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CACUMBI

Tambores ancestrais ecoam na manhã que antecede
a comemoração de um Natal singular: o NATAL NEGRO.
Conjugando influências da cultura negra africana com
a européia católica, o CATUMBI entra em cena com
seus aparatos simbólicos, em uma manifestação
concreta do sincretismo religioso brasileiro.
Sua realização tem o sabor da
conquista: não faz muito tempo que os negros da
comunidade só podiam comemorar o Natal no dia 26,
depois do "Natal dos brancos". O costume, imposto
pela sociedade escravagista, perdurou até a segunda
metade do século passado.
Cacumbi,
Ticumbi, ou Catumbi, os nomes são variados para a
manifestação afro-brasileira que acontece no Estado
de Santa Catarina e Espírito Santo, entre os meses
de setembro e dezembro e cujo momento maior acontece
nos dias de Natal.
Seria uma variante das congadas
cultivadas no sul do Brasil.
A dança é realizada em homenagem aos padroeiros
negros São Benedito e Nossa Senhora do Rosário.
Atualmente, apenas um grupo, o Catumbi de Itapocu,
ainda mantém a tradição. Santa Catarina já teve o
Cacumbi do Capitão Amaro, em Florianópolis, e,
segundo membros da comunidade negra, um outro grupo,
o de Matias Sartiro Senhorinho, de Biguaçu (Grande
Florianópolis) teria sido desfeito na década de
1950, com a morte do líder, com cerca de 70 anos.
Durante as décadas de 30 e 40, conforme relatou o
capitão Amaro à historiadora Telma Piacentini, havia
encontros de disputa de trovas entre vários grupos
da Grande Florianópolis.
A Igreja Católica e sua política de catequização no
Brasil também foram determinantes para criar o
sincretismo religioso entre os negros. "A
arregimentação dos afros em confrarias do Rosário e
São Benedito foi inicialmente uma imposição de fora
ao africano. Foi uma segunda estratégia para uma
cristianização mais profunda", explicam Jucélia
Maria Alves e Rose Mery de Lima no livro "Cacumbi -
Um Aspecto da Cultura Negra
em Santa Catarina ".
Apesar da resistência de alguns padres, o grupo de
cacumbi de Florianópolis, comandada pelo capitão
Amaro, participou de festividades nas igrejas. Os
filhos lembram até hoje da emoção em entrar na
Igreja de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito
dos Pretos, os santos que estão bordados nas duas
faces da bandeira usada nas apresentações. O grupo
de Itapocu fundou a sua própria igreja, a Igreja
Católica do Brasil.
O grupo quando se apresenta, veste longas batas
brancas e rendadas, com traspasse de fitas
coloridas, calças compridas brancas, com friso
lateral vermelho, ou sem este; na cabeça, amarram um
lenço branco, todo enfeitado de flores de papel de
seda e fitas longas de várias cores. Alguns colocam
sobre o lenço um chapéu de palha também enfeitado
com fitas e flores. Os reis trazem coroas de
papelão, ricamente ornamentadas com papel dourado ou
prateado, peitoral vistoso com espelhinhos e flores
de papel brilhante, capa comprida de adamascado ou
de cetim lamê e, na mão ou na cinta, longa espada do
“tempo do Império”. Os dois secretários ou
sacratários diferenciam-se dos "congos" por
portarem capa e espada como seus reis. As duas cores
escolhidas pelos reis para sua corte variam. O
vermelho quase sempre está presente em alguma das
cortes, por ser uma cor forte e realçar os mantos
reais.

A dramatização do
auto é simples: dois reis negros (Bamba e Congo)
querem fazer, cada qual e separadamente, a festa de
São Benedito. Há embaixadas de parte a parte, com
desafios atrevidos, declamados pelos secretários,
que servem de "embaixadores". Por não ser possível
qualquer acordo ou conciliação, trava-se a guerra ,
ou melhor, as
guerras de luta bailada entre as duas hostes
rivais. Dança-se, então, a
Primeira guerra de "reis" Congo ou "guerra
sem travá" e, depois, a "guerra
travada". Desta última participam os dois
reis que, no meio da roda dos "congos", batem as
espadas cadenciadamente, junto com seus secretários
também empenhados no combate. Vencido, afinal, o rei
Bamba,
submete-se este e seus "vansalos" ao batismo,
terminando o auto com festa em honra ao rei
Congo, quando, então, se canta e se dança o
Ticumbi, que dá nome à representação. O
Ticumbi tem o intuito nitidamente visível: conversão
e batismo dos pagãos.

Esta
festa em Conceição da Barra/ES acontece na
paragem de ano, do dia 31 de dezembro para 1 de
janeiro e compõe-se de certo número de negros (só
negros), entre os quais o Rei Congo (ou
"reis" de Congo), o Rei Bamba (ou "reis" de Bamba),
seus secretários e o corpo de baile ou "congos", que
representam os guerreiros das duas "nações". Em
Sergipe, é apresentado
como um cortejo despido de caráter teatral. Composto
exclusivamente por homens, o Cacumbi traça uma
perfeita arrumação de seus componentes no contorno e
no ritmo.
No Pará, é cultivada
principalmente nas regiões onde se instalaram os
negros escravos, com mais freqüência em Cachoeira do
Arari na Ilha do Marajó, por isso também conhecida
com a denominação de Chula Marajoara.

Podemos dizer que há danças e cantos Ticumbi. As danças são apenas volteios dos guerreiros, no combate
gingado. Os cantos, alternados com as falas dos reis e dos embaixadores ou secretários, são entoados,
em conjunto, pelos guerreiros das duas hostes, ao
som de pandeiros, chocalhos e da viola que "dá o
tom".
Outro aspecto
importante da dança do cacumbi é a coroação do rei e
da rainha. Essa representação é feita num palco ou
salão, pois traduz simbolicamente as coroações de
reisados africanos. O rei se apresenta acompanhado
da rainha e dos pagens coroados, com mantos
ricamente bordados, e a faixa indicando o nome da
nação. Os soberanos ocupam os tronos, ficando ao seu
lado os pagens e uma dama da corte com a bandeira de
Nossa Senhora do Rosário, protetora dos homens de
cor.
O capítão dá
início à cerimônia da coroação cantando os versos
alusivos ao ato. As danças da coroação são
prolongadas com movimentos coreográficos elaborados
e versos contando a história das nações guerreiras
disputantes dos domínios territoriais. No
encerramento, faz-se a despedida com a "meia-lua",
quando o grupo desfila entoando:
"Deus esteja aqui
Que me quero
arretirar
Senhor dono da
casa
Já é hora de
marchar".
No espaço idealizado pela fantasia, tudo é
possível. Nas danças e expressões populares,
visualizamos o desejo como o diretor da cena. E,
quando o “parecer” se torna “ser”, a realidade da
vida fica em suspenso nas mãos dos deuses que também
brincam com aquele que está brincando.
É dando voz aos nossos desejos, que
preservaremos este imenso cabedal de conhecimentos.
Não deixe que este maravilhoso sonho acabe,
prestigie você também nosso folclore. Esta
preservação é um dever social!

“Auê
como está tão belo
O nosso Ticumbi
Vai puxando pro seu rendimento
Que São Benedito é filho de Zumbi...”
Texto pesquisado e desenvolvido por
Rosane Volpatto
VERSOS CANTADOS
(retirados do livro Folclore Catarinense de
Doralécio Soares):
"A
Nossa Senhora
Saiu hoje na rua
Mandando seus filhos
Fazê meia lua
O dono da casa
Mandou me chamá
Com sua licença
Queremos chegá...
A calçada é alta
Não posso "assubi"
Tem pedra miúda
Podemos cair.
O capitão mandante
O chefe general
O nosso batalhão
Quem mandou marchar.
Nós chegamos hoje
Saudar nossa praça
Oh! São Benedito
sejais
Nossa Senhora da
Graça.
Santo Antônio
"Arripica" o sino
Leva a bandeira
Lá no caminho.
O neguinho do ganho
Que quer ganhar
Um tostão por dia
Pra gastar.
Avoou uma ave - cap.
Daquela janela - coro
É um papagaio siá dona
- cap
Da pena amarela - coro
O Sinhô, sinhô, sinhô
Capitão
Quedê o dinheiro da
nossa ração.
Já que tu não soubeste
Pra que não me dão
A metade do queijo
Fatia de pão.
Vai-te embora sordado
-cap.
Não me venha atentar
Com essa espada
Não se pode brincar.
O que pode essa espada
Disfarce do corte
Eu te tiro o pescoço
No primeiro corte.
Não tenho dinheiro -
cap.
Não tenho nada
Tenho é a ponta
Da minha espada.
Vai-te embora sordado
Não me venha atentar
Com essa espada
Eu te posso furar.
Vorte aqui meu sordado
Não me venha atentar
Com essa espada
Não se pode brincar.

Bibliografia
consultada:
Folclore
Nacional II - Alceu Maynard Araújo
Dança
Brasil - Gustavo Côrtes
O
Folclore Negro do Brasil - Arthur Ramos
Folclore
- Cáscia Frade
Danças
folclóricas brasileiras e suas aplicações
educativas - Maria Amália Corrêa Giffoni
Folguedos
Tradicionais - Edson Carneiro
Danças do
Brasil - Felicitas Barreto
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