- A ESCRAVA HONRADA -


Esta é uma lenda do município de Santa Maria, que foi registrada por João Belém:

Em 1835, quando iniciou-se, no Rio Grande do Sul, a Revolução Farroupilha, residia, no município de Santa Maria, em casa de sua propriedade, uma respeitável viúva, em companhia de sua filha, esposa de Brigadeiro, e de sua netinha.

Não querendo a prudente senhora sujeitar-se a prováveis dissabores, assistindo o desenrolar dos acontecimentos que sobreviessem, resolveu, com sua família, emigrar para o Paraguai.

Antes de realizar sua jornada, entregou a direção da casa aos cuidados de sua escrava. Enterrou em uma cova funda, na própria propriedade todas suas jóias e objetos de valor, deixando-os também sob a guarda da preta. Em seguida, partiu com seus entes queridos, para um lugar distante, em busca da tranqüilidade e segurança que perdera.

Muito tempo se passou, mais de sete anos sem que a dedicada escrava tivesse notícia, ligeira sequer, de sua senhora. Era mesmo impossível se estabelecer qualquer tipo de comunicação, devido a anormalidade reinante na Província.

Nesse mesmo período de tempo, esteve a povoação, ora em poder dos legalistas, ora dos rebeldes. Mas, a pretinha, não abandonou um instante só, a guarda de tudo que lhe fora confiado.

Afinal, serenado o movimento revolucionário, toda a família retorna contente à sua casa.

Logo ao chegar, muito aflita, a senhora da escrava, primeiro vai verificar o que era feito do seu tesouro escondido.

Achou-o intacto, tal qual o tinha colocado. Agradeceu então, do fundo de seu coração a honrada escrava, reconhecendo que poucos seriam os que lhe seriam tão fiéis e tão amigos...

Amizade é a palavra certa para o relacionamento desta escrava para com sua senhora.

A lenda é narrada como um ensinamento do conceito da verdadeira amizade.

A escrava, pelo simples fato de ser privada da liberdade, poderia ter aproveitado aquele momento em que permanecia na casa sozinha, para fugir com os tesouros de sua dona. Entretanto, a amizade despertou o que era divino dentro dela. Os nobres sentimentos para com sua senhora, refletiram os sentimentos para com ela mesma.

Não lhe importava quem era ou como era, a amizade era a graça que lhe aqueceu e adoçou a sua vida, naqueles tempos tão difíceis.

A senhora, também, muito aprendeu com sua escrava. Podia ter infinitos bens, ter uma família adorável, mas foi quando se sentiu completamente sozinha e pedida, que encontrou a maior dos tesouros: a verdadeira amizade.

Texto pesquisado e desenvolvido por

Rosane Volpatto

Lendas do Rio Grande do Sul - Dante de Laytano - Publicação Estadual de Folclore do Rio Grande do Sul; RJ; 1956