Inô,
o mais velho pajé da nação Guaianás, possuía uma
filha tão bela que até mesmo, o próprio Tupã lá do
alto do monte Ibiapaba, contemplava com seu
poderoso olhar a linda guerreira.
Em
uma certa manhã, passeava a doce virgem feliz,
pelos verdes campos, junto as margens do
Anhangabaú, rio lendário que atravessava
Piratininga. Então o Senhor dos Deuses ficou
possuído de grande amor por ela e, sob a forma de
um valente guerreiro, principiou a tentá-la com
meigas palavras de fascinação:
-"Bela
e graciosa jovem, muito feliz será o homem que for
teu esposo; bem sei que poucos poderiam possuir-te.
Tu mereces ser amada por um Deus!".
A
moça ficou encantada com as belas palavras do deus.
E ele continuou:
-"Não
temas, pois eu sou o Deus dos Deuses, o Senhor dos
Céus, dos trovões, dos raios e da terra."
Nesse momento, a jovem foi envolvida pelo medo,
caindo em poder do tonante Deus. Desta união
nasceu uma linda menina.
Foi
tão comentado o nascimento da linda criançinha e
neta de Inô, que o poderoso Morubixaba Pojucã, os
sagrados Pajés; Ini, Jaça, Ubi, Itaú, Jurumá e
Araranguá, os sábios Abarés; Runá, jaguá, Itajaí,
Taió, os conselheiros Moacaras; Canicrã, Jarú,
Murim e Tubá e, os valentes guerreiros; Jaguarê,
Anhá, Taca, Canitú, Inê e Canherú, se reuniram
para escolher o nome que a menina deveria ter.
Depois de uma prolongada reunião, o grande Inô,
caminhando lentamente até a oca de sua filha disse:
-" O
Conselho dos Sábios Guaianás escolheram o nome de
tua filhinha, ela se chamará Uberlã".
No
alto do monte Ubiapaba, Jací, a poderosa Deusa Lua,
mãe da noite e esposa de Tupã, cheia de raiva com
a traição do marido, jurou vingar-se, do primeiro
homem que amasse Uberlã. A Deusa não poderia
despejar todo o seu ódio na inocente criança, pois
despertaria a ira de Tupã e sabe-se lá o poderia
fazer com ela.
A
menina foi crescendo em beleza e graça, além
disso, recebeu do seu velho avô, grande instrução
e muitos conhecimentos sobre as regras e preceitos
que constituem a bela história, a arte e os
maravilhoso cantos dos Tupis.
Em
uma ensolarada tarde, refrescando-se nas águas
límpidas do rio, Uberlá viu pela primeira vez sua
beleza no espelho das águas. E, ao contemplar tão
linda face, estremeceu de felicidade, pois
realmente ela muito mais bela do que sua própria
mãe!
Perto dali, passeava o valente pajé Maraí, que
exercia o sagrado ofício de sacerdote na Ocara de
Tupã. Maraí, que segundo a lenda era poderoso,
dominou por algum tempo toda a nação dos Cariris,
fez muitos trabalhos de pedra e deixou escrito
famosas histórias em língua Tupi e era filho da
própria nação Cariri. Fora ele o construtor do
famoso açude de pedra para prender as águas do
lendário rio Cariri, nas terras de Jatí no Ceará.
Fora ainda ele, que um dia, quando passeava pela
baixada úmida do Ipiranga, onde os Tupis
cultivavam a linda gramínea Chamada
capim-de-planta, plantou ali, a bela morácea que,
abençoada por Tupã, atravessou os anos e ainda lá
permanece, ficando conhecida pelo nome de "Árvore
das Almas".
Pois
foi nesta tarde, enquanto Uberlã encantada
contemplava a imagem de sua beleza refletida nas
águas do rio Tietê, perto de uma imensa floresta,
que a moça foi vista pelos surpresos olhos de
Maraí. Esse, apaixonou-se perdidamente ao primeiro
olhar e através de muitas súplicas falou de seu
amor para a moça. Porém, Uberlá desprezou-lhe as
palavras e saiu às pressas, fugindo do desejoso
homem.
O
pajé sem hesitação começou a perseguir a bela
donzela e quando chegaram a margem do fundo Tietê,
vendo-se perdida, a neta de Inô, suplicou ajuda da
Deusa Guerreira Sumé, sua protetora, pedindo que a
imortal se compadecesse dela e metamorfoseasse o
seu perseguidor. Nesse momento chegou o pajé e já
apoderava-se da jovem, quando seu corpo foi se
modificando em um verde e formoso aguapé, que é
uma linda planta aquática.
Foi
desse modo que a Deusa Jací vingou-se do primeiro
homem que amou Uberlã, e a bela planta acabou
sendo levada pelas águas.
Esta
lenda é um pequeno frasco dos múltiplos perfumes
da sabedoria indígena!
O
aguapé, para quem desconhece, possui a propriedade
de promover reduções de nitrogênio e fósforo,
sólidos suspensos, carbono dissolvido e coliformes
encontrados na água. Por esta razão, é muito
utilizado no tratamento do esgoto doméstico, assim
como no industrial. Além disso, é uma planta muito
usada em paisagismo, por sua grande beleza.
Nossos irmãos índios se beneficiavam dela por ser
também, uma planta medicinal. Suas folhas úmidas
eram utilizadas contra a febre e insolação.
Aproveitadas ainda em infusões, serviam como um
poderoso sedativo para dores em geral.
Para
os nossos queridos índios, que já estiveram em
total harmonia com a natureza, sempre buscavam uma
mágica explicação, tanto para o "ser" quanto para
o "estar" neste universo. E nosso índio está
coberto de razão, pois a magia está no ar, na
terra e no coração humano que possui a capacidade
de comover-se com a simplicidade.
Muitos são os estudiosos que buscam interpretar os
mitos e lendas indígenas, mas poucos são os que
realmente conseguiram elucidar o verdadeiro
significado do pensamento e da espiritualidade
indígena.
A
sociedade brasileira encontra-se distanciada da
cultura indígena, porque ainda hoje, está presa à
preceitos herdados dos europeus. Mas, felizmente,
a cultura é adaptativa e permite que todo e
qualquer indivíduo se ajuste a seu cenário e
adquira meios de expressão criadora.
CRIAR para MUDAR, estas são as palavras chaves.
Então, porque não criar um Brasil que atenda as
necessidades das culturas variáveis que aqui co-habitam?
Mas
as mudanças só acontecerão quando houver a
conscientização de que nosso país é nossa gente. E
gente, antes de tudo é cultura.
É
através desta brecha cultural que o Brasil poderá
reencontrar sua cara e seu jeito originalmente
índio de ser. Só uma "nova" consciência criará um
mundo novo capaz de enterrar a miséria e a
exclusão social para todo o sempre.
Texto pesquisado e desenvolvido por
ROSANE VOLPATTO