AS ENCANTADAS

 

 

 

Várias tribos indígenas se espalharam pelas planícies e planaltos do Paraná. Diante da beleza de sua geografia, os índios não se contentaram em apenas admirá-las, queriam saber a origem das cachoeiras, rochedos, grutas, fauna e flora. Assim, com os recursos de sua cultura, seus valores e seu imaginário, surgiram as nossas primeiras lendas paranaenses. Entre elas, a Lenda das Encantadas:

 

Contam os Caigangues do Paraná, que há muito tempo atrás, na Praia das Conchas, ao sul da Ilha do Mel, na gruta das Encantadas, viviam lindas mulheres que bailavam e cantavam ao nascer do Sol e ao crepúsculo. Dizem que o canto delas era inebriante, dormente e perigoso para qualquer mortal. Se um pescador as escutasse, por certo perderia o rumo de sua embarcação, indo bater nas rochas e naufragar. Entretanto, certa vez, um índio corajoso e destemido aventurou-se a tentar se aproximar delas. Colocou-se à espreita no alto do rochedo.

 

Quando os primeiros raios multicoloridos de luz despontavam ao leste, o jovem começou a ouvir a suave e doce melodia proveniente do interior da gruta. E mulheres nuas, desenhadas de sombras, foram surgindo. À medida que as bailarinas alcançavam a boca da gruta, o canto tomava mais ênfase, mais intensidade:

 

 "Cagmá, iengvê, oanan eiô ohó iá, engô que tin, in fimbré ixan an ióngóngue, iamá que nô ô caicó, katô nô ó eká maingvê..." 

 

Queriam dizer... " Passe com cuidado a ponte. Viva bem com os outros; assim como eles vivem bem, você também pode viver. Lá você há de ver muita coisa que já viu aqui em minha terra, assim como o gavião. Teus parentes hão de vir te encontrar na ponte e te levarão com eles para tua morada."

 

 

 

Estranhamente o índio não adormeceu, justo o contrário, não desgrudou o olho do belo ritual. As misteriosas moças eram dotadas de tão rara beleza, nuas e com longos cabelos de algas, que o intruso acabou fascinado por uma das dançarinas, a que tinha os olhos cor de esmeralda. Tal era o seu fascínio, que despencou do rochedo, ganhou aos trambolhões a prainha, metendo-se de permeio na farândola, acabando de mãos dadas com a sua escolhida. Declarou-se apaixonado por ela, e confiou-lhe o seu desejo de permanecer a seu lado por toda a eternidade.

 

 

 

Por artes de Anhangã, a bailarina falou-lhe na língua que era a sua.

     - Tens de partir, homem estranho! Gosto de ti, mas tens de partir!

     - Nunca! Nunca! arredarei os pés de perto de ti, meu amor! Roga ao teu deus que me permita gozar de teu carinho e da tua eterna companhia.

 

     - Para que vivas comigo é necessário que morras...

 

     - Morrerei, se isto é preciso...

 

     - Vem, então, meu doce amor...

A fonte da vida nos chama... partamos...

 

     Mãos entrelaçadas, ao canto fúnebre das dançarinas, os jovens entraram águas a dentro e quando desapareceram, já o sol era vitorioso.

 

 

 

     As Encantadas sumiram nas águas profundas, para nunca mais aparecer.

     E, desde então, a gruta está solitária, e nela ecoam se quebram os ecos dolentes e eternos do mar.

 

 

 

As sereias são servas da Deusa da Morte (Perséfone) e foram encarregadas de levar-lhe almas. Este é o motivo pelo qual atraem marinheiros com o poder arrebatador de seu canto, levando-os à destruição nas rochas que se ocultam nas águas de seu recanto costeiro.

 

 

As Encantadas são Deusas-Sereias do mar e como tais, nos mostram o elemento destruidor negativo que pode se manifestar quando seguimos irrefletidamente intuições e inspirações. Isso nos parece familiar quando pensamos nos artistas e pessoas criativas que se destroem por darem ouvido a essas vozes espectrais, deixando-se arrastar pelas "Sereias" que habitam a nossa psique. Já outros, entretanto, são capazes de usar a intuição de forma positiva e, por vezes, uma torrente de energias criativas parece derramar-se deles.

 

"Era uma vez...
Dois olhos marinheiros
entre o fluxo e o refluxo
na paisagem retrataram:
Ao clarão de um relâmpago
numa gruta se escondiam
as mais lindas sereias
O mar com sua força bruta
pelas gretas penetrou
e aquelas virgens belas
num só coito violentou
Houve um silêncio profundo...
e as nereidas possuídas
os olhos cheios de amores
cantaram suaves cantigas
encantando os viajores
Como todas as estórias
depois do que se passou
Gruta das Encantadas
essa gruta se chamou"

 

Alberto Cardoso

 

 

É importante resgatarmos essas lendas, procurando incentivar os detentores desse conhecimento, sensibilizando-os a continuar transmitindo aquilo que sabem, ou aquilo que ainda lembram.

Não deixe este sonho acabar...!

 

Rosane Volpatto

 

Bibliografia consultada:

As Mais Belas Lendas Brasileiras - Wilson Pinto