CATXERÊ, A MULHER-ESTRELA


Esta é a estória de Catxerê, a mulher estrela,
que desceu do céu, dormiu com o índio e ensinou os Craó a plantar e
preparar o milho, batata, inhame, mandioca e amendoim.
O último rapaz solteiro da tribo dormia sozinho,
sobre a sua esteira, no pátio da aldeia. Uma estrela o viu lá de cima,
e, condoída, resolveu casar com ele.
Para isso, transformou-se em um sapo e, pula que
pula, subiu em seu peito.
O dorminhoco acordou assustado e, com um tapa,
atirou-o no chão. Mas então o sapo virou formosa mulher e dormiu com o
jovem.
Pela manhã, a cunhantã diminuiu de tamanho. Ficou
tão pequenininha que pediu ao noivo que a guardasse no porongo que estava
pendurado no fumeiro. Durante o dia, o índio tirou o porongo de lugar,
destampou-o e sorriu para a moça que lá estava encerrada.
Quando saiu para caçar, recomendou que ninguém
mexesse naquilo, mas a irmã dele, cheia de curiosidade, abriu-o e
descobriu lá dentro a minúscula mulher.
Ao voltar, examinou o nó tradicional da sua tribo e
compreendeu que alguém havia violado seu segredo.
Zangado, declarou que viveria com Catxerê, como
marido e mulher.
- Não vou mais dormir no pátio, como os solteiros!
A irmã arrumou as suas camas dentro de casa. À
noite, ele tirou a moça da cumbuca e Catxerê cresceu, tornando-se alta e
bonita.
Pela manhã foram banhar-se juntos no rio, e ela viu
uma árvore grande, cheia de espigas, que os periquitos beliscavam.
Catxerê ensinou então, aos Craó
como
se planta, colhe e
prepara o milho, assim como a mandioca, o inhame e o amendoim, que até
então não eram conhecidos, pos os indígenas alimentavam-se de pau puba.
Mandou o rapaz fazer uma roça. Ensinou-lhe a
derrubar com o facão, a carpir, a plantar.
- Agora volto ao céu, onde vivem meus parentes, e
trarei mudas de batata, inhame, mandioca, amendoim, para plantar na roça.
Logo depois voltou. Tudo foi plantado e os índios
adotaram para sempre as plantas ali cultivadas.
Uma noite, porém, quando o índio andava a caça,
apareceram em sua casa cinco homens que, sabendo de sua ausência,
violentaram a mulher-estrela. Depois deitaram-se à dormir. Ela aproveitou
o seu sono e cuspiu na boca de todos eles, matando-os. Os Craó davam
grande importância mágica ao cuspo.
Quando o marido voltou, contou-lhe tudo e subiu para
o céu.
E nunca mais voltou....
Inúmeras são as Deusas-Estrelas por nós
conhecidas na mitologia. Podemos citar a Nut dos egípcios, a Arianrhod
dos celtas entre outras. Todas relacionam-se com o elemento ar e todas
são portadoras de mudanças que dão continuamente novos rumos ao planeta
Terra.
Nossa brasileirinha deusa Catxerê é uma divindade
estelar que nos desperta a criatividade e nos ajuda a perder o medo das
mudanças.
SIMBOLISMO
Nesta lenda indígena, observamos a presença
inicial do nosso amigo "sapo", que aqui não é um príncipe
encantado, mas uma estrela encantada. É um pouco estranho, pois o sapo é
considerado via de regra uma divindade lunar, considerado o responsável
pelos eclipses, quando devora a Lua.
Ele é também considerado o deus da chuva entre os
maias quíchuas e no Extremo Oriente. Já na iconografia asteca representa
a Terra.
Mas o sapo tem ainda uma ligação muito forte com o
ser humano, porque o embrião, durante a gestação, quando é mulher
transforma-se em sapo e em pequeno lagarto, quando é homem. Este é um
dos motivos talvez, pelos quais a estrela tenha se transformado primeiro
em sapo, para depois tornar-se mulher.
O sapo tem "afinidade com o sexo da mulher,
trazendo depois do coito, a flacidez pós-ejaculatória da verga".
Essa conotação sexual se encontra ainda na Grécia,
onde era o nome de uma cortesã célebre, Frinéia, sacerdotisa de
Afrodite, que se atirou completamente nua nas ondas para depois brincar de
Anadiomena. (isto é, de Vênus, "saindo da água"), depois de
ter participado das festividades livres, das quais Afrodite era pretexto e
que encerravam a festa de Posidônia.
A ESTRELA QUE ENSINA A PLANTAR
O céu é o reflexo da terra. Juntos constituem a
caverna primitiva de onde se originaram os seres humanos, as plantas e as
divindades luminosas.
Esta deusa-estrela de nossa lenda, portanto, não é
distinguível dos deuses da vegetação, pois da mesma forma que as
estrelas são flores e o milharal do céu, também as flores e os
milharais representam as estrelas da terra.
Está é então uma lenda que nos fala da deusa da
vegetação e do grão, do mundo de nossos avós indígenas.
Texto pesquisado e desenvolvido por

Rosane Volpatto

Bibliografia:
Estórias e Lendas dos Índios -
Herbert Baldus; Gráfica e Editora EDIGRAF Ltda; SP
Lendas dos índios Craó - Harald
Schultz; Revista do Museu Paulista, Nova Série, Vol IV, SP, 1950, pp.
83-86
