~*~  CIHUATETEO - A DEUSA DA MORTE~*~  

   

 

  CIHUATETEO - A DEUSA DA MORTE

Em contraposição as Deusas da vida, temos as Deusas da morte. A idéia de vida, de morte e de vida após a morte, além da extrema originalidade, expressa também estes dois modos de vida. Aquilo que entendemos por vida e morte e que a civilização ocidental contemporânea entende como antagônicas eram aspectos de uma mesma realidade para o mundo asteca. Para o pensamento nahuatl, o milho e a vegetação surgiriam no Oeste, na residência dos deuses terrestres, viajariam por baixo da terra, e chegando no Leste, suplicariam a Tlatoc que fizesse chover na região do Sol. Vênus, nome divino de Quetzalcóaltl, nascia sistematicamente no Leste e desaparecia no Oeste. O rei de Tula teria se transformado com a morte e Uitzilopochtli era a reencarnação de um guerreiro. Mas, para os homens chegarem ao "inframundo", eles têm que primeiro serem devorados por "Tlaltecuhtli", Senhor da Terra. Só depois é que seguiam caminho, para finalmente chegarem em "Mictlán". São exemplos que demonstram o estreito vínculo entre o homem e a natureza e que ambos não estavam voltados para a morte eterna. Morte e vida são continuações de si mesmas.

No que entendemos por vida após a morte, dispomos de informações imprecisas, mas sabemos que o direito a uma vida futura não estava associado a uma retribuição moral, nem à idéia de recompensa ou castigo eterno. O direito à imortalidade estava associado ao tipo de morte. Assim, os que morriam nos sacrifícios e os guerreiros que pereciam nas batalhas morriam sob o signo de Utzilopochtli e tornavam-se os "Companheiros do Sol". Após um cortejo de quatro anos pelo caminho do Sol, retornavam à terra reencarnados em colibris. As mulheres que morriam de parto tinham o mesmo destino. Elas ficaram conhecidas como as Cihuateteo ou Cihuateteuh, que quer dizer, "Mulheres Divinas"e também tinham um lugar especial no Mictlán. 

A viagem até Mictlán era muito perigosa. Os mortos tinham que atravessar um rio muito profundo, escalar montanhas, enfrentar feras selvagens,etc. Por isso, quando a pessoa morria, era enterrada com oferendas que consistiam em objetos cortantes (para enfrentar as feras), comida e bebida suficiente para viagem, um cachorro e se o morto fosse um personagem importante, o enterravam com alguns servos.

ARQUÉTIPO DAS MULHERES MORTAS NO PARTO

Encontramos no "Códice Borgia", dentro da concepção de Grande Mãe, um arquétipo para aquelas mulheres que morriam ao dar à luz em seu primeiro parto. Se trata das Cihuapipiltin, "mulheres nobres", ou Cihuateteo, "mulheres divinas". Estas valentes mulheres, eram divinizadas e adoradas com amplas facetas de índole mágica, de tal maneira que partes de seu corpo eram consideradas sobrenaturais. Sua hierarquia lhes permitiam serem enterradas no pátio do templo das Cihuapipiltin. Elas eram equiparadas aos guerreiros ou as mulheres mortas na guerra.

A mulher que falecia no parto sem haver dado a luz, era uma mulher que não havia sido mãe e não havia logrado por alcançar a plenitude de sua feminilidade. A isto se deve provavelmente seu aspecto sinistro e a agressividade que a caracterizava.

No mundo náhuatl pré-hispânico a mulher é uma mãe potencial e a morte no primeiro parto, além, de privá-la da vida, a despoja do atributo essencial de sua razão de ser: a maternidade.

               

Em nove ocasiões do Códice, estas mulheres recém paridas, com o peito nu e os seios volumosos estão representadas. Na lâmina acima, encontramos quatro Cihuateteo. Sua pintura corporal é amarela, com o corpo de perfil, mostra o ventre inchado, demonstrando um recente trabalho de parto. Sobre suas cabeças existem adornos com plumas indicando sua condição de mulheres sacrificadas (mortas) no sagrado ato de conceber a vida.

MIQUIZPAN - A HORA DA MORTE

Enquanto não tivera um desenlace fatal, o momento do alumbramento era conhecido como miquizpan, "a hora da morte".

Quando começavam as dores as parteiras preparavam a comida para a grávida, a banhavam em temazcal e lhes davam de beber da raiz de uma erva moída chamada de cihuapatli. Se não paria, lhes davam então para beber cola de tlacuache, moída e diluída na água. Se esta terapia tampouco surgisse efeito, conjeturava-se que ia morrer e diziam:

"Nochpochtzin, noxocoiouh. Ca tiquauhcihoatl, xicnamiqui, quitoznequi: simotilini, xicmotlaehecalhuili in quauhciath, incioacoatl, in quilaztli."( "Filha pequena. És uma ulher-águia, encontra-a, é dizer, imita-a, emula a mulher-águia Cihuacóath, Quilaztli).

A parteira tentava novamente fazer a mulher dar à luz. A metia em temazcal e tratava com as mãos de ajeitar o feto atravessado no ventre. Invocava a Cihuacóath, Quilaztli, Yohualtícitl (médico-noturno). Se a criança estivesse morta dentro da mãe, metia a mão no ventre da paciente e com uma navalha de pedra cortava o corpo da criatura e arrancava os pedaços. É lógico que raros foram os casos que a mulher sobreviveria a este procedimento. E, se no caso, a família ou a paciente não concordasse com esse processo, a gestante era preparada para morrer.

A parteira isolava o local onde estava e a deixava só e, esta que morria de parto era chamada de Mocihuaquetzqui.

A mãe tinha, no contexto cultural indígena pré-hispânico um valor transcendental. A capacidade que tinham as mulheres para gerar a vida a um ser lhes conferia um lugar proeminente na sociedade indígena.

A GRAVIDEZ: UM COMBATE

Na cultura náhuatl a gestação e o parto eram para a mulher o que a guerra era para o homem um combate de forças antagônicas noturnas que se opunham. Quando o parto se realizava normalmente, os gritos de vitória das parteiras saudavam o feliz acontecimento. Se morria a mãe, outro tipo de gritos, também de guerra, lamentavam a derrota. O bebê era referido como "prisioneiro" de sua mãe.

Depois de mortas, elas eram veladas por quatro dias e retiradas pela parte dos fundos da casa. O marido era encarregado de enterrá-la, acompanhado das parteiras e anciãs. Porém uma procissão de jovens guerreiros com suas espadas também a acompanhavam e eles quando se apossavam do corpo, tratavam de cortar-lhe o dedo maior da mão esquerda, assim como o seu cabelo, os quais colocavam em seu escudo. Diziam que isto os tornavam valentes e esforçados e nada mais os meteria medo. Acrescentavam que tanto os cabelos, como o dedo da morta cegariam os olhos de seus inimigos.

Também os feiticeiros conhecidos como Temamacpalitotiqueh ("os que dançam com o braço"), buscavam apoderar-se do corpo e cortar-lhe o braço esquerdo.

As mulheres mortas no parto sempre eram enterradas ao por do sol e seus maridos e amigos deviam guardá-las por 4 noites, para que não furtassem seus corpos.

A primeira mulher morta no parto e, portanto, a primeira Mocihuaquetzqui, foi a Deusa-Mãe Cihuacóatl, também conhecida como Quilaztli. A Deusa Chimalma morreu também ao dar à luz a Quetzalcóatl.

FAMA DE VAMPIRAS

A morte encerra o ciclo da vida, mas é tão dramática, sua irreversibilidade tão imponente, seu significado tão difícil de construir, que desde os tempos imemoriais é elevado à nível de sagrado e eterno. Tempo, eternidade, vida e morte, consubstanciam a imaginação, a magia e talvez, quem sabe, a ciência. Ante a impossibilidade de aceitar a morte como um ponto final de ciclo, o homem criou mitos, ritos, crenças e costumes para legitimar a vida eterna. Alguns mitos se conservaram através da tradição oral, outros se encontram reconstituídos através da arte e outros ainda, formam parte da história humana.

Devido ao intrincado significado da morte, os rituais fúnebres são muito elaborados e definem diversas culturas. Os enterros de reis, governantes, guerreiros e no nosso caso, de mulheres mortas ao dar à luz, estão rodeados de lendas e tradições muito interessantes.

Os astecas reverenciam numerosos deuses da morte. Eles estavam intimamente ligados com aranhas, escorpiões, centopéias e morcegos. Mas a classe mais interessante e especial de Deusas com associações macabras eram a Cihuateteo, ou Cihuapipitlin, almas deificadas de mulheres que haviam morrido no parto e que se acreditava que espantavam e aterrorizavam os vivos.

MULHERES MORTAS NO PRIMEIRO PARTO

As mulheres mortas no primeiro parto tinham um caráter sinistro, no sentido original da palavra, pois estavam relacionadas sempre com a lateral "esquerda". Basta lembrar que os jovens guerreiros tentavam cortar-lhes o dedo maior da mão esquerda e os bruxos buscavam arrancar-lhes o braço esquerdo antes que fossem enterradas, para convencer-se dessa verdade.

Na realidade, estas Mulheres-Deusas eram consideradas por alguns, como seres terríveis, maléficos e perigosos, que se manifestavam nos 5 dias que desciam à terra": "ce calli", "ce ehecatl", "ce quiahuitl", "ce mazatl" e "ce ozomatli". As mulheres que nasciam no dia "ce ehecatl", tinham o poder de feiticeiras, podiam se transformar em aves, do mesmo modo que as cihuateteos. Já as que nasciam no dia "ce quiahuit", se tornariam magas poderosas, que liam a sorte nos grãos de milho.

Seguindo o modelo exemplar da Deusa Chimalma, que havia morrido ao dar à luz a Quetzalcóatl, as mulheres que morriam no primeiro parto adquiriam um caráter sinistro-noturno, domínio dos bruxos e feiticeiros, em particular os temamacpalitotiqueh "os que dançam com o braço". Depois do sol baixar no poente (Cihuatlampa "lugar das mulheres") e havê-lo entregado aos Micteca, os moradores do Mundo Inferior se dispersavam e baixavam na terra.

O crepúsculo era o momento crítico em que descendiam para transitar nos caminhos e especialmente nas encruzilhadas que eram seus lugares prediletos.

As almas de mulheres que, mortas na hora do parto, tornam-se demônios femininos atormentados, combinam em si a vida e a morte e também pertencem ao simbolismo do Ocidente. Elas se penduram no céu, sob a forma de aranhas especialmente hostis aos homens, com poderes demoníacos das trevas primordiais, fazem o cortejo do sol, desde o zênite até seu lugar de morte, no ocidente. Elas são os poderes do tempo antes dos tempos, em que esse "início" significa uma era "anterior ao nascimento ao sol". Como demônios femininos da aurora matriarcal, elas ainda são aquelas dos últimos dias que engolirão a humanidade quando o fim do mundo se aproximar e com isso causar o desmoronamento e a colisão do sol, da lua e das estrelas e quando a humanidade todo for tragada.

A concepção de mundo povo asteca é marcada de que a noite do infortúnio está à espreita de todo o ser vivo. Além de cada uma das quatro eras do mundo terminar em uma catástrofe, o final do período referente a um calendário, que abrange 52 anos, marca um momento sinistro em que se aguarda o fim do mundo com medo e flagelações e em que a continuação da vida é celebrada como um milagre e como um renascimento. Esse lapso de 52 anos é análogo ao hora´rio da meia-noite de um dia completo, e ao solstício de inverno, referente a um ano. Nessas ocasiões, todos os vasos são destruídos e todo fogo que esteja aceso é apagado.

É um momento de julgamento, como ocorre no Ano Novo judaico, e a passagem desse momento de perigo é celebrada com júbilo orgiástico, como se faz em diversas festas de passagem do ano em todo mundo, e novamente acende-se o fogo.

CIHUATETEO E TZITZIMIME

As fontes recopiladas no século XVI pelos frades espanhóis não davam uma imagem muito clara do que representavam as Tzitzimime (demônios femininos) no imaginário indígena. Aparecem as vezes como monstros apocalípticos, do sexo masculino ou feminino, ou andróginos segundos algumas fontes. Esta monstruosidade está relacionada, em termos gerais, com o vazio, com o caos, conseqüentes à morte do sol, ao fim do movimento espaço-temporal ou outro cataclismo universal.

Um dos casos mais claros de uma possível aparição de Tzitzimime se constitui na conhecida cerimônia "Fogo Novo" quando a cada 52 anos se apagavam os fogos "velhos" dos templos de Anáhuac e se procedia, à meia-noite, à produção por fricção do fogo "jovem". Antes de proceder a esta cerimônia as mulheres grávidas eram encerradas em graneleiros. Se temia que se o movimento espaço-temporal se detinha, se o sol não voltasse a brilhar, ditas mulheres grávidas se tornariam seres devoradores de humanos, provavelmente assimiladas às Tzitzimime.

Uma representação de uma Tzitzimitl na lâmina 76 do Códice Magliabechiano não deixa dúvidas sobre o teor genérico de ditos seres.

Por tudo já mencionado anteriormente, se deduz que as mulheres grávidas se tornariam monstros telúrico-noturnos no momento em que cessava o movimento universal, pois se tornariam mulheres que haviam sido frustradas de sua maternidade. É provável que ditas mulheres foram Tzitzimime.

Texto pesquisado e desenvolvido por

ROSANE VOLPATTO