na forma de espectro, aparecendo enlutada nas
torres da fortaleza que ela construiu, três dias antes que o Senhor do castelo
morresse. Na Espanha, esse papel de agoureira de morte está reservado as "Damas
Brancas", vistas geralmente na Catalunha e Baleares.

TERCEIRO
MOMENTO: SUA DESCENDÊNCIA
Melusina teve uma
descendência numerosa e se diz que os habitantes da ilha de Chipre descendem
dessa nobre linhagem. As origens da família Lusignan realmente começa a ser
conhecida no início da primeira cruzada, ocupando no ano de 1185 o trono de
Jerusalém um tal de Guy de Lusignan, como sucessor do rei Balduino V.
No ano de 1195,
Ricardo Coração de Leão se apodera da ilha de Chipre e, depois de cedê-la como
feudo aos Cavalheiros Templários, a entrega em qualidade de reino a Guy de
Lusignan, convertendo-se este em rei de Chipre e Jerusalém, conservando durante
anos a coroa chipriota, quando já Jerusalém havia caído em mãos dos muçulmanos.
Os filhos da fada
Melusina cumpriram com o destino que lhes era reservado, sendo cada um deles:
Renaud, foi rei da Boêmia; Urian foi rei do Chipre; Guion foi rei da Armênia,
onde sua tia Melior guardaria eternamente o falcão sagrado em seu fabuloso
castelo; Antoine, duque de Luxemburgo.

A SERPENTE
E AS FADAS
A serpente, animal telúrico e ctônico, é estreitamente ligado a Grande Deusa
celta, que muitas vezes se metamorfoseia em monstro serpentiforme. A serpente, como o verme, representa o espírito que fecunda a matéria e
que, simboliza o éter enquanto liga os outros bioelementos: água, terra, fogo e
ar.
Melusina é um grande
exemplo da presença da metamorfose animal no legendário europeu. Ela é
encontrada em toda a França, sendo considerada como a sobrevivência da antiga
Deusa Celta. Gênio da família Lusignan, ela aparecia na torre do castelo e dava
gritos lancinantes cada vez que um Lusignan estava para morrer, identificando-se
assim, com a Banshee celta.
Para Jean Chevalier e
Alain Gheerbrant:
"...ela simboliza a
morte do amor pela falta de confiança ou pela recusa a respeitar no ser amado
sua parte secreta. Pode-se ver nela também a desintegração do ser, que, querendo
ser lúcido a todo custo, destrói o objeto do seu amor e perde sua felicidade. Na
via de sua individuação, não soube assumir os limites do inconsciente e do
mistério, nem sua sombra, sua animalidade, sua parte escura e incognoscível".
Durante a Idade Média,
todo o lado terreno foi sacrificado em nome do "Céu". E a Terra, a Serpente da
Terra, a Mulher e o mundo dos instintos, representados pela sexualidade, são
maus, sedutores e amaldiçoados e, o Homem, que em virtude de sua natureza
essencial realmente pertence ao Céu, é aquele que é somente seduzido e enganado.
Essa é a interpretação
da história da nossa fada, na qual a natureza humana, e o terreno, e com ele o
feminino, são caluniados como repulsivos e envenenadoramente maus. Melusina,
portanto, representa o imaginário feminino medieval, onde a mulher, como
descendente de Eva é retratada de forma diabólica, como uma serpente voadora e
uma Deusa decaída dos primitivos celtas, que se tornou uma fada dos lagos. Uma
avaliação negativa do arquétipo Terra era necessária para uma mente consciente
patriarcal masculina que nessa época ainda era muito fraca.
As serpentes vivem em
buracos escuros e entram na terra e em pedras através de fendas. Vivem em uma
região subterrânea, que ainda hoje, é considerada como local diabólico. Ter que
descer dentro da terra significa cair no inferno, e muitos sonhos e fantasias do
homem moderno mostram o caráter de feiticeira da terra e a natureza de seu
espírito que ferve, assa, tortura e atormenta aqueles que se tornam suas presas.
O
surgimento da Terra como arquétipo da Grande Mãe traz consigo o surgimento de
sua companheira, a Grande Serpente. E, estranhamente, parece que o homem atual
está diante de uma curiosa tarefa, uma tarefa ligada àquilo que a humanidade
mais tem temido, a saber, o DIabo.
Aquilo
que tem de ser redimido do inferno da Terra e da matéria, bem como do inferno da
psique humana, na qual redenção é sinônimo de transformação, parece ser nada
menos do que o "Espírito da Terra".

MELUSINA: A
MULHER-DRAGÃO
Melusina é uma fada, só que em sua gênese, solta
fumaça pela boca, é serpentária, um dragão.
O dragão, carrega
ao mesmo tempo significado masculino e feminino. Assim, em uma certa fase do
desenvolvimento feminino, o Masculino avassalador aparece como um dragão do sexo
masculino, do mesmo modo que o elemento patriarcal-paternal aparece como pai
dragão. Encontramos o Masculino como serpente, dragão e monstro em um grande
número de ansiedades sexuais e comportamentos neuróticos da mulher que
dificultam seu relacionamento com os homens. Entretanto, na entrega feminina de
aceitação dessa situação, e ao se deixar dominar, a mulher é levada à vitória
sobre o medo, e sua ansiedade é transformada em embriaguez e orgasmo.
Não obstante,
podemos dizer que o dragão é habitualmente um símbolo Feminino. O Feminino
representa o relacionamento primal com a mãe, a realidade unitária original e o
inconsciente. Entretanto, para que o ego se desenvolva, o mundo matriarcal
torna-se um "mundo proibido", pois está em oposição à progressão rumo ao mundo
patriarcal, rumo à cultura e à comunidade e de se descobrir diferente dos
outros, isto é, descobrir a própria individualidade.
O desenvolvimento
do ego e da individualidade tem o caráter de movimento de ascensão. Nesse
movimento de baixo para cima, do inconsciente para a consciência, o âmbito
matriarcal assume o caráter daquilo que tem que ser superado: o inferior, o
infantil, e arcaico, mas também o abissal e o caótico. Todos esses símbolos
estão ligados ao Feminino Terrível, o "Dragão do abismo" devorador e feminino.
Nesse sentido, o Feminino Terrível torna-se a antítese da energia ascendente do
desenvolvimento do ego; torna-se o símbolo de estagnação, regressão e morte. Mas
a morte que o dragão símbolo do Feminino Terrível significa arquetipicamente é
também algo devorador, uma força fascinante, sedutora, que puxa a pessoa para
baixo.
Na batalha
heróica, o dragão do Feminino Terrível pode aparecer como um disfarce do medo do
inconsciente, mas indiretamente, como o medo do mundo.
Melusina é uma ninfa da água cuja lenda tornou-se extremamente popular no norte
da França. Suas contrapartes gregas seriam as sereias que aparecem na Odisséia.
Melusina é um arquétipo mítico que nos fala sobre os encantos das uniões de
mortais com mulheres sobrenaturais. Esses tipos de relacionamentos são
características típicas dos mitos celtas. Entretanto, a maioria deles não tem um
final feliz, como é o caso da nossa história, pois Raymond não conseguiu manter
a mulher do Outro Mundo a seu lado.
Entretanto, o objetivo principal do acasalamento de um mortal com uma mulher
feérica é justamente gerar filhos, que pela própria condição de sua concepção,
são capazes de compatibilizar a força e a posição recebidas do lado paterno com
a obtenção das graças do Outro Mundo herdadas da mãe.
Melusina está presente na parte íntima de todos que buscam o misterioso mundo do
inconsciente. Ela é a parte invisível da nossa natureza que pode ser aumentada
com a nossa estada aqui.
Texto pesquisado e
desenvolvido por
ROSANE VOLPATTO

Bibliografia
consultada:
Hadas - Jesus Callejo
Diccionario de Las Hadas - Katharine Briggs
Diccionario Seres Fantásticos - J. Felipe Alonso
O Medo do Feminino - Erich Neumann


La
fée utilisée pour ce kit provient
de chez Designer Workshop