
TUPÃ E A
CRIAÇÃO

No
início de todas as coisas, Tupã criou o infinito cheio de
beleza e perfeição. Povoou de seres luminosos o vasto céu e
as alturas celestes, onde está seu reino. Criou então, a
formosa deusa Jaci, a Lua, para ser a Rainha da Noite e trazer
suavidade e encanto para a vida dos homens. Mais tarde, ele
mesmo sucumbe ao seu feitiço e a toma como esposa. Jaci era
irmã de Iara, a deusa dos lagos serenos.
Criou ainda, o
forte deus Guaraci, deus do Sol, irmão de Jaci, o qual dá
vida a todas as criaturas e preside o Dia.
Fez nascer também
Icatú, o belo deus. Formou um lugar de delícias para os bons
e um lugar tenebroso para os maus. Neste lugar vagam as almas
sem vida e os espíritos dos guerreiros sem glórias ou
fugidos das tribos. Tupã, após uma batalha, lançou para
este lugar sombrio, seu temível e poderoso inimigo Anhangá.
deus dos Infernos, chamando estes lugares de regiões
infernais. Juntamente com este impiedoso deus, à este mundo
subterrâneo também forma dirigidos: o jurupari que ficou
conhecido como mensageiro deste deus cruel; Tice, que
tornou-se esposa do deus das trevas; Xandoré (ave falconídea),
o deus do ódio; Caramuru e o Boto; Abaçaí e Guandiro e
muitos angás. Este era o reino do pavor, do ódio, da dor e
da vingança.
No alto dos céus,
sentado em seu trono, Tupã criou milhares de criaturas celestes que
executavam suas ordens e o louvavam. Fez nascer sobre os verdejantes
mares os Sete Espíritos e os gênios que sob as ordens do Boto deus
dos abismos dos mares, governavam os oceanos e habitavam na sagrada
Loca, que é a habitação dos deuses marinhos no fundo das águas.

Criou
Pirarucú, deus do mal e deu vida ao alegre Curupira, deus protetor
das florestas. Do mesmo modo, nasceram as Sete Deusas: Guaipira, a
deusa da história;
Pice
a deusa da poesia;
Biaça,
a deusa da astronomia;
Açutí,
a deusa da escrita;
Arapé,
a deusa da dança;
Graçaí,
a deusa da eloqüência;
e
Piná. a deusa da simpatia.
Depois
criou para a alimentação dos deuses, o divino Ticuanga, o bolo
feito de massa de óleos e outras iguarias deliciosas para alimentar
e deleitar os imortais. Mandou em seguida, preparar o sagrado
Tapicurí, o vinho dos sacros deuses e Tamaquaré, a fina essência
aromática usada pelos Senhores da Eternidade. Estabeleceu as horas,
os minutos e os segundos. Fixou as estações e as mutações. Deu
uma forma estável e regular ao Universo e instituiu o Nadir e o Zênite.
Fez nascer a reciprocidade e criou:
Catú,
o deus outonal,
Mutin,
o deus da primavera,
Peurê,
o senhor do verão
e
Nhará, que preside o inverno.
Criou
também Tainacam, a deusa das constelações. Igualmente deu vida as
Tiriricas, as deusas da raiva, do ódio e da vingança. Colocou nas
densas florestas o Caapora, deus vingativo, protetor das casas e dos
animais e lhe deu o feroz porco caitetú, sobre o qual cavalgava o
temido deus, protegendo os filhotes dos animais. Criou Aruanã, o
deus da alegria e protetor dos Carajás e faz germinar no norte do
Brasil as ricas e belas carnaubeiras, chamadas de árvores da vida.

Para
concluir sua obra, Tupã veio ao mundo e fez o homem e deu-lhe como
companheira a mulher e logo eles se multiplicaram e encheram toda a
terra. O poderoso deus tomou então das suas criaturas e
ensinou-lhes a arte de tirar do seio da terra, ricos legumes e
frutas, trabalhar com barro e argila e do férreo Ubiratã, fazerem
as mais fortes lanças e armas de guerra. Depois transmitiu aos
homens todo o conhecimento sobre os remédios para todas as doenças.
Finalmente, ensinou-lhes as artes que tornam a vida mais suave a
amena. Abençoou o sagrado Ibiapaba, Monte Sagrado dos Deuses
Brasileiros e nele permitiu a permanência das Parajás, do bondoso
Inoquiué, das Parés, de Solfã e de outros deuses imortais. Até
ele próprio lá comparecia, vez por outra.
Alegres
viviam os homens, felizes cresciam as crianças. Todos os deuses
gloriosos e imortais amavam-nos e davam-lhes formosos e ricos
rebanhos de capivaras, pacas e cabras. Ao morrerem, os homens não
sofriam, pois mergulhavam em doce sono, seus corpos voltavam à
terra e suas almas subiam aos céus. A vida proporcionava todo o bem
imaginável. A terra era fértil e produzia-lhes todas as árvores
frutíferas que precisavam. Se algum mortal faltava com a veneração
dos imortais, entretanto, era duramente castigado. Os deuses
reuniam-se em assembléia na Monte Ibiapaba e enviavam as mensagens
aos homens pelo alegre Curupira, o qual, possui os calcanhares para
diante, os dedos para traz e habita as floresta, castigando
todo aquele a destrói ou incendeia e é mais célebre do que Polo,
o deus do vento.
Mas,
eis que um dia, Anhangá, cheio de inveja, transformado numa bela e
astuta jararaca gigante, soprou no ouvido dos homens a maldade e
ainda que os outros deuses protetores vagassem em torno deles para
ajudá-los, nada conseguiram. Então começaram os homens a serem
dominados por grande ambição e as Parajás, deusas do bem, da
honra e da justiça, que eram inseparáveis, envolveram o corpo com
brancas plumas e abandonaram os mortais, voltando para junto dos
deuses eternos e a escura deusa Sumá (deusa inimiga dos homens),
envolvida em negra manta, feita de cipó chumbo, vagou pela terra,
espalhando ódio e discórdia. Deste modo os maus sentimentos
ganharam o mundo e os mortais tiveram o conhecimento do mal, da
injustiça e amaram mais a maldade do que as belas virtudes.
No
alto dos céus, com os outros deuses, Tupã dominava, desde o começo
dos tempos e numa grande batalha, vencera o cruel deus Anhangá,
senhor dos infernos e seu irmão, o deus Xandoré.
Com
o seu poder, Tupã aprisionou o deus do ódio na sagrada serra do
Ibiapaba. Algum tempo depois, ele foi solto por Jururá-Açu a bela
imortal. Por castigo, Tupã, fez nascer nas costas desta deusa uma
espécie de concha, e cobriu-lhe o corpo todo como uma cor amarelada
e Jururá-Açu transformou-se na feia e horrível tartaruga que
habita as águas doces dos rios. Assim, pode Tupã se gloriar de ter
vencido todos os que se opunham à ele.
Mas
agora Tupã arrependeu-se de ter criado os homens! Voltou ele então
à Ibiapaba e se reuniu em assembléia com os imortais. Depois de
muita discussão, chegaram à um consenso que deveriam destruir a
terra e todos os homens.
Já
Caramurú, deus que presidia as faíscas e as ondas revoltas dos
grandes oceanos, por ordem do Conselho Divino, queria derramar sobre
a terra os seus raios e curiscos, mas o deus do trovão decidiu que
a terra deveria ser engolida pelas águas da chuva.
Desta
forma, Polo aprisionou os ventos na forte e gigante palmeira ubuçú,
mo Monte Araçatuba. Boto desceu à terra, convocou todos os
grandes e pequenos rios e Iara, raivosa, ordenou as fontes e as
chuvas que caíssem abundantemente durante quarenta dias e noites,
sem cessar.
Os
Sete Espíritos dos grandes oceanos por ordem do Boto, atiraram para
a terra seca, bravias ondas dos mares e fortes aguaceiros
despencaram dos céus. As janelas celestes se abriram e as plantações
dos Tupis quedaram-se sob o peso das águas e da tempestade. As águas
invadiram toda a terra levando com elas as ocas, as tabas, as árvores
e os templos. Os animais se debatiam nas ondas. Tribos numerosas
eram engolidas pela inundação e os que escapavam das águas,
morriam nas alturas dos montes por determinação de Tupã.

Quando
Tupã olhou para a terra, viu o mundo submerso em águas mortas e
apenas um casal de homens reverentes para com os eternos,
contemplava os céus: Açu e Pirá. Neste instante o senhor dos
mundos, fez baixar as águas e surgiram novamente as montanhas, a
planície e a terra seca.
Açu
olhou a sua volta e viu tudo mergulhado no silêncio da morte. As lágrimas
começaram a molhar sua face, quando perguntou a Pirá:
-
Somente nós não sucumbimos no cataclismo, o que faremos sós e
abandonados nesta imensidão?
Os
dois suplicaram entre salgadas lágrimas que a meiga e doce deusa
Caupé para que os ajudassem a recuperar toda a geração morta
Ouvindo tais súplicas a deusa desceu e falou-lhes:
-
Olhai três vezes para os céus e dizei: descobrimo-nos perante vós
deuses imortais, curvamos as nossas cabeças perante vossas ordens.
Depois, tomai grande porção de areia e atirai para o alto.
Não
hesitando um só momento em executar os tais ensinamentos da deusa e
mal atiraram os grãos de areia, viram que deles surgiram imagens,
formas humanas. E, desse modo, com o auxílio divino, nasceram
milhares de homens e mulheres e essa geração humana vindo de um só
ramo Tupi, encheu todo o lendário Brasil.
Depois
de algum tempo, Açú e Pirá tiveram um filho, Tujubá, o
ascendente dos tupinambás. Os filhos deste foram: Arumã, o herói,
Moema, Taparica, que foi pai de Paraguassú, Irapuã, Tibiriça que
foi pai de Bartira, esposa do guaraciaba (João Ramalho), fundador
de Piratininga, Tamará, Jucuré o semi mortal, Icundi, e o belo
Gunzá, Araribóia, o valente, Taparica, o invencível, Paumá, o
navegador, Inhampuambuçu, o vingativo, Poti, o guerreiro e
Mendicapuba e a formosa Agniná.

Texto pesquisado e desenvolvido por
Rosane Volpatto
Bibliografia:
As Mais Belas Lendas
Brasileiras - Wilson Pinto; Edições Excelsus; SC







|