NEITH, A SENHORA DO OESTE


Objeto de veneração desde a Época Nagadiana, a Deusa Neith adquiriu forma humana no decurso das duas primeiras dinastias. Na I dinastia, ocupava já papel de destaque no seio da corte egípcia, tendo sobrevivido a várias transformações de ordem político-religiosa. Na onomástica desse época, o "ka" é-lhe freqüentemente atribuído. Duas rainhas da I dinastia, a esposa de Narmer, Neithopep, "Possa Neith estar satisfeita" e Merneit, "A amada de Neith", mulher do rei Udimu, inclem na composição do seu nome o da Deusa Neith.

Na VI dinastia, a primeira das esposas do faraó Pepi II chamava-se precisamente Neith, evocando o seu nome o da Deusa. A esposa do seu sucessor, Merenré, ficou conhecida por Nitócris, a primeira mulher oficialmente consagrada faraó reinante (Cânone de Turim). O seu nome em egípcio Neitikeret, pode traduzir-se por "Neith é excelente", numa clara alusão à divindade.

Originária do Delta (Sais), Neith viria a tornar-se, no Império Antigo, extremamente popular na região de Mênfis. O seu cognome "A Norte do Muro", indicando, presumivelmente, o que o seu santuário se situava ao norte do "Muro Branco, Ineb hedj, uma das designações de Mênfis, é uma referência direta desta popularidade. As mulheres das famílias aristocráticas eram muitas vezes designadas como sacerdotisas de Neith.

A Deusa Neith viria, entretanto, a alcançar categoria de divindade de estado após a XXII dinastia, quando o seu culto ascende em Sais em detrimento de uma queda do de Amon de Tebas. Todavia, será Psamtek I (664-610 a.C.), oriundo de Sais, que fará dessa cidade a capital do reino e de Neith a divindade de estado, ao unificar o Baixo e o Médio Egito, em primeiro lugar, e em seguida, do Alto Egito.

Neith era a Abridora de Caminhos, a Caçadora, Senhora do Oeste, Deusa guerreira e protetora. Seu nome significa "Eu venho de mim mesma", ou autoconcebida. De acordo com a lenda Neith emergiu das águas primevas. Seguiu o curso do rio Nilo em direção ao mar, até alcançar o Delta, dando forma à cidade de Sais. Ela se autogerou e como a "Mãe Original", uma divindade andrógina,  englobava tanto o feminino como o masculino. A sua bissexualidade era original, não tendo recorrido a nenhum deus masculino para iniciar a concepção dos vários elementos do Cosmos. As composições teológicas de Esna, em egípcio "Iunit", em grego Latópolis, devido ao peixe "Lates", ali considerado animal sagrado de Neith, outro dos seus principais lugares de culto, explicam as características da antiga potência demiúrga do Baixo Egito da seguinte forma:

"Pai dos pais, a Mãe das mães, o ser divino que começou a ser no começo quando se encontrava no seio das águas iniciais, saiu dela mesma, enquanto a terra estava nas trevas e não havia nenhuma terra, nem planta... Ela clareou o olhar dos seus olhos e veio o haver luz... E tudo o que seu coração continha veio rapidamente a existir".

Tendo concebido o mundo no seu coração, fez vários elementos virem à existência ao pronunciar simplesmente os seus nomes. Com as sete palavras criativas surgiram: a coluna inicial sobre a qual tomou posição (situada simultaneamente em Sais e Esna, os seus declarados santuários), o Sol (Rá-Amon-Khnum), a Ogdáode de Hermópolis e o deus Thot.

Face à essa especulação, ela é a mãe de Rá, enquanto vaca Ilhet que surge do caos primordial e que auxilia o nascimento do Sol. Nessa forma, associada ao tempo primário e a recriação diária, abria os caminhos do Sol. Muitas referências feitas ao renascimento do Sol nos vários pontos do céu durante as mudanças sazonais demonstram os diferentes aspectos de Neith, que reina em forma de Deusa celeste.

Neith é a criadora única de tudo que está no interior aa terra, minerais e pedras preciosas, a "Senhora do Deserto", a "Senhora do Mar", o "Grande Tudo", a "Todo-Poderosa". Na Época Baixa, é chamada "A Mãe dos deuses". Quando assume a forma de vaca, gera inevitáveis associações com Hator e Ísis. Assim, Hórus é também seu filho.

Sua função mais antiga parece haver sido uma Deusa guerreira e da caça, embora também foi Deusa da Sabedoria. No período pré-dinástico tinha a forma de escaravelho e posteriormente, seus atributos foram o arco e flecha cruzadas sobre o escudo, que constituíam seu emblema. Também levava uma coruja na mão direita e uma lança na esquerda. Foi por isso, que Heródoto a associou a Atena.

Na época dinástica, a apar com seus atributos de caça/guerra e da Deusa do Baixo Egito, Neith é também adorada como divindade tutelar da tecelagem. É, portanto, considerada a Deusa que ensinou os humanos a arte da tecelagem, as artes domésticas. Era padroeira dos tecelões de Sais que trabalhavam o linho para as faixas das múmias. Daí que, muitas vezes, seja figurada com a lançadeira de tecer na cabeça. Também nesse aspecto, a "interpretatio gareca" com Atena apresentava plausibilidade e correção.

 Ela usava a coroa vermelha do Baixo Egito e em suas mãos segurava um arco e duas flechas. O abutre era o animal sagrado de Neith e de outras Deusas. O símbolo hieroglífico para "mãe" era um abutre. Ele come os cadáveres e lhes dá novamente a vida, simbolizando o ciclo da perpétua transmutação morte-vida. Nos textos das pirâmides, foi identificado com a Deusa Ísis. As misteriosas palavras de Ísis, as que conferem vida devem ser conhecidas pelos defuntos:"A posse da oração do abutre te será benfazeja na região dos mil campos".

A partir do Reino Antigo, Neith, protegia Osíris, Rá e o faraó e era identificada com a abelha (bit), o que explica precisamente que o seu templo em Sais se chamasse per-bit. Símbolo real e solar, a abelha era associada ao raio e nascera das lágrimas de Rá caídas na terra. No plano social ela representa o Mestre da Ordem e da prosperidade e também o ardor guerreiro ou a coragem. Seu simbolismo estabelece a ordem e a harmonia, tanto pela sabedoria como pela lança.

Todas as Deusas partenogenéticas criadas por si mesmas sem a ajuda da inseminação do varão, gradualmente se transformaram em noivas, esposas e filhas, como resposta ao sistema patriarcal e patrilinear e com a Deusa Neith, não foi diferente.

Em Sais, de onde procedia, era conhecida como "Senhora do Mar" e esposa de Sobek, enquanto em textos de Reino Antigo, tinha a Seth como marido e era mãe de Sobek, com o Título de "Amamentadora de Crocodilos". Outro centro do culto era Esna (Alto Egito), onde era conhecida como "Aterradora", aqui era esposa de Khnum e mãe de Apofis (serpente maléfica), constituindo a tríade de Esna. Os salmos litúrgicos dessa localidade apresentam-na ainda assimilada a Sopdi, a Mut, a Nekhebet, a Bastat, além de Sekhemet e a Hator. Segundo outro relato mítico, da saliva que lançou nas águas primordiais produziu Apófis.

Como "Dama do Ocidente" era a protetora dos vasos de vísceras e velava o defunto junto com Ísis, Neftis e Selket. Sob sua proteção está o vaso de Duamutef, com cabeça de chacal, que contém o estômago do rei mumificado. OS "Textos das Pirâmides" e os "Textos dos Sarcófagos" referem-na já nessas funções, o que atesta a sua antiguidade e realça a sua função com o faraó morto. Mas, além de proteger as vísceras do defunto, protegia seu descanso e seu sono, disparando suas flechas contra os maus espíritos. Nessa acepção, em que funde os seus caracteres de divindade funerária e Deusa Guerreira, costumava ser representada nas cabeceiras das camas egípcias.

No famoso túmulo de Tutankamon foi encontrado quatro estatuetas douradas pequenas de quatro deusas são elas: Aset (Isis), Nebt-Het (Nephtys), Serqet (Selket) e Nit (Neith). Neste contexto, podemos identificar Neith, como protetora dos mortos, é mencionada no "Livro dos Mortos", como aquela que assegura a passagem do defunto para a outra vida. Também, o linho que envolvia a múmia eram tecidos por Neith. Desta forma, as múmias ficavam sob sua proteção. Sendo assim, Neith é uma das Deusas tutelares da morte e exerce função no renascimento da alma.

Em um mito, Neith é convidada por outros deuses para julgar no conflito entre Seth e Hórus sobre quem deveria herdar o trono do Egito, em função de sua grande sabedoria. É reconhecida aqui como a "Mãe Anciã". Ela sugeriu que Hórus fosse feito rei e que Seth deveria receber duas Deusas semíticas como prêmio de consolação. E, assim foi feito.

No período Saíta (664-525 a.C.), tornar-se uma Deusa Celeste, "Senhora do Céu, a que reúne os deuses", como Nut e Hator. Nesse época, graças à importância do comércio de lã e à acentuada tendência para um certo arcaísmo artístico-cultural, a deidade que melhor correspondia ao espírito da glória do passado que se pretendia manifestar era justamente Neith, a padroeira das artes domésticas. Passada a Renascença Saíta (664-525 a.C./XXVI dinastia), durante o Período da Primeira Dominação Persa (525-404 a.C./XXVII e XXVIII dinastias), Neith permance como principal padroeira da monarquia egípcia.

Plutarco visitou o grande templo de Neith em Sais, chamado Sapi-meht, e lá leu a inscrição:"Sou tudo o que já existiu, existe e que virá a existir. Nenhum mortal até hoje foi capaz de erguer o véu que me cobre". Parte desse santuário era uma escola de medicina chamada "A Casa da Vida" Essa escola era cuidada pelos sacerdotes de Neith, que eram médicos, especialistas em obstetrícia.

Neith era a divindade das ervas, magia, cura, conhecimentos místicos, rituais e meditação. Era a patrona das artes domésticas, tecelagem, caça, medicina, guerra e armas. Era também considerada a protetora das mulheres e do casamento.

As egípcias conheceram um mundo em que a mulher não era nem adversária, nem serva do homem. O segredo de viverem a plenitude como esposas, mães, trabalhadoras, ou como iniciadas nos mistérios do templo, sem renunciar a sua identidade em favor do homem, reside na forte presença das Deusas, que lhes davam um modelo claro de comportamento para todas as mulheres.

Se todos nós humanos, fomos criados à imagem e semelhança de um criador e só há um deus masculino, baseada em que imagem foram criadas as mulheres? Sabemos que os meninos, fazem de seus pais modelos de comportamento. Se vives em uma cultura onde só há um deus masculino e nenhuma Deusa, aonde está o modelo feminino? Como podem as meninas aprender a ser mulheres sem a Deusa?

Neith chega até nós para nos dizer que é hora de levantarmos nossos véus e nos conhecermos verdadeiramente. Quando você se olhar no espelho, poderá ver-se com a cabeça de uma górgona coberta de serpentes. Entretanto se olhar novamente com os olhos do discernimento poderá visualizar sua própria beleza imortal.

Hoje, nós mulheres, somos obrigadas a desenvolver os aspectos masculinos e patriarcais, para sermos aceitas no mundo dos homens. Entretanto, isso não implica em desistir do seu "ser" feminino. A própria Mãe Natureza se encarrega de nos lembrar quem somos quando damos à luz a uma nova vida, experiência tão profunda ancorada em nossa existência biofísica, que somente em casos muito raros passa desapercebida. É neste mágico momento, que a mulher pode experimentar a si mesma como criadora e como fonte de vida, irrefutavelmente e em uma profundidade que torna superficiais todas as atitudes equivocadas da sua consciência. Mas, até nesta hora, a mulher moderna, pode permanecer oculta entre véus, por medo profundo do Feminino, com medo dela própria, com medo da sua incompreensível natureza feminina.

Experienciar a si mesma, com a ajuda da Deusa, nos fará ver com clareza a totalidade da humanidade como uma unidade dos aspectos masculinos e femininos.

SIMBOLISMO

Os símbolos e imagens sagradas das Deusas, seus animais e pássaros, eram mais verdadeiros que os sucessos reais do cotidiano. São símbolos que nos dão acesso a esta vigorosa cosmovisão centrada na Terra e na adoração da Vida, através dos quais nós podemos deduzir o tipo de sociedade que criou estas imagens. Jung dizia que estes símbolos são"os frutos da vida anterior que fluem para fora do inconsciente".

A Deusa em todas as suas manifestações é símbolo da Unidade de toda a vida na Natureza. Seu poder é encontrado nas águas, nas pedras, nas tumbas e covas, nos animais e pássaros, nas serpentes e nos peixes, nas colinas, nas árvores e nas flores. Eis aqui a percepção holística da santidade e do mistério de tudo que há na Terra.

Devemos ter em mente também, que o símbolo natural, sem que estejamos suficientemente conscientes do fato, é idêntico à realidade do mundo natural que aparece para nós, pois cada objeto da natureza é ao mesmo tempo uma realidade simbólica. A psique com certeza não usa um objeto da natureza como símbolo, mas a experiência de um objeto já é sempre uma experiência simbólica. A montanha ou a árvore dentro de nós não é menos simbólica nem menos real que a experiência corpórea. Pois cada possibilidade de experiência ou pressupõe uma atividade espiritualmente formadora, isto, é simbólica, ou idêntica a ela. Explicando melhor, tudo aquilo que é espiritual aparece para nós primeiramente não apenas na natureza, mas como natureza. Por esta razão, a imagem como um símbolo natural sempre se refere a um objeto da natureza que era venerado como o numinoso, fosse ele mineral, vegetal ou animal, água ou raio, sol ou lua, ou algo mais abrangente, como o céu e a terra. O espiritual e simbólico é idêntico a tudo aquilo que é dado na natureza.

A cultura do Egito Antigo, tomou como deleite os portões naturais desse mundo e construiu magníficos santuários, templos, tumbas, pirâmides, criações soberbas, tão conhecidas por todos nós. Esta época, foi portanto, um período de estabilidade e criatividade notáveis, um tempo livre de contendas.

A cultura deste povo era a cultura da Arte.

A existência humana hoje, repousa em um equilíbrio precário. Nosso dever é preservar o que já existe, mas devemos velar para que os momentos de "passagem" se desenrolem corretamente. Nestas horas, quem virá em nosso auxílio será nossa querida Deusa-Mãe. Só Ela conhece todos os segredos da Criação. Só Ela "refaz tal como foi feito no começo", coloca no presente "a primeira vez", restitui o mundo "àquele tempo".

RITUAL

Deve ser realizado na Lua Crescente

Objetos necessários:
- Uma vela branca ou azul bem claro
- Incenso de lavanda

Após lançar o círculo e invocar os quadrantes, erga seus braços e diga:

Caçadora obscura, abridora de caminhos
Eu chamo seu nome.

Você que é tudo o que já foi, é e virá a ser
Ensina-me os mistérios obscuros e sagrados
Pois sem compreender os sonhos que me conduzem a estradas internas
Não sou completo

Os sonhos ensinaram aos antigos, e me ensinam hoje
Ensine-me, grande Neith!

Cruze suas mãos sobre seu peito e espere pelas bênçãos de Neith. Erga seus braços em movimento mais uma vez e diga:

Caçadora prateada que cavalga pelas pálidas nuvens da meia-noite
Eu saúdo sua luz celeste com alegria.

Bela dama da noite, eu aguardo os sonhos que me enviará,
Visões e magia fazem parte de seu poder.

Ensina-me os mistérios da Deusa Tríplice,
Mãe da cura e da sabedoria antiga, me abençoe!

Fite a luz da vela. Observe atentamente o trepidar da chama e associe ao trabalho de seu cérebro, que neste momento busca trajetos, pontes que se conectem com sua memória ancestral. São memórias muito antigas que esperam ser descobertas por você. Nós somos nossos antepassados, pois suas experiências e memórias ainda vivem dentro de nós. Nós somos as filhas da Deusa e cada uma de nós veio para este mundo com uma missão especial.

Texto pesquisado e desenvolvido por

Rosane Volpatto

Fontes:

O Oráculo da Deusa - Amy Sophia Marashinsky
O Egito dos Faraós - Frederico Mella
Egyptian Myths and Legends - Donald A. Mackenzie
Egyptian Myths - George Hart

La Religión del Antiguo Egipto - Stephen Quirke

El grande Libro de la Mitologia - Editora Dastin; Madrid

Mitologia Universal - Neil Philip

O Mundo Mágico do Antigo Egito

 

 



© 2006 Reino das Deusas