JURUPARI, O FILHO
DO SOL

Em uma das
versões desse mito, o Jurupari é um profético-legislador, o filho
de uma virgem, concebido sem contato com homem, pela virtude do sumo de
uma fruta proibida do mato, no momento em que Ceuci comia embaixo
da árvore, esta fruta que era proibida as donzelas.
Para as tribos do rio Negro, essa fruta tratava-se da cucura, para as do
rio Uaupés, o pilhican ou o uacu. Já no Solimões é a parumã. Sempre frutas
proibidas às jovens e também aos jovens, antes da iniciação. Se as
comessem ficariam grávidas.
Jurupari veio à mando do Sol,
era portanto um "Filho do Sol," que deveria reformar os costumes da
terra e também encontrar a mulher perfeita com quem o Sol pudesse
casar. Não a encontrou e jamais encontrará. Mas, talvez até por que não
lhe desagrade a missão, continua sua busca, sem que se saiba o caminho por
onde se tem arriscado nessa esforçada e inútil tentativa. Só regressará ao
céu no dia em que a tiver encontrado e corresponder assim, a confiança
nele depositada. Enquanto isso não acontece, ele desenvolve sua atividade
em outro sentido.

Quando o Jurupari chegou à
terra, as mulheres é que mandavam, elas eram as representantes do sexo
forte (sistema matrilinear). O enviado do Sol não gostou do que viu.
Cassou-lhes de imediato o poder (sistema patrilinear), transferindo-os
para os homens, sob o fundamento que as coisas como estavam iam de
encontro ás leis do Sol (deus masculino).
Para os homens se tornarem
independentes delas, instituiu grandes festas em que só eles podiam
participar e segredos só a eles contou. As mulheres que fraudassem tais
regras deviam morrer. E, em desobediência a esta lei, morreu Ceuci, a
própria mãe do legislador.

As leis de Jurupari revelam
que os homens só são iniciados nos seus segredos depois de sofrerem, desde
a puberdade, esmerado preparo e atingirem a idade em que se sentem
plenamente fortes para resistir a qualquer sedução que lhes queira
arrebatar os segredos. A morte á a punição a todo aquele que o desvenda.
Castigo idêntico recaía sobre a mulher que, mesmo por acaso, soube ou viu
os instrumentos sagrados.

Jurupari, como profeta
dominador, obrigou as jovens da tribo a manterem a virgindade até a
primeira menstruação; condenou o homossexualismo; o incesto e o adultério
que eram punidos com a morte.
Jurupari também estabeleceu uma rigorosa distribuição
de trabalho: os homens deveriam ir à guerra, à caça e pesca e às
derrubadas da mata. As mulheres deveriam dedica-se à cerâmica, tecelagem,
transporte de carga, trato dos filhos e agricultura.

OUTRAS VERSÕES DO
MITO

Entre os índios Baré, tribo do
rio Negro, que viveram juntamente com os manau, na região onde hoje se
encontra a capital do Amazonas, Manaus, Jurupari nasce por intervenção do
espírito da Lua. Aqui veremos claramente que a Lua, para esses indígenas,
é uma força fertilizadora de muita eficácia. Faz as sementes germinarem,
as plantas crescerem, os animais gerarem seus filhotes e as mulheres seus
filhos. Entretanto, não é a Lua que engravida diretamente a mulher, mas a
Mãe Lua, sentada lá em cima no céu, envia o Pássaro-da-Lua à terra para
trazer filhos às mulheres.
Não só nossos índios, mas
muitos outros povos têm crenças similares. A maioria dos povos primitivos
não acreditavam que o homem tinha importância na reprodução. Alguns
pensavam que a sua função era meramente romper o hímen ou dilatar a
passagem, para assim abrir caminho para o raio lunar entrar, pois
acreditavam ser a lua o verdadeiro agente fertilizador. Na maioria das
tribos primitivas, a lua era chamada de o "Senhor das Mulheres", pois ela
é considerada não só como a fonte da habilidade da mulher em gerar
crianças, mas também como a protetora e guardiã das mulheres em todas as
suas atividades especiais.

Mas, então vamos dar início à
nossa lenda:
Segundo uma lenda, a filha de
um velho pajé estava angustiada com a demora de seu pai de retorno de uma
pescaria e resolveu procurá-lo, lá perto da cachoeira do Bubure. Porém a
noite chegou e ela teve que procurar um lugar para descansar. Deitou-se em
uma relva macia e ficou apreciando a beleza da Lua até que o sono veio,
adormecendo-a. Sonhou, então, que um grande espírito saía da Lua. Era o
dono de todas as coisas. Desceu até o local onde ela se encontrava,
deitou-se com ela e mantiveram relações sexuais, sem que ela despertasse.
No outro dia a moça, voltando
para casa, encontrou seu pai. Contou-lhe o sonho e, tempos depois, viu que
estava grávida. Teve em seguida outros sonhos curiosos, que também relatou
ao seu pai:
-"Paíca, sonhou com uma porção
de coisas bonitas e vou contá-las para ti. Sonhei que este filho que tenho
dentro de mim, eu o tive em cima de uma serra grande e o corpo dele era
transparente, preto seu cabelo e veio falando.
Quando eu o tive, os animais
vieram para junto dele, alegrá-lo. Daí, anoiteceu, meu filho tinha fome,
meus peitos estavam secos e ele chorava. Nesse momento, um bando de
beija-flores, com um bando de borboletas, trouxeram mel de flor, dando à
ele.
O menino se calou, seu rosto
alegrou-se e os animais o lambiam contentes. Como estava muito cansada,
deitei ao lado de meu filho e adormeci.
Quando acordei no outro dia,
meu filho estava longe de mim no comprimento de uma flecha. Quis ir para
junto dele, mas os animais não me deixavam passar. Gritei por meu filho.
Então, vi o bando de
borboletas suspendê-lo e vir para o meu lado. Nesse momento os animais me
cercaram, puseram-se em pé encostados em mim para lambê-lo.
Eu senti ciúmes de meu filho,
levantei-o na altura de minha cabeça, o peso dos animais me derrubou e meu
filho ficou suspenso nas asas das borboletas.
Assim que acordei, ainda
julgava verdadeiro meu sonho e olhei para toda a parte para procurar meu
filho. Quando ele buliu dentro de mim, lembrei-me, então, de tudo."

O velho pajé realizou, então,
sondagens por meio de sua arte e viu que seu neto que estava para nascer
seria o Dono da Terra.
O avô quis então assistir o
nascimento deste neto tão importante, mas na noite que sua filha ia tê-lo,
um sono bem grande agarrou-se nele e ele dormiu.
Pela madrugada, todos os
animais acordaram contentes e em sua alegria cantavam bonito. Um barulho
de vento foi ouvido no céu. Eram pássaros que andavam procurando aquele
que tinha nascido.

Já ao amanhecer, o velho
acordou espantado ao ouvir barulho tão grande e perguntou aos animais:
-"O que está passando no meio
de nós?"
Todos respondem:
-"Nasceu Poronominare, Dono da
Terra, Dono do Céu.
E o velho torna a perguntar:
-"Onde?"
E em coro os animais
responderam:
-"Em cima da Serra dos
Jacamins".
Imediatamente, o avô feliz
partiu para a Serra dos Jacamins, mas não pode subir quando chegou na
base, porque uma porção de animais guardava a serra. Ele transformou-se,
então, em pássaro Jacaruarú e subiu.
Encontrou Poronominare sentado
em cima da serra com uma zarabatana na mão, dividindo a terra, mostrando a
cada animal o seu lugar.

Assim, a noite caiu. Quando o
outro dia apareceu, tudo estava calado na Serra dos Jacamins, somente a
figura de um grande Jacaruarú estava encostada na pedra.
Longe, lá para o lado que o
Sol se deita, a gente ouvia a voz da mãe de Poronominare.
Contam que ela cantava,
enquanto as borboletas a iam levando para o céu.

Existe ainda, uma outra versão
desta mesma lenda, com algumas variantes.
Nessa outra tradição, a mãe de
Poronominare não conseguia voltar no outro dia para casa, quando saiu a
procura do pai. Depois do sonho, quando acordou já era dia e as águas
vinham subindo em verdadeira inundação.
Ela havia terminado de sonhar
que o dono de todas as coisas, com seu corpo claro e com uma sombra que
aparecia de um lado para o outro se fora.

Diz a lenda: "quando ela acordou, o dia já
vinha avermelhado e havia barulho de água. Olhou para todos os lados e
reconheceu que as águas estavam crescendo, que ela mesma estava para ir
para o fundo.
Viu para baixo uma ilha, nadou para lá. Quando
já estava para alcançá-la, um peixe mordeu sua barriga e tirou dela alguma
coisa.
Já em terra, sentiu sua barriga rasgada, meteu
a mão lá dentro e não sentiu nada."
A jovem foi encontrada dias depois por seu pai
e já se sentia grávida.

Essa variante é a que contavam os Tucano e bem
próxima da narrativa dos Tariana. Segundo esses últimos indígenas:
"uma cunhã, após tomar idapá com os velhos da
tribo, sentiu-se grávida, sem ter tido relações com homem algum. Tempos
depois, quando atravessava um rio, uma traíra morde-lhe a barriga,
nascendo por esse rasgão o seu filho."
Esse personagem recebeu o nome de Izi, que
quer dizer "o filho do Sol".

Continua a lenda: "quando Izi nasceu, punha
fofo pela cabeça pelas mãos e pelo corpo e fazia barulho que amedrontava a
floresta".
Posteriormente, Izi, já crescido, é aclamado
chefe da tribo e dá aos homens todos os ensinamentos necessários para a
instituição do poder dos homens na sociedade.

Já outra interessantíssima versão, relacionada
com a virgem que concebe por ter comido um fruto proibido, recolhida por
Barbosa Rodrigues, nos leva aos ancestrais do "Filho do Sol":
"Muito, muito antigamente, contam os Tariana,
apareceu na margem do rio Ukairy ou Ucaiari, uma horda de mulheres,
acompanhadas de alguns velhos, já impossibilitados de serem pais.
Essas mulheres não tinham alegria, porque não
podiam ter filhos. Porém, um dia, ao banharem-se num lago, a Cobra Grande
veio até elas. A atração, encantos e os desejos das mulheres se combinaram
para que a Cobra Grande as seduzisse e elas foram fecundadas, nascendo
muitos meninos e muitas meninas.
Entre as meninas houve uma que logo
destacou-se por ser a mais bela. Quanto mais crescia mais atraente ficava.
Foi ela que, já moça, tomou o suco da fruta uacu (ou uacuia) e ficou para
ter criança. Conduziram-na, então, para o alto de um local afastado, na
Serra dos Jacamins.".
Os jacamins, portanto, são muito importantes,
pois são eles que ligam o tema da horda de mulheres ao aparecimento do
herói solar.

Vemos no Jurupari a
representação do poder masculino as vezes justo, mas em outras extremado O
sentimento de ódio e paixão às mulheres é o que domina no Jurupari.
Algumas mulheres, também o possuem, sem saber, a força do Jurupari, a sua
faceta masculina que se expressa com maior ou menor intensidade.
Até hoje se mantêm na Amazônia
o culto ao Jurupari.

Texto
pesquisado e desenvolvido por
Rosane
Volpatto

Bibliografia
Lendas do Sul - J. Simões Lopes Neto
As Amazonas - Fernando G. Sampaio
Amazônia - Gastão de Bettencourt
Lendas do Rio Grande do Sul -Publicação n. 7 -
Comissão Estadual do Rio Grande do Sul
Mitos Ameríndios - Oswaldo Orico


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