O CURUPIRA, O DUENDE
"ECOLÓGICO"


Curupira, de "curu", abreviação de "curumi" e "pora", corpo ou corpo de
menino. É a "Mãe do Mato", o tutor da floresta, que se torna benéfico ou
maléfico aos freqüentadores desta, segundo as circunstâncias e o seu
procedimento.

Ele
possui várias formas apresentando-se através de uma figura de um menino de
cabelos vermelhos, peludo, com a particularidade de ter os pés virados para
trás (no rio Negro); ser privado de órgãos sexuais (Pará); com dentes azuis ou
verdes e orelhudo (rio Solimões).
Sob sua
guarda direta está a caça e é sempre propício ao caçador que mate de acordo
com suas necessidades. Mostra-se extremamente hostil ao que persegue e mata as
fêmeas quando prenhas ou cause danos aos filhotes. Para estes o curupira é
inimigo terrível. Consegue iludi-los sob a feição de caça e deixa-os no mato à
fome e desamparo. Esta entidade é capaz de imitar a voz humana para atrair os
caçadores, fazendo-os com que se percam dentro da floresta.
Além de
ser protetor dos animais, o Curupiraé considerado o Senhor das Árvores.
Entre
os mitos indígenas, o Curupira é incontestavelmente o mais antigo, companheiro
inseparável das crenças populares, de onde se admite a possibilidade de ser
verdadeiramente indígena, senão antes legado pela população primitiva que
habitou o Brasil no período pré-colombiano e que descendia dos invasores
asiáticos. Por esta hipótese, teria passado dos Nauas aos Caraibas e destes
aos Tupis e Guaranis. De sua existência há notícia nos primeiros cronistas da
nossa formação, em Anchieta (1560), Fernão Cardim (1584), Laet (1640) e Acuña
(1641).

Todos
lhe celebraram as manifestações como guardião das florestas. Fatores naturais
do tempo e do espaço se encarregaram de modificá-lo pouco a pouco. Assim,
atravessando épocas e geografias, o Curupira foi sofrendo inevitáveis
influências do meio por onde se estendeu, adquirindo novas feições e ganhando
novos atributos. Para crença em geral, ele o Senhor, a Mãe, o Guardião das
florestas e da caça, que castiga a todo aquele que a destrói, premiando a
aqueles que não o contrariam ou se mostram solícitos e obedientes.
O Curupira, ora é imperioso e brutal, ora é delicado e compassivo, ora não
admite desrespeito ou desobediência, ora se deixa iludir como uma criança. Em
cada região adquiri um tipo característico, quando varia o lugar. Segundo uma
crença generalizada, é o responsável pelos estrondos da floresta. Armado com
um casco de jaboti, bate nas árvores para ver se conservam-se fortes para
resistir as tempestades.
No Alto Amazonas, porém, bate é o calcanhar.

Tão
variadas são as suas metamorfoses, que não é difícil vê-lo tomar a forma
feminina e mesmo, a dos dois sexos, que lhe dá uma aparência andrógina. O
Curupira, entretanto, sob qualquer aspecto que se apresente, sempre tem os pés
voltados para trás, que são indícios para filiá-lo ao berço semítico, o qual
nos refere a uma crença corrente na Ásia em "Homens com pés voltados para
trás", bem como os que tinham "orelhas grandes" eram comuns.
Transplantada para solo americano, esta crença foi se modificando ao sabor das
circunstâncias. Assim é que vemos surgir o Curupira sob diferentes nomes: o "Maguare",
na Venezuela; o "Selvaje", na Colômbia; o "Chudiachaque", no Peru; o "Kaná",
na Bolívia. Como se vê, inúmeras são suas metamorfoses e designações, conforme
testemunhos e fatos colhidos na história.

Quando Curupira entra no Maranhão, não muda de nome, mas mora no galho dos
Tucunzeiros e procura as margens do rio para pedir fumo aos canoeiros e
vira-lhes as canoas quando não lhe dão, fazendo as mesmas correrias pelos
matos onde tem as mesmas formas com que se apresenta na Amazônia. Atravessando
pelo Rio Grande do Norte e pela Paraíba, toma então o nome de Caapora.
Conta-se que tornou-se inimigos dos cães de caça. Obriga-os a correr atrás
dele, para fazer com que os caçadores o sigam, mas desaparece de repente,
deixando os cães tontos e os caçadores perdidos. Nestes locais anda sempre à
cavalo, ou montando um veado ou um coelho.
Em
algumas ocasiões, foi descrito como um índio de pele escura, nu, ágil, fumando
cachimbo e que adora fumo e cachaça, dominando com seus assobios os animais da
mata. Indo o caçador munido de fumo e encontrando o Caapora, se este pedir-lhe
e for satisfeito, pode contar que será daí em diante feliz na caça. Por
outro lado, o que mais detesta é o alho e a pimenta, capaz de provocar-lhe
cólera.
No
Ceará conserva o nome de Caapora, porém muda novamente seu aspecto, perde todo
o pelos do corpo, que se transforma numa enorme cabeleira vermelha,
apresentando também dentes afiados.

O
Caapora não é senão um prolongamento do Curupira.
Em Pernambuco lá está ele
com suas características. Montado em uma queixada, tem nas mãos um galho de iapekanga
ou arco e flecha, trazendo consigo sempre um cão a que dão o nome de
"Papa-mel". Em uma carta de 1560, o padre José de Anchieta inclui esse duende
entre as aparições noturnas que costumam assustar os índios.
Para o sacerdote, que entre nós
esteve quando o Brasil amanhecia, o Curupira, muitas vezes, atacava os índios
nos bosques, açoitando-os, atormentando-os e matando-os. Os índios costumavam
deixar penas de aves, flechas e outras coisas semelhantes, em algum ponto da
estrada do sertão, quando passavam por lá, como se fosse uma oferenda e,
humildemente imploravam a esse personagem, que não lhes fizesse mal.

Em Sergipe, mostra-se
sempre gaiato e, brincando faz o viajante rir até cair morto. Por isso talvez,
que ele é venerado como "espírito cômico". Passando pela Bahia, sofre aí uma
transformações completa e não só muda de nome como de sexo, aparecendo sob a
forma de "caiçara", cabocla pequena, quase anã, que anda montada num porco.
O Curupira e o Caapora constituem a mesma personificação do guardião das
florestas, sendo o primeiro peculiar da região setentrional e o segundo da
central e meridional.
As lendas e histórias dos seres
encantados brasileiros, são entre todas, as mais lindas, pois sempre tiveram
um cunho de ingenuidade. Na fala simples do nosso índio, elas foram passando
de geração para geração, mas sem perder seu sabor regional e seu conteúdo.
Sofreram algumas variantes, quando foram passando de boca em boca, contadas
pelos seringueiros, caboclos e portugueses, mais ainda hoje, possuem um
sentido especial e são narradas com a maior seriedade.

Texto
pesquisado e desenvolvido por
Rosane Volpatto


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