DANÇA DE SÃO GONÇALO

A
origem da Dança de São Gonçalo, remonta de Portugal. Era antigamente
realizada no interior das igrejas de São Gonçalo, festejado a 10 de
janeiro, data de sua morte em 1259. realizada em Portugal desde o Século
XIII, chegou ao Brasil em princípios do Século XVIII, com os fiéis do
santo de Amarante.
Na cidade do Porto, em Portugal, o ato de se
dançar nas ocasiões de comemoração à São Gonçalo era chamado de Festa das
Regateiras. Ocasião em que participavam as mulheres que queriam se casar. A
dança era realizada dentro da igreja, o que nos remete à Idade Média e Moderna
em Portugal.
São
Gonçalo é um santo português com culto permitido pelo papa Júlio III em
24 de abril de 1551. Nascido em Tagilde no ano de 1187, estudou rudimentos com
um devoto sacerdote. Depois, freqüentou a escola arqui-episcopal
em Braga. Após
ordenado sacerdote, foi nomeado pároco de São Paio de Vizela. foi a Roma e
Jerusalém.
No
regresso, São Gonçalo passou por um período de busca interior e encontrou
na experiência popular a maneira de converter pecadores. Conta-se
que São Gonçalo para reabilitar as prostitutas, vestia-se de mulher e dançava
e cantava com elas a noite toda. Ele
entendia que as mulheres que participassem dessas danças aos sábados não
cairiam em tentação no domingo. Acreditava ainda, que com o tempo
se converteriam e se casariam.
São
Gonçalo pregou e operou supostos milagres por todo o norte de Portugal.
Sobre o rio Tâmega construiu uma ponte. São Gonçalo morreu no dia 10 de janeiro
de 1259 em Amarante, no Douro, à margem direita do rio Tâmega,
em Portugal. Após
sua morte, passou a ser protetor dos violeiros, remédio contra as
enchentes, além de casamenteiro. Ele foi canonizado em 1561. O
rei de Portugal D. João III, um grande devoto,foi um dos primeiros a
empenhar-se para a beatificação de São Gonçalo
em Roma. Em Portugal
a sua festa é realizada em Amarante,no dia 7 de Junho e dedicam-lhe
uma semana de festejos, com procissões, bandas de música, folguedos
populares, etc.
No
Brasil, atualmente não há dia determinado; aliás não fazem mais festas,
romarias para o santo (outrora 10 de janeiro) somente oferecem-lhe uma dança
e reza, cerimônia que ocorre sempre que alguém lhe tenha feito promessa e
alcançado uma graça.
Em
algumas locais o Santo ( Imagem ) é representado da forma Católica ,ou
seja com a ausência da viola, no entanto as Imagens do Santo destinadas
para o culto popular através da Dança de São Gonçalo é representada ,na
grande maioria das vezes de duas maneiras:
1.
São Gonçalo do Amará (Amarante): É representado à moda das vestimentas
camponesa portuguesa da época, ou seja: calção preso pouco abaixo do
joelho,meia preta, bota braguesa (para andar em local úmido)chapéu na cabeça,capa
azul nas costas e viola na mão.A justificativa encontrada para a representação
do Santo com estas vestes ,deve-se ao período que estava em construção uma
ponte na região onde viveu, ele ajudava na construção e após ia tocar
viola para a conversão dos "pecadores", e não tinha tempo de
trocar de roupa.
2.
São Gonçalo Padre: É representado de batina,crucifixo no pescoço,chapéu
de padre, sapatos(que não eram sapatos comuns, pois tinham pregos que furavam
seus pés e servia de penitência durante a celebração de sua missa,onde
cantava, tocava e dançava )
e viola.
As
Imagens de São Gonçalo,na sua grande maioria, apresentam fisionomia de
alegria,que segundo o povo era a marca registrada de São Gonçalo
"São
Gonçalo está no artá,
com sua linda formusura,
quem beijá o São Gonçalo
tem a sarvação segura."
Diz
uma lenda, que a mulher que tocar com alguma parte do corpo o túmulo do
santo, em Portugal, terá casamento garantido dentro de, no máximo, um ano.
A
dança inventada por ele continuou sendo realizada por diversos grupos que
além de festejar o santo, pagam promessas feitas a ele.
"Já
louvei a São Gonçalo,
esse santo me valeu,
contra todos os perigo,
ela já me protegeu".
A
DANÇA RELIGIOSA

Esta
manifestação pode ser encontrada em quase todo o Brasil, com variações
coreográficas bastantes diversificadas, tomando diferentes formas de
execução.
O
primeiro registro de uma festa de São Gonçalo na Bahia foi feito em 1718, na
cidade de Salvador,
pelo viajante francês Gentil de
La Barbinais. A
festa aconteceu na antiga igreja de São Gonçalo, no atual bairro da Federação,
e reuniu o então Vice-Rei Marquês de Angeja, padres, fidalgos, mulheres e
escravos que dançavam com tamanha intensidade que "faziam vibrar a
nave da igreja". Aos gritos de "Viva São Gonçalo do
Amarante", os bailarinos pegaram a imagem do santo e "começaram a
jogá-la para o alto, de um para o outro ...", escreveu o escandalizado
viajante.
A
dança hoje é organizada em pagamento de promessa devida a São Gonçalo. O
promesseiro é quem organiza a função, administrando todo o processo
necessário à realização deste ritual. É realizada dentro de casa ou em
local coberto, onde se arma um altar com a imagem deste santo e outros de devoção
do promesseiro. Em frente a este altar é que se desenvolve toda a dança.
Os
dançarinos se organizam em duas fileiras, uma de homens e outra de
mulheres, voltadas para o altar. Cada fileira é encabeçada por dois
violeiros, mestre e contramestre, que dirigem todo o rito.
A
dança é dividida em partes chamadas “volta”, cujo número varia entre
5, 7, 9 e 21. Entre cada “volta” há interrupção e todos aproveitam
para se servir das iguarias oferecidas pelo promesseiro.
As
“voltas” são desenvolvidas com os violeiros cantando, a duas vozes,
loas a São Gonçalo, enquanto dançarinos, sapateando na fileira em ritmo
sincopado, dirigem-se em dupla até o altar, beijam o santo, fazem genuflexão
e saem sem dar as costas para o altar, ocupando os últimos lugares de suas
fileiras. Cada volta pode durar de 40 minutos a 2 ou 3 horas, dependendo do
número de dançadores. Na última “volta”,
em São Paulo
chamada “Cajuru”, forma-se uma roda onde o promesseiro a dança
carregando imagem do santo, retirada do altar. Se houver mais de um pagador
de promessa e mais de uma imagem, todos os promesseiros carregam simultaneamente
as imagens. No caso de haver apenas uma imagem para vários promesseiros, o
santo vai passando de mão em mão, enquanto os demais dançarinos agitam
lenços brancos.
No
Paraná, as “voltas” recebem nomes especiais, como “despontam”,
“marca-passo”, “parafuso”, “confissão” e “casamento”.
Em Minas Gerais
é considerada dança de votos de solteironas que desejam se casar. A dança
é desenvolvida por dez ou doze pares de moças, todas vestidas de branco,
cada uma delas levando um grande arco de arame recoberto de papel de seda
branco franjado. O movimento das rodas é ordenado pelo “marcante”, única
figura masculina presente. Acompanhada pela música executa em viola,
sanfona e caixa, a coreografia consta de evoluções com os arcos.
As
Rodas de São Gonçalo de Amarante acontecem durante a Festa de Nossa
Senhora do Rosário. Participam desta dança igualmente, as moças
casadouras da cidade, que em pares e vestidas de branco empunham um arco
ornamentado de flores e fitas. Após a missa matinal, as moças saem da
igreja pelas ruas em cortejo, cantando loas ao santo casamenteiro,
acompanhadas de músicos tocando violas, rabecas, violões e pandeiros. A
dança se estende pela noite, defronte das igrejas ornamentadas com arcos de
flores, iluminados por velas acesas.
Em Alagoas a dança incorpora elementos litúrgicos e as moças novamente,
vestem-se inteiramente de branco. Formam duas colunas com seis pares que dançam
acompanhadas pelos tocadores.
Em
Pernambuco as moças vestem-se com saias azuis e blusas brancas. Na Bahia a
indumentária é livre.
Em
Sergipe a tradição tem a referência do padre português que introduziu a
dança como pretexto para atrair os infiéis à igreja, catequizando-os e
incutindo-lhes a prática do casamento. O grupo é conduzido por um
"mestre" tocador de viola, um "contra-mestre" que toca a
"meia-cuia" e dois guias. A dança é executada em nove rodas,
divididas em treze partes apresentando coreografias diferenciadas. A
indumentária é livre.
SÃO GONÇALO DE MUSSUCA
No município de Laranjeiras em Sergipe,
no povoado de Mussuca, essa dança é executada somente por
homens (negros em sua maioria). A única mulher presente não tem papel
ativo (carrega o santo).

"Mariposa"
Este grupo é constituído de: “Patrão”, o chefe, que tira os
cantos e comanda a dança por meio de gestos e toques convencionais que executa
na caixa. “Mariposa”, mulher que carrega o santo à frente do cortejo e eventualmente tira os
cantos. “Tocadores” em número de quatro, têm função de executar as músicas.
Dançarinos, em número de oito, são liderados por dois “Guias” que
encabeçam as fileiras.
Os dançadores homens se vestem com saias, turbante na cabeça, fitas coloridas e
colares, pois estão representando as prostitutas que São Gonçalo recuperou
através da dança.

"Dançadores" foto:
Janaina Cruz
As indumentárias do grupo também possuem significados culturais negros. Os
colares coloridos não seriam simples adornos, mas sim contas africanas de culto
aos orixás, introduzidas pelos escravos. Essa hipótese é reforçada pelo fato de
que em ocasiões de simples ensaios, os figuras dançam sem as vestes, mas sempre
com as contas no pescoço. Outras peças, como o turbante seriam heranças dos
africanos colonizados na África primeiramente por mouros, e posteriormente
trazidos para o Brasil.
Os
instrumentos musicais utilizados são: uma caixa, dois violões, dois cavaquinhos, dois reco-recos,
chamados “pulés”, tocados pelos “Guias”. Nesta dança, patrão e dançarinos
usam trajes especiais. O primeiro veste-se de marinheiro, por influência do
mito e afirma:
-“São
Gonçalo hoje é santo, ele já foi marinheiro”.
São
os cantos que determinam as partes ou jornadas, em número de sete: “Nas
horas de Deus amém”, “Vosso rei pediu a dança”, “Adeus parente”,
“Jiruaê”, “Mamãe Zambi”, “Suzanê” e novamente “Nas horas de
Deus amém”. A coreografia consta de uma série fixa de evoluções que se
repete a cada jornada.
Organizados em duas fileiras voltadas para o altar,
os dançarinos fazem movimentos por dentro e por fora das filas, trocam
passos cadenciados com o patrão, fazem uma volta em torno dele, retornam às
fileiras e trocam os lugares, terminando com uma vênia diante do altar do
santo.
Em cada jornada há apresentação da Chula, que possui coreografia
própria: com os braços levantados, um guia voluteia em torno do patrão e
ambos executam movimentos de requebros, terminando com impulso do ventre à
semelhança da umbigada. Este movimento é reproduzido por todos os dançarinos,
dois a dois.
CANTO DA CHULA
Chorei Maria, já chorei
não choro mais
a vida de solteiro, já
gozei não gozo mais
Essa primeira cantiga,
para São Gonçalo eu canto
eu perdi a minha agulha no
caminho pra Amerante
Menina
minha menina
coração
de dois de ouro
se tu
quer casar comigo
deixe de
tanto namoro
Menina
minha menina
coração
de maravilha
foi você
que me ensinou
agora
tenho outra vida
O fecho é dado pela Chula-de-encerramento: com passinhos miúdos,
semelhantes ao sapateado, as duas fileiras, ora se aproximando, ora se
afastando, chegam até o altar. Aí, em conjunto, todos se ajoelham, fazem vênia
e dão por encerrada a dança. Por se tratar de dança votiva, o calendário
fica à mercê dos devotos.
Em apresentações profanas as
jornadas podem chegar a ser em número de nove.
A
letra das cinco jornadas intermediárias de uma apresentação, que não seja o
pagamento de alguma promessa, provêem de letras inspiradas em temáticas
africanas. Tais músicas também podem ser ouvidas quando das apresentações de
outros grupos folclóricos que têm em si raízes negras. No pagamento das
promessas as músicas em louvor ao santo português são em maior quantidade. Uma
possível interpretação desses fatos é que os negros, após o período de cativeiro
no Engenho Ilha, situado na Mussuca, tenham entrando em contato com os negros do
município de Laranjeiras e ainda outros de fora da região e tenham
espontaneamente inserido suas canções nos ritos de culto a São Gonçalo .
"São Gonçalo de Amarante
Santo bem casamenteiro.
Antes de casar as outras,
A mim casai-me primeiro".
Uma
ocasião especial para a realização da dança de São Gonçalo em Mussuca é
durante Festa do Senhor da Cruz, realizada todo domingo de Páscoa. Nesse
dia, os componentes do grupo realizam um ritual simples e em conjunto. Pela
manhã, após os batizados na igreja do Senhor da Cruz, acontece o ensaio do
São Gonçalo. À tarde acontece a missa, e a procissão do Senhor da Cruz, em
que o grupo acompanha a caminhada já com a indumentária, mas atentos aos
hinos entoados na procissão. No fim da procissão, o padre dá a bênção final
na porta da igreja, e ali mesmo o grupo inicia sua evolução.
São
Gonçalo é honrado em muitas igrejas e santuários, que se gloriam de tê-lo
como patrono e protetor; desses centros de piedade continua o nosso Santo,
servo fiel de Deus, a derramar generosamente suas bênçãos e graças através
da sua poderosa intercessão.
São
Gonçalo do Amarante, rogai por nós!
As danças ou rodas de
São Gonçalo podem ser encontradas ainda hoje nos estados da Bahia, Sergipe,
Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Maranhão, Piauí,
Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná e São Paulo.
Texto
pesquisado e desenvolvido por
Rosane
Volpatto
Bibliografia
Folclore Paulista - Américo
Pellegrini Filho; Editora Cortez; SP
Para Entender Folclore - Cáscia Frade; Global Editora e Distribuidora; RJ
A Dança de São Gonçalo da Mussuca - Christiane Rocha Falcão
UNIrevista - Vol. 1, n° 3 (julho 2006)
Cascudo, Luís da Câmara -
Dicionário do Folclore brasileiro. Rio de Janeiro: MEC
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