É
muito comum encontrarmos na planície amazônica barracas de
seringueiros, cachoeiras e passagens dificílimas que ostentam o nome do
guerreiro indígena.
Ajuricaba foi
um dos chefes da grande tribo dos manaus que conseguiu impor-se aos
civilizados pelas suas qualidades de bravura, de tenacidade e, sobretudo, de
inteligência.
Após a
chegada do homem branco, o povo indígena procurou novas paragens para viver
liberto, ou teve de se moldar ao cativeiro, imposto pelas circunstâncias.
As povoações
que surgiram logo depois da chegada dos lusos, foram, inicialmente, habitadas
por silvícolas, que, presos ao torrão em que viviam, se transformaram em
indivíduos sem vontade, sem razão, sem ideais, verdadeiras feras domesticadas,
que, ao estalar do chicote, faziam tudo que lhe ordenava o domador.
Às vezes, no
terreno de aluvião, sujo e lodoso, se encontram o ouro e gemas preciosas e,
também, em meio ao sofrimento , dor e pavor, surgem gênios, pessoas raras.
Aqui em nossa terra existiu um destes seres iluminados por um espírito
guerreiro, combateu com ardor e muita impetuosidade a hostilidade do pretenso
civilizador.
Entre os
precursores da liberdade indígena destacam-se: Poti, Sepé, Araribóia,
Tibiriça, Viniambebe, Ajuricaba, Itagibe e Jaguari.
O valente
chefe manu possuía seu quartel general nas imediações da povoação de Santa
Isabel, no rio Negro, onde o Hi-i-aá despeja suas águas.
Ajuricaba não
nasceu para o cativeiro. Nasceu com a mata intérmina à sua disposição para
nela expandir a sua ânsia de viver livremente.
Povoadores
estrangeiros procuravam o recesso da terra à cata de riquezas.

O rio Negro
foi visitado pelo norte e pelo sul por eles, que através do Orinoco e do
Amazonas caçavam a cidade dourada de Manoa, cenário da lenda criada pela
imaginação opulenta dos conquistadores do rico Império Inca.
À medida que
as explorações avançavam e o êxito era obtido, povoações iam surgindo como
balizas de um terreno que já havia sido pisado pelo civilizado.

O índio que
sentia frio pela falta de agasalho, o índio que atritava dois calhaus em um
tempo enorme para obter o fogo, o índio que com o machado de pedra lenhava com
dificuldade, sentia-se atraído pela nova civilização e, tal qual mariposa em
torno da luz, vinha sondando, espreitando e aproximando-se dos lugares onde o
homem branco se estabelecia. Tornavam-se cativos voluntariamente e, às vezes,
serviam de guias à caça de seus próprios irmãos.
Ajuricaba
aliou-se aos holandeses de Rupununi, com quem barganhava objetos da indústria
indígena e produtos extraídos da mata onde vivia, por mercadorias e utensílios
fabricados pelos civilizados. De todos os objetos do branco, o que possuía
maior poder de fascinação sobre o aborígine era o facão. Com ele o índio valia
por dez nas lutas contínuas contra a floresta.
Inúmeras
aldeias, inclusive de missionários, brotavam, dia a dia, ao longo do rio Negro
e dos seus afluentes.
Ajuricaba
organizou poderosa frota de canoas e com ela foi levando de vencida tudo o que
topava pela sua frente.
Em represália
ao fato de alguns dos seus irmãos de sangue haverem servido de guias aos
brancos, o heróico chefe manau resolveu adotar o mesmo processo utilizado pelo
adventício, todo índio que caísse prisioneiro, ele o levaria aos holandeses
afim de vendê-lo como escravo.
Mostrava
assim Ajuricaba não possuir o instinto canibal e sim especulativo, aplicando
uma solução humana e rendosa.
Cada dia que
se passava, o chefe indígena aumentava os seus domínios, tomando uma aldeia ou
tripudiando dos seus habitantes com ataques de surpresa dirigidos com energia.
Para debelar
a ação dos silvícolas, mil pedidos foram feitos ao governador do Estado do
Pará. Em vista desses apelos, o general João da Maia da Gama resolveu nomear
Belchior Mendes de Moraes para guarnecer as posições invadidas com um corpo de
infantaria.
Da expedição
faziam parte o ouvidor José Borges Valerio, que coube a missão de dirigir uma
devassa na vida do chefe e da tribo guerreira.
Assim que a
expedição abordava a vila de Carvoeiro, os habitantes cercaram-na, revelando que
Ajuricaba acabara de aprisionar naquela cidadezinha muitos índios
catequizados. Belchior, saiu então, ao encalço do agressor e, no fim de algum
tempo, alcançou a flotilha indígena, composta de vinte e cinco canoas.
Belchior
chamou o chefe manau, exigiu a entrega dos presos e o repreendeu acremente.
O ouvidor de
Belém regressou a esta cidade com fortíssima documentação contra Ajuricaba e
seus irmãos Bebari e Bejari.
Levando o
fato ao conhecimento do rei, este ordenou que fosse feita guerra aos chefes
denunciados até ao extermínio.
Nova tropa é
organizada e, sob o comando do capitão João Pais do Amaral, parte para
reforçar a enviada em primeiro lugar.
A luta se
trava por todos os quadrantes e, embora a diferença de armamento, Ajuricaba
resiste algum tempo, dando exemplos seguidos de audácia e valor.
Finalmente,
como apertado em uma cinta de ferro, ele se vê cercado com seus irmãos e mais
de dois mil guerreiros. Cai prisioneiro, lutando. Levam-no para bordo de um
navio e lá ele consegue amotinar os presos que a custo foram subjugados. Como
se pudessem algemar a idéia que o dominava, amarram-lhe aos pés grossas e
pesadas bolas de ferro com correntes. Todavia Ajuricaba não nasceu para ser
cativo e em uma manhã consegue arrastar-se até a borda do navio e, explodindo
de alegria, atira-se às águas espelhantes do rio com seus pesados grilhões,
libertando-se para sempre...
Hoje o povo
indígena amazonense aguarda outro libertador que o livre da agonia que o
sufoca.
Texto
pesquisado e desenvolvido por
Rosane
Volpatto

Bibliografia
Índios do Brasil - Lima Figueiredo
Estórias e Lendas da Amazônia - Anísio Mello