A Índia foi o lugar em
que a humanidade vivenciou a Mãe Terrível da forma a mais grandiosa,
como Kali, "as trevas, o tempo que a tudo devora, a Senhora coroada
de ossos do reino dos crânios".
Na mitologia hindu, Kali
é uma manifestação da Deusa Durga. Segundo a lenda, no primórdios
dos tempos, um demônio chamado Mahishasura ganhou a confiança de Shiva
depois de uma longa meditação. Shiva ficou agradecido por sua devoção
e então lhe concedeu a dádiva de que cada gota de seu sangue
produziria milhares como ele, que não poderiam ser exterminados nem
pelos homens, nem pelos deuses. De posse de tamanho poder, Mahishaseura
iniciou um reinado de terror vandalizando pelo mundo.
As pessoas foram
exterminadas cruelmente e até mesmo os deuses tiveram que fugir de seu
reino sagrado. Os Deuses reuniram-se e foram se queixar para Shiva das
atrocidades cometidas pelo tal demônio. Shiva ficou muito zangado ao
ser informado de tais fatos. Sua cólera, por sentir-se traído em sua
confiança, saiu do terceiro olho na forma de energia e transformou-se
em uma mulher terrível. Shiva aconselhou que os outros Deuses também
deveriam concentrar-se em suas shaktis e liberá-las. Todos os Deuses
estavam presentes quando uma nova deusa nasceu e se chamou a princípio
de Durga, a Mãe Eterna. Ela tinha oito mãos e os Deuses a investiram
com suas próprias armas de poder: o tridente de Shiva, o disco de
Vishnu, a flecha flamejante de Agni, o cetro de Kubera, o arco de Vayu,
a flecha brilhante de Surya, a lança de ferro de Yama, o machado de
Visvakarman, a espada de Brahma, a concha de Varua e o leão, que é o
meio de locomoção de Himavat.

Montada no leão,
transformou-se em Kali, e cega pelo desejo de destruição atacou
Mahishasura e seu exército. A Deusa exterminou demônio após demônio,
exército após exército e um rio de sangue corria pelos campos de
batalha, até que finalmente, decapitou e bebeu o sangue de Mahishasura
estabelecendo novamente a ordem no mundo.
Logo após as batalhas
Kali iniciou sua eufórica dança da vitória sobre os corpos dos
mortos. Com esta dança todos os mundos tremiam sob o tremendo impacto
de seus passos. Em muitas ocasiões, seu consorte Shiva teve de se
atirar entre os demônios por ela executados e deixá-la pisoteá-lo.
Esse era o único modo de trazê-la de volta à consciência e evitar
que o mundo desabasse.
Carl G. Jung nos diz que
uma das imagens de descida é aquela do sacrifício de sangue. Ele diz
que se o herói sobrevive a esse encontro com o arquétipo da Mãe
devoradora, ele ganha energia vital renovada, imortalidade, plenitude psíquica
ou alguma outra dádiva.
KALI, A DEUSA TRÍPLICE

Kali Ma é uma deusa
hindu de dupla personalidade, exibindo traços tanto de amor e
delicadeza quanto de vingança e morte terrível. Era conhecida como a Mãe
Negra, a Terrível, Deusa da Morte e a Mãe do Carma. Ela é mostrada
agachada sobre o corpo inerte de Shiva, devorando seu pênis com sua
vagina enquanto come seus intestinos. Essa imagem não deve ser
entendida literalmente, ou visualmente, num plano físico. No sentido
espiritual, Kali recolhia a semente em sua vagina para ser recriada em
seu ventre eterno. Ela também devorava e destruía toda a vida para que
fosse refeita.
Como Klika, ou Anciã,
ela governa todas as espécies de morte, mas também todas as formas de
vida. Ela representa as três divisões do ano hindu, as três fases da
Lua, três segmentos do cosmo, três estágios da vida, três tipos de
sacerdotisas (Yoginis, Matri e as Dakinis) e seus templos. O s hindus
reverenciavam o trevo como emblema da divindade tríplice de Kali. Eles
diziam que se não podemos amar a face negra de Kali, não podemos
esperar por nossa evolução.
Kali comanda as gunas, ou
linhas da Criação, Preservação e Destruição, e incorpora o
passado, o presente e o futuro. As gunas são simbolizadas por linhas
vermelhas, brancas e pretas. Ela controla o clima ao trançar ou soltar
seus cabelos. Sua roda cármica devora o próprio tempo.
Ela proíbe a violência
contra a mulher e rege as atividades sexuais, magia negra, vingança,
regeneração e reencarnação.
A Lua minguante está
associada a Kali. Aqui, há o domínio dos instintos, do indiscriminado.
Tudo pode se transformar no seu oposto. É o momento lunar mais negado
no psiquismo da mulher e está severamente vigiado para que não venha
à tona. É o feminino sombrio, mas que também pode trazer iluminação
à consciência. É mais uma passagem, ligada a processos de transformação.A
energia de Kali simboliza o poder destruidor/criador que está reprimido
em muitas mulheres que nos séculos passados se adaptaram a um modelo
socialmente determinado de comportamento dependente, sedutor e guiado
pelo sentimento de culpa. Só nos últimos cem anos é que a força da
mulher começou a retomar contato com seu poder pessoal.
No panteão das
divindades tântricas, Kali é mencionada como a primeira das 10 Grandes
Forças Cósmicas porque, de alguma forma, é ela que começa o
movimento da "Roda do Tempo Universal".
Kali é
equivalente à deusa grega Atena, que por muitos séculos foi honrada
como deusa feroz das batalhas. O mito e adoração de Kali, reflete as
forças primitivas da natureza. Estas forças estão associadas com os
ciclos da mulher e estão representadas no útero feminino, o caldeirão
do renascimento.
Kali é a Deusa
Escura, cuja escuridão nada tem a ver com o "mal". Muitos
povos vêem o mundo com a dicotomia do claro/escuro, bem/mal.
Entretanto, para o hinduismo não existem estas oposições. No
pensamento hindu não existe o mal, mas há o carma. O carma é uma lei
física e moral de causa e efeito e, todos os resultados cármicos são
resolvidos através de múltiplas reencarnações.
Kali é uma
polaridade que é evidenciada no "yin" e no "yang",
no homem e na mulher, no racional e no intuitivo, na sabedoria e na
ignorância. É ainda a interativa passagem entre o real e o imaginário,
o Oriente e o Ocidente, o campo e a cidade, a causa e o efeito. Kali é
uma deusa mítica de memória ancestral, devidamente integrada à nossa
Era Digital.
FESTIVAL DE KALI
Para a grande festa do
templo em homenagem a ela, realizada na primavera, chegavam peregrinos
da planície e das montanhas. Um cidadão inglês que assistiu ao
festiival, em 1871, relata que, diariamente, aproximadamente vinte búfalos,
duzentos e cinqüenta cabras e o mesmo número de porcos eram imolados
em seu templo. Sob o altar dos sacrifícios, fora escavada uma cova
funda e preenchida com areia limpa; a areia absorvia o sangue dos
animais decapitados. Essa areia era renovada duas vezes ao dia, sendo
aquela já embebida de sangue enterrada oportunamente, como
fertilizantes para a terra.
Tudo transcorria com
muito asseio e propriedade, sem restos de sangue nem mau-cheiro. Nos
preparativos do novo ano agrícola, a seiva vital, o sangue, deveria
renovar a força e a fertilidade da velha deusa terra, fornecedora de
todo alimento.
Atualmente, o templo de
Kali em Kalighat, Calcutá, é conhecido como o principal centro onde se
fazem os sacrifícios diários de sangue; seguramente, ele é o santuário
mais sangrento da Terra. Durante o período das grandes perigrinações
ao festival Durga anual, ou festival de Kali (Durgapuja), no outono, são
sacrificadas oitocentas cabras durante os três dias de comemoração.
Entretanto, o templo não funciona apenas como matadouro, pois o animal
permanece com quem o abateu como oferenda. No templo fica somente a cabeça
do animal, como presente simbólico e o sangue flui para a deusa.
Deve-se a ela o sangue vital de toda criatura, uma vez que foi ela quem
o concedeu, por isso o animal deve ser imolado em seu templo e, em
virtude disso, o templo torna-se, ao mesmo tempo, uma abatedouro.
Esse rito é conduzido de
forma tenebrosa e sórdica; em meio à lama formada por sangue e a
terra, as cabeças dos animais vão formando montes, como troféus
diante da imagem da deusa. Entretanto, aquele que fez a oferenda leva o
corpo do animal de volta para casa para a realização de um banquete
com seus familiares. A deusa quer somente o sangue da vítima, por isso,
a decapitação é a forma da oferenda, já que assim o sangue se esvai
rápidamente e substancialmente. É por isso que as figuras nos contos
de "Hitopadesha" e de "Kathasaritsagara" cortam suas
cabeças, embora seja verdade que a cabeça também significa o todo, o
sacrifício completo.
Em sua aparência
aterradora, a Deusa na forma de Kali, a escura, leva aos lábios o crânio
banhado em sangue; sua imagem devocional exibe-a vermelha de sangue,
sobre um barco navegando num mar de sangue: em meio à torrente de vida,
da seiva daqueles que foram sacrificados, de que ela precisa para dar
vida num processo de incessante geração de novas formas de existência,
em sua manifestação clemente como Mãe do Mundo; para que, na
qualidade de ama de leite do mundo, possa amamentá-las em seus seios e
oferecer-lhes o bem que é repleto de nutrição.
Dentre as três imagens
de Kali, a mais sinistra não é aquela em que, pavorosamente acocorada
em meio a uma auréola de chamas, com uma multiplicidade sobre-humana de
braços, devora vísceras da cavidade ventral de um cadáver, formando
assim entre este e sua boca um cordão umbilical mortal. Também não é
aquela em que, vestida com a negrura da noite da Deusa Terra e adornada
pelas mãos e cabeças decepadas de suas vitimas, posta-se sobre o cadáver
de Shiva, com um espectro bárbaro de antigüidade primitiva. Ambas são
terríveis o suficiente, quase irreais, em virtude do exagerado horror.
A terceira figura tem um efeito muito mais sinistro, porque se manifesta
de maneira mais sutil e não tão bárbara. Uma de suas mãos, de aparência
humana, está estendida e a outra afaga as cabeças de cobras, de uma
forma tão delicada como o faz Ísis, quando acaricia a cabeça de seu
filho e embora os seios animais fálicos sejam repugnantes, na verdade
lembram os seios da divindade materna africana, que são muito
semelhantes. Todavia, a cobra de cabeça dilatada que circunda suas
ancas como um cinto, sugere o útero feminino, aqui em seu aspecto
letal. Essa é a serpente que se enovela no colo da sacerdotisa da
serpente cretense, assim como as serpentes que compõe a manto da deusa
mexicana Coatlicue e que cingem as ancas das Górgonas gregas. A medonha
língua de tigre sangrenta dessa deusa é a mesma que se arremessa por
entre as presas dilaceradoras da Gógana, ou que pende entre as presas e
os seios listrados como tigre da feiticeira Rangda.
Essas figuras guardam uma
horripilante semelhança entre si. Seu aspecto destruidor e medonho nos
faz hesitar. Contudo, não podemos nunca esquecer que tudo isso, não é
uma imagem somente do Feminino, mas principal e especificamente a imagem
do Maternal.
Kali chega às nossas
vidas para dizer que é hora de perdermos o medo da morte, seja ela física,
de um relacionamento, de um emprego, de um amor. Nossos medos não podem
nos impedir de dançarmos a Dança da Vida, portanto o melhor é
aprendermos a enfrentá-los e reconhecermos que eles fazem parte de
nossa evolução. Só alcançaremos a totalidade quando resgatarmos
aspectos que abrimos mão em função do medo. Quando você reconhecer
seus medos e lhes der nomes, estará a um passo de superá-los. Não
enfrentá-los é parar no tempo e no espaço. É morrer sem ter alcançado
a esperança de um novo renascer.
JORNADA À VIDAS PASSADAS

Abra o círculo como de
costume. Esse ritual pede para que vidas passadas que influenciem a
atual sejam apontadas. Você poderá experimentar aqui o sabor da morte
física, a qual já experimentou inúmeras vezes, para que possa
compreender que ela não é o fim de tudo e sim um novo recomeço.
Você necessitará de um
caldeirão, um pano preto, uma vela preta.
Posicione seu caldeirão
no centro do altar. Cubra o caldeirão com o pano preto. A vela preta
deve estar próxima ao caldeirão. De pe´e em silêncio contemple o
caldeirão coberto. Veja-o como o símbolo da vida física, mas também
como o receptáculo de um Mistério Sagrado, o início de uma nova vida.
Remova lentamente o pano
de sobre o caldeirão e diga:
Kali Ma é a dançarina
da morte.
Seu ventre é o caldeirão
do renascimnento.
Sob seus pés dançantes
todos os humanos perecem.
Ela drena o sangue vital
como vinho.
Nenhum humano escapa de
sua Dança da Morte na Vida.
Ponha a vela preta dentro
do caldeirão e acenda-a dizendo:
Mas Kali Ma é também a
Grande mãe.
De seu caldeirão surge
uma nova vida na roda do carma.
Sua Dança da Morte na
Vida nos leva de volta ao seu obscuro e confortável abraço.
Para que repousemos e
estabeleçamos novos objetivos para outra vida.
Ao fim de nosso descanso,
Kali dança sua Dança da
Vida na Morte
E renascemos novamente.
Para realmente amar a
Deusa,
Devemos amar tanto seu
aspecto Obscuro, quanto o Claro.
Para obter perfeita
compreensão espiritual,
Devemos honrar todas as
suas faces.
Contemple então toda a
beleza da Deusa Escura e a necessidade de sua existência para o seu
crescimento espiritual. Una então as mãos e curve-se diante do caldeirão
dizendo:
Grande Kali Ma, mostre-me
minhas vidas passadas
Para que eu possa com
elas aprender.
Busco sua ajuda e orientação
para que não torne a repetir
Velhos vícios e erros do
passado.
Mostre-me o que for
necessário, Kali Ma.
Medite e quando estiver
pronta, inspire e expire profundamente. Deixe que o ritmo de sua respiração
fique mais lento e coloque a mão em seu coração, para ouvir o som de
suas batidas. Você está viva, mas precisará morrer para renascer, então
escute o silêncio entre uma batida e outra de seu coração.
Concentre-se neste silêncio, ele é a sua morte. Uma nova batida, deste
modo, é um novo renascer. Relaxe o corpo e sinta-se cair na roda do
tempo, nela você vivenciará tudo que precisa vivenciar e verá tudo o
que precisa ver. Não se apresse, nem tente controlar para onde ir ou o
que ver, simplesmente deixe fluir. Um caminho surgirá à sua frente e
lhe levará até a Planície da Visão, onde o vento sopra frio, claro e
limpo, onde você poderá ver tudo que precisa ver. Faça uma inspiração
profunda e inale a claridade da Planície da Visão.
Quando as imagens se
forem, é hora de voltar. Inspire e expire novamente e conclua dizendo:
Seu caldeirão do
renascimento ferve com seu poder.
Sua dança da morte é
uma dança regenerativa.
Mãe Negra, eu a honro em
todos os seus aspectos.
De você vem o
renascimento da mente, do coração e do corpo.
Abra os olhos e seja
BEM-VINDA!
Texto pesquisado e desenvolvido por
ROSANE VOLPATTO
kali kali maha mata
namah kalike namoh namah
jaya jagatambe eh ma durga
narayane om narayane om