A ÁGUIA GIGANTE
Em
tempos muito antigos, uma águia gigante ameaçava a segurança dos índios. A
terrível ave de rapina devorou a tia dos dois poderosos ancestrais dos Caiapós.
Um pai criou dois de seus filhos debaixo da água, para que se tornassem
homens fortes, capazes de matarem a tão temida ave e vingarem assim, a morte
da parenta. Seus nomes eram: Kukrüt-kakó (osso de tapir) e ngo-k0n-ngri
(cabaça pequena).
O
pai construiu para as crianças uma armação de madeira com a qual as
mergulhou na água, de modo a ficarem de fora apenas os seus rostos. De cinco
em cinco dias, a mãe ia ver seus filhos e lhes levava beiju de mandioca, para
comerem. O rio em cujas águas eles se tornaram gigantes era o Koka-ti, o
grande Araguaia.
Naquele
tempo, os indígenas eram todos muito pequenos e fracos, somente estes dois
meninos do rio cresceram gigantes. Entretanto, os índios da aldeia, nada
sabiam sobre eles, já que somente os pais visitavam os filhos. Quando
tornaram-se homens, o pai deixou que saíssem das águas, foi quando passaram
a viver na aldeia na companhia de seus pais. Mas todos se amedrontaram com
aqueles gigantes, dos quais o pai e a mãe jamais lhes haviam falado. O pai
construiu para os filhos uma casa gigante e lhes falou da ave rapina que tinha
devorado sua tia paterna. Dão, os filhos partiram em busca da ave, a fim de
vingar a morte da tia.
Lá
muito longe, na borda do grande cerrado, havia uma enorme árvore, cujos ramos
abrigavam o ninho da águia gigantesca. Suas garras eram tão grossas quanto
um tronco de árvore, a cavidade de sua boca era parecida com a fauce do
tapir, suas plumas lembravam folhas de bananeira e seus olhos eram de um
tamanho aterrorizador. A ave já havia devorado muitos indígenas: facilmente
os tomava em suas garras enormes e os levava pelos ares. Os índios viviam
aterrorizados, e temendo-a, nem se arriscavam a ir para fora da aldeia.
Os
homens gigantes foram até a árvore onde estava o ninho da águia, armados de
machado e lança, cuja ponta era feita de um grande osso de jaguar. Ao
aproximarem-se a águia os avistou e imediatamente precipitou-se sobre um dos
homens, que se defendeu com o machado. O outro, veio então correndo e matou-a
com a ponta óssea da lança. Na luta entre a águia e os dois indígenas, a
ave perdeu sua penugem. Os dois ancestrais Caiapós sopraram no monte de
penas, espalhando-as em todas as direções do vento. Com isso, a penugem
transformou-se em pássaros pequenos e, desde então, existem pássaros de
toda a espécie.
Pela
descrição deste mito, sabe-se que
nos primórdios da humanidade, a terra estava bem distante de ser considerada
um verdadeiro paraíso. O homem em confronto com a natureza sentia-se
fisicamente fraco e impotente, ficando ao domínio do terror exercido por um
monstro, a águia gigante. Até que a ira e a sede de vingança, motivos
sempre presentes entre os Caiapós, foi decisiva para a reformulação das
condições de vida, inspirando-os a se tornarem heróis dos tempos
primitivos, com condições de matarem o monstro e transformarem os índios em
um povo valente e forte.
A
proeza universal decisiva, realizada por dois irmãos, é o assassínio mítico,
a matança do monstro, da ave-gigante, que ameaça a humanidade, indefesa a
ela exposta. Eles libertaram os indígenas do seu estado de impotência e
fraqueza e lhes conferindo a autoconfiança, fator essencial das virtudes, da
masculinidade, no sentido da ética indígena.
Após
a matança, os heróis sopram a penugem da águia-gigante morta e as penas
espalhadas pelos ares, continuam voando como pássaros. Surgem então, pássaros
de todas as espécies e todas as cores. As peninhas menores da penugem
transformou-se no menor dos pássaros, o beija-flor.
Nesta
passagem, visualiza-se a concepção do mundo Caiapó da criação e evolução,
a partir do assassínio mítico, da morte de um ser superior. Contudo, com a
morte também observamos o renascimento, pois das penas da ave é gerado o
mundo dos pássaros. Mas o motivo do feito universal da morte e da criação
também está relacionado com um motivo típico para os Caiapós, o da
transformação por um ato perpetrado no afeto. Ainda sob o impacto da luta
vitoriosa e da derrota do adversário, os heróis sopraram na penugem deste,
provendo assim a formação de todo o mundo das aves.
No que se refere à relação entre homem e animal, para o índio, a caçada representa uma luta até as últimas conseqüências, com o objetivo da matança. Entretanto, o animal continua sendo considerado um parceiro, do qual o indígena depende. A luta é uma competição de forças com tal parceiro que, sob vários aspectos, pode ser superior ao homem. Muitas vezes, o homem é obrigado a empenhar todas as suas forças, toda a sua habilidade, valentia e sabedoria, de modo a não sair derrotado. Tal empenho de toda a sua personalidade, culminando na vitória final, proporciona ao indígena o maior e mais intenso de todos os prazeres da vida. Mas o animal é inimigo apenas em relação à caçada, à luta que traz a morte.
Apesar
de tais mal-entendidos, de luta e caça, o animal continua sendo parceiro do
homem e, entre ambos, até podem existir laços de afeição. Tais aspectos se
manifestam no dia-a-dia do nosso indígena que lamenta a morte de seus animais
domésticos da mesma forma como de um parente ou amigo.
Devemos
hoje, termos a
humildade e sapiência para reconhecermos que os povos mais
desenvolvidos tecnologicamente, nem sempre são os mais sábios,
muito menos os mais felizes. Devemos ser
capazes de lembrar que, como escreveu o chefe Seattle, “os cumes rochosos,
os sulcos úmidos do campo, o calor do corpo do potro e o homem, todos
pertencem à mesma família”.
Texto pesquisado e desenvolvido por
Rosane
Volpatto
“O ar é precioso para o homem vermelho, pois todas as coisas compartilham o mesmo sopro. O animal, a árvore, o homem, todos compartilham o mesmo sopro. O homem branco parece não sentir o ar que respira. Como um animal que agoniza há vários dias, ele é incapaz de sentir o mau cheiro. (...) Ensinem às suas crianças o que ensinamos às nossas crianças. Tudo o que ocorrer com a terra ocorrerá com os filhos da terra. Se os homens desprezam o solo, estão desprezando a si mesmos. A terra não pertence ao homem. O homem pertence à terra.” (Preservação do Meio Ambiente - Manifesto do Chefe Seattle ao Presidente dos EUA, Editora Interação/Fundação SOS Mata Atlântica, SP, 1989.)
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