DIVINDADES FUNERÁRIAS

Quando se considera as produções artísticas egípcias, constatamos que o mistério da Vida versus o mistério da Morte fascinaram, marcaram, de forma indelével, o seu pensamento.

Mais do que qualquer outro povo da Antiguidade, os egípcios manifestaram pela morte um interesse tão vivo e apaixonado que se pode dizer que toda a vida política, social, econômica e culturas estava organizada em torno desse tema.

A consciência egípcia estava centrada na preocupação mística da existência e da morte. Entretanto, esse "viver para a morte", não aparece marcado pela negatividade, por medos agigantados ou por pavores incontornáveis, mas sim, adotavam uma atitude otimista, positiva, corajosa, animada, em relação à morte.

As fórmulas, os hinos e os encantamentos que elaboraram, os objetos amuléticos que produziam e usavam, os ritos mágico-funerários que criaram, conferiam-lhes uma sensação de segurança e de confiança na ordem cósmica e no destino além-túmulo.

A profusão e difusão de todos esses métodos de proteção e de salvação não devem ser entendidos como uma prova de angústia e desespero existencial do homem do antigo Egito, mas, antes, como uma clara demonstração da sua eficácia e proteção.

Para os egípcios, a morte era filha da noite e irmã do sono e, tal como essas duas realidades, possuía em si mesma um eterno poder de regeneração, condição de uma vida superior, absoluta e feliz. Soubesse o egípcio rodear-se dos mecanismos e dos processos necessários para "vencer" esse momento de ruptura que era a morte e estar-lhe-ia inequivocamente reservado um fim benéfico, positivo e honroso.

A morte é concebida como um ato de passagem, uma viagem, "passar o seu ka", é uma expressão egípcia para morrer que enfatiza particularmente bem essa idéia de "viagem", de uma dimensão visível para outra invisível. O rio Nilo e seus barcos forneciam a imagem perfeita para a descrição dessa "viagem": o morto passava da margem oriental, a margem dos vivos, para a margem ocidental, a margem dos mortos. Não é por acaso que as metrópolis egípcias ficavam  a oeste do Nilo: era aí que, segundo a concepção funerária, se situava o mundo dos mortos.

DEUSAS E DEUSES

SERKET

Também  conhecida pelos nomes Selket, Serkis ou Selkis, Serket era a Deusa-Escorpião do Baixo Egito. Desconhece-se, porém, o lugar exato do seu culto.

Representada, em geral, como uma mulher com um escorpião na cabeça, de cauda erguida, pronto a desferir a sua terrível picada, Serket podia também ser figurada simplesmente como um escorpião. Um Papiro Mitológico da XXI dinastia, que a apelida "Serket, a Grande, a Mãe Divina", apresenta-a antropomorficamente, como mulher, armada de facas, sendo mostrada em algumas cenas em túmulos reais como serpente ondulante.

O seu nome é uma abreviação da expressão "Serket hetut" e significa "Aquela que faz respirar (a garganta)", sugerindo o seu papel como divindade protetora dos mortos ou, em outra interpretação, "Aquela que facilita a respiração (na garganta)," uma vez que um dos sintomas da picada de um escorpião é uma sensação de sufoco. Segundo alguns autores, a Deusa-escorpião teria siso venerada pelo rei pré-dinástico conhecido por Rei-Escorpião.

Serket era considerada esposa ou mãe de Neheb-kau, o deus-serpente protetor da realeza que habitava no mundo dos mortos. Por essa associação, dizia-se que ela guardava uma das quatro portas do Mundo Inferior e que prendia os defuntos com correntes. Quando Neheb-Kau passou a ser encarado como deidade benéfica, protetora, que alimentava as almas dos defuntos, então, Serket ganhou características positivas, amigáveis, em relação aos mortos.

Juntamente com Ísis, Néftis e Neit, competia-lhe zelar por um dos vasos onde se guardava as vísceras do morto embalsamado. No seu caso, era-lhe atribuído o vaso dos intestinos, ou seja, a proteção do vaso cuja a tampa representava a cabeça do falcão de Kebehsenuef, filho de Hórus. É, aliás, como divindade funerária, com participação especial na mumificação, que Seket forjou e granjeou a maior parte dos seus caracteres. O epíteto "Senhora da Casa Maravilhosa" associa-se diretamente à "Casa da Purificação", onde se desenrolavam as cerimônias do embalsamento.

Ainda, como divindade da morte, Serket ajudara Ísis a executar os ritos fúnebres a seu irmão-esposo Osíris e a cuidar do jovem Hórus. Ísis é, por vezes, representada sob o aspecto de Serket, numa ambiguidade resultante desta associação. Tal como Ísis, Também Serket ficava junto dos sarcófagos de braços alados, numa atitude de proteção aos mortos.

A mentalidade egípcia apreendera, com nitidez, os atributos da Deusa-Escorpião, pois, como reconhece o "osíris" no cap. XLII do Livro dos Mortos: "Os meus dentes são os dentes de Serket".

O seu papel de protetora do morto, da vida no Além, não exclui a proteção aos vivos, da vida eterna: é, por isso, associada a Taueret, a Deusa-Hipopótamo fêmea que superintende aos nascimentos. Com efeito, ao ser considerada uma das Deusas protetoras das quatro nascentes do Nilo, Serket adota caracteres de divindade da fertilidade. Desempenha, por vezes, a função de guardiã da união conjugal. Muitos mitos fazem dela a mãe de Horakhti e outros a esposa de Hórus. É também descrita como filha de Rá. Em Deir el-Bahari, ela e Neit seguram o hieróglifo dos céus, pet, quais sustentadoras dos Cosmos.

Os seus vastos poderes, além de protegerem o morto, ajudavam também os vivos na cura de picadas venenosas. Estranhamente, porém, do rol das mordeduras venenosas contra quem constituía um poderoso bálsamo não constam as de escorpião, o seu animal-símbolo. Os seus títulos kherep Serket "Cetro de Serket" (atestado na I dinastia), e sa Serket, "Proteção de Serket" (datado da V dinastia), realçam o seu papel como padroeira dos médicos-mágicos que se dedicavam ao tratamento de mordeduras venenosas.

Por razões mágicas, os hieróglifos do seu nome são seguidos, a partir do Império Novo, do determinativo hieroglífico de um escorpião.

AMUT

O Papiro de Hunefer descre Amut, cujo nome significa "Devoradora dos Mortos" da seguinte maneira:

"Amut, cuja parte da frente é como a dos crocodilos e a detrás como a dos hipopótamos, sendo a sua metade como a de um leão.

Com certeza, a sua cabeça de crocodilo, as patas dianteiras de leão, as patas e os flancos traseiros de hipopótamo, conferem-lhe um aspecto bem bizarro. Essa iconografia compósita, ao incorporar vários animais perigosos do rio e da terra, enfatizava a impossibilidade dos mortos escaparem à ação destruidora caso tivessem sido condenados pelo Tribunal de Osíris, quando acontecia o Julgamento post-mortem.

Amut era uma das divindades de presença obrigatória na Sala das Duas Verdades, esperando junto da balança que o resultado da psicostasia viesse a condenar o defunto e, em conseqüência, este viesse a ser por ela devorado. Comer o coração ib do morto significava retira-lhe a possibilidade de uma vida nos campos de Iaru.

As representações da famosa cena de pesagem do coração, expostas no cap. CXXV do "Livro dos Mortos", não deixam de lhe conferir um papel de destaque. Ora vigiando as anotações de Toth, ora verificando o fiel da balança com Anúbis. Amut está sempre na mira de alcançar a sua recompensa.

No entanto, face aos objetos mágicos e ao conjunto de fórmulas e de declarações de inocência e pureza de que o morto se munia para enfrentar o seu julgamento e, assim, ser considerado "justificado", maé-kheru, ou "justificada", maet-kheru, "Amaior na morte", como lhe chamam alguns papiros, não parece ter devorado jamais qualquer candidato a "osíris". A sua existência tinha, porém, um significativo efeito dissociativo para o egípcio preocupado com a sua sorte no Além.

TAYET

A possibilidade do morto alcançar a vida eterna dependia, em grande parte, da garantia da incorruptibilidade de seu corpo. Essa antiguíssima crença, assente no pressuposto de que o princípio imaterial do homem necessitava do princípio material para viver no Além, esteve na base dos processos de conservação do corpo, da mumificação.

Não existem descrições egípcias do processo da mumificação, o que se sabe a esse respeito baseia-se principalmente nos escritos de Heródoto e no exame das próprias múmias. Na prática, o processo variou de pormenores em diferentes épocas. Mas como é sabido, na fase final do trabalho de embalsamamento, efetuava-se o delicado envolvimento da múmia em tiras de linho impregnadas de goma. É precisamente aqui que intervém a Deusa Tayet: Deusa de Tecelagem, era ela que providenciava o tecido para os embalsamamentos. As "ligaduras da mão de Tayet", eram utilizadas tanto na mumificação como na Medicina, com fins medicinais, terapêuticos. No Império Antigo, era dirigida a Tayet uma prece de proteção com o objetivo de guardar/conservar a cabeça do rei e de todos os ossos de seu cadáver.

Na "Casa da Purificação" ou "Casa Boa", "Casa de Ouro", local onde se desenrolavam as várias etapas do processo de mumificação, havia uma cortina cuja tecelagem a mentalidade egípcia atribuía também a Tayet, enquanto o bordado era de responsabilidade de Ptah.

Era representada como uma mulher que levava nas mãos uma bandeja de oferenda de tecidos.

AKER

Juntamente com Geb e Tatenen, Aker era uma das divindades egípcias que encarnavam a Terra. Aker era o deus-terra que presidia à união dos horizontes ocidental e oriental no Mundo Subterrâneo. Na cosmogonia heliopolitana Aker chegou a ser considerado uma divindade da terra mais antiga que o próprio Geb.

Representado sob a forma de uma parcela de terra com cabeça humana e, depois, com duas cabeças de leão ou dpla esfinde humana, Aker era o assistente dos mortos no Além. Tinha o papel de guardião da entrada e saída dos infernos, no Mundo Inferior.

A passagem da "Mesketet", barca noturna de Rá, do Oeste para o Leste, durante as horas da noite, era providenciada e supervisionada por Aker que, junto com outras divindades, aprisionava a maléfica serpente Apopis.

MERSEGER

Essa Deusa era representada sob diversas formas, como uma enorme serpente uraeus com cabeça de mulher ou como uma mulher com cabeça de cobra ou, ainda, como uma serpente com três cabeças. De vez em quando ela se manifestava como um escorpião com cabeça de mulher.

Merseger, também chamada de Meretseger era a Deusa padroeira de Tebas e dos artesões, onde era conhecida como "Pico do Oeste", Dehenet Imentet, em uma clara alusão à elevação do relevo na região da necrópole de Tebas. Em verdade, ela personificava uma montanha escarpada que se elevava a 300 metros acima do Vale dos Reis.

Seu nome significa "Aquela que ama o silêncio", o designa uma Deusa protetora e vigilante das tumbas dos faraós. Outra variante do seu nome é" A amada daquele que faz o silêncio", isto é, Osíris, o deus dos mortos.

Estelas votivas dedicadas a Merseger nos dizem que ela era um divindade extremamente suscetível e irritável que exigia profundo respeito e consideração. Quem desfiasse o "'Pico" Ta-Dehenet, incorria em feroz e severa punição. Assim srugiu a solene advertência:

"Guardai isto que direi para grandes e pequenos entre os trabalhadores: cuidado com o Pico! Pois há um leão no interior do Pico, e é como um leão selvagem que ele ataca e persegue todo aquele que lhe desobedece".

O tal leão, que era Merseger, atingia com a cegueira ou com seu veneno de serpente os trabalhadores que cometessem crimes ou proferissem falsos juramentos. Perseguia-os e castigava-os até com a própria morte. Entretanto, Merseger era uma divindade benéfica e justa para todo aquele que era seu devoto. E, em relação à esses garantia sua proteção contra venenosas serpentes.

Entre Deir-Bahari e o Vale das Rainhas havia uma caverna onde seus devotos depositavam suas oferendas. Uma reprodução da Deusa Merseger foi encontrada na tampa do sarcófago de Ramsés III.

SERÁPIS

Serápis é um deus antropomórfico que teria surgido em sonhos a Ptolomeu I. Este teria mandado fazer uma estátua de Serápis para o Egito e, a partir daí, reuniu atributos egípcios e helenísticos para idealizá-lo.

Para essa divindade convergiam os traços do Touro Ápis e Osíris, bem como dos deuses gregos Zeus, Hélio, Dionísio, Hades e Asclépio. Zeus e Hélio lhe conferiram os aspectos de soberania. Dionísio, Apis e Osíris recebeu os vetores da fertlidade. Hades, Asclépio e Osíris, forneceram-lhe os elementos funerários, relacionados com a vida no Além, com a medicina e com a magia.

Era representado como um homem de barba de cabelos encaracolados, vestindo uma típica túnica helenística plissada, usando na cabeça um "modius" (uma cesta ou vaso moderno de flores), também denominado "calathus", como ´símbolo da fertilidade.

A Serápis foram consagrados inúmeros templos por todo o território egípcio, sobretudo em Mênfis. O "Serapeum" de Mêmfis e também o de Alexandria, era um notável monumento de arquitetura religiosa.

Devido a sua estreita relação com Osíris, tinha também por parceira a Deusa Ísis, quer como deus do Mundo Inferior, quer como divindade agrícola e ainda, como tutor da medicina e das curas terapêuticas. Os gregos o identificavam com Hades. Como deus de estado, Serápis funcionou como elo agregador e unificador das populações helenísticas e egípcias.

HERET-KAU

Força dominadora do Além-túmulo, como seu nome sugere "Aquela que está sobre os espíritos" ou "Aquela que está sobre os kas" , Heret-Kau recebeu culto logo desde o Império Antigo, com sacerdócio organizado, atestando a importância e a antiguidade das crenças egípcias na vida do Além.

Em determinados rituais de fundação dos templos, na região do Delta, é representada ao lado de Ísis e Neit.

HETEPES-SEKHUS

Essa Deusa-cobra do Mundo Subterrâneo era considerada, a par de outros deuses e deusas, o Olho de Rá, cujo poder destruidor afastava todos os seus inimigos. Associada ao ciclo osiriano, é ainda, uma protetora do deus Osíris.

A sua invencibilidade e força aniquiladora é enfatizada pela habitual escolha: um grupo de crocodilos.

CHENTYT

Sob essa denominação eram veneradas duas Deusas: Chentyt de Abidos e Chentyt de Busíris. Essas Deusas, no seu papel funerário em relação ao comum dos defuntos, personificavam os papéis de Ísis e Néftis desempenhavam nos mistérios primordiais de Osíris.

Nas representações mais comuns, ambas as Deusas usam o "khat", um toucador que cai sobre as costas, preso com um nó na nuca.

AM-HEH

Habitando um lago de fogo, no Mundo do Além, o "Devorador de Milhões"  é um feroz deus, com cabeça de cão de caça, ansioso por sacrifícios. A sua energia destrutiva só pode ser repelida por uma energia criativa superior, poderosa, nesse caso do deus-sol Atum, o demiurgo de Heliópolis.

Segundo o capítulo XV do Livro dos Mortos, poderia ser um epíteto do deus Baba.

Texto pesquisado e desenvolvido por

ROSANE VOLPATTO